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'Temos de cobrar que escolas fiquem prontas para reabrir e rápido', diz líder de movimento de mães

Lana Romani, do Escolas Abertas, diz que é preciso garantir o cumprimento dos protocolos nos colégios; grupo vai recorrer de decisão que suspendeu retorno

29 jan 2021 - 13h06
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Depois de pressionar e conseguir a reabertura de escolas na capital paulista, um movimento de pais de estudantes vê um novo desafio pela frente: exigir do poder público que colégios tenham estrutura e cumpram protocolos sanitários. "Temos de cobrar que façam o trabalho deles, que escolas que não estão prontas fiquem prontas e rápido. Sabemos da discrepância entre as de primeira linha e as municipais e estaduais", diz Lana Romani, de 43 anos, uma das criadoras do movimento Escolas Abertas.

Em dezembro, o Escolas Abertas, uma mobilização que surgiu em um grupo de WhatsApp de pais da Saint Paul's School, entrou com uma ação na Justiça para que a Prefeitura de São Paulo autorizasse o retorno das escolas. A volta foi liberada a partir do dia 1.º de fevereiro, mas, apesar do aval, parte dos pais e professores tem medo da contaminação pelo coronavírus. Para Lana, é preciso diálogo para que as famílias se sintam seguras de voltar à escola.

Já as restrições recentes por causa do aumento de casos e mortes, como as verificadas em alguns países europeus, não devem afetar os colégios. "Se tiver de priorizar alguma coisa, temos de priorizar o que é essencial: hospital, farmácia, supermercado e educação", diz Lana, que vê prejuízos educacionais e emocionais às crianças depois do longo tempo em que ficaram afastadas da rotina escolar. O Escolas Abertas lamentou a decisão judicial que barrou o retorno às atividades presenciais em todo o Estado de São Paulo e afirmou que vai recorrer.

A liberação da volta às aulas pela Prefeitura foi uma vitória?

Foi, sem dúvida, uma grande vitória, de uma primeira batalha, porque estávamos há dez meses sem aulas, sem perspectiva de abertura por parte da Prefeitura e, depois de tanta luta, argumentos, tanta ciência sendo mostrada, finalmente nos escutaram e viram que não dá mais para ficar sem aulas, que os prejuízos são muito maiores. Não é uma guerra ganha, é uma batalha ganha. O que a gente luta é para que escolas retornem de acordo com protocolos, com segurança. Isso é algo que continuamos batalhando. Eles (Prefeitura) prepararam muitas escolas e outras precisam se preparar ainda.

Qual a importância de manter a escola aberta?

Existem diversos prejuízos com a falta de aulas presenciais. Na primeira infância, de 0 a 6 anos, temos prejuízo de natureza psicomotora. Essa é uma idade em que não recuperamos o tempo perdido em sala de aula. Tem ainda a parte de alimentação balanceada, que é feita nas creches, e faz com que o cérebro da criança cresça e se desenvolva. Quando se perde esse timing, o prejuízo é irrecuperável. Sem contar a perda de socialização. A criança precisa ter rotina. Já de 7 a 12 anos, temos outros tipos de problema. A grande herança da pandemia será a saúde mental dessa geração. A conta vai chegar e chegar alta. Aumentaram os números de tentativas de suicídio, transtornos alimentares, ansiedade. No caso de crianças de classes C, D e E, tem problemas de desnutrição e fome. Crianças que conseguiram ter o homeschooling têm problemas de obesidade, elas estão mais estressadas, atordoadas pelo estímulo da tela. E, por fim, abusos sexuais, violência doméstica, acidentes domésticos porque muitas ficam sozinhas em casa.

A Prefeitura inicialmente liberou escolas só para 35% da capacidade, enquanto o Estado indicava 70% na fase amarela. Recentemente, o Estado entrou na fase laranja e vermelha e também só se pode voltar para 35% dos alunos. Esse porcentual é suficiente?

Nosso pleito era que a Prefeitura cumprisse o plano de reabertura do governo do Estado porque a gente entende que o plano desenhado pelo governo do Estado tem a capacidade científica de entender por que é 35% (de capacidade) na (fase) vermelha e laranja e 70% na amarela. Quando a Prefeitura anunciou que, na fase amarela, seria só 35%, entendemos que tinha de ser 70%, uma vez que estamos há muito tempo fechados. Íamos lutar pelos 70%, mas o secretário (municipal da Saúde) Edson Aparecido já sabia que entraríamos em fase crítica, na fase laranja. Temos certeza que a Prefeitura saiu com os 35% (de capacidade) porque sabia que em sete dias haveria mudança para a fase laranja. Dentro de uma pandemia na fase laranja, apoiamos os 35%.

Se a capital voltar à fase amarela, o pleito é que aumente a capacidade das escolas, para tirar o 'gap' do longo tempo de escolas fechadas?

Sem dúvida. Melhorando as fases, essa é a ideia. Mas é importante frisar que não é de qualquer jeito, mas de acordo com protocolos exigidos, que são bem simples: uso de máscaras, álcool em gel e distanciamento.

As escolas particulares de elite têm protocolos excepcionais, contrataram hospitais. Mas essa capacidade não é igual para escolas públicas e nem mesmo para as particulares de pequeno porte. Essas escolas têm condição de garantir o distanciamento e ventilação ou precisamos mudar muita coisa?

As escolas tiveram um preparo, no caso das municipais e estaduais. A rede pública recebeu em investimento R$ 2,7 bilhões se somar governo do Estado e capital. Esses investimentos eram para pequenas obras, abrir uma janela, coisas mais simples. Outras escolas passaram por grandes reformas e tanto o governo quanto a Prefeitura responderam na nossa ação (judicial, movida pela reabertura dos colégios) e garantem que todas as escolas receberam tanto dinheiro quanto álcool em gel, máscaras e estão preparando esse distanciamento. Visitamos e temos contato com diretores que afirmam que escolas estão prontas. Mas sabemos que não são todas. Essas não podem nem devem abrir. Temos de cobrar que (os governantes) façam o trabalho deles, que é fazer com que escolas que não estão prontas fiquem prontas e rápido. Sabemos da discrepância entre escolas de primeira linha e municipais e estaduais. Está longe de ser o mundo ideal e é exatamente essa a continuação do nosso movimento: aumentar a qualidade de oferta aos estudantes. Mas não quer dizer que temos de esperar que todo mundo tenha as mesmas condições para voltar.

Nas particulares de pequeno porte, o professor se vê menos em condição de se manifestar, cobrar protocolos porque corre risco de demissão. Você vê com preocupação o caso dessas particulares pequenas?

Uma das coisas que temos falado é que a escola que abrir, pública ou privada, que não esteja obedecendo precisa ser denunciada. A denúncia é feita por meio da Secretaria de forma anônima, a pessoa estará protegida. Se não conseguir ser ouvida ali, tem de denunciar, inclusive no nosso movimento.

O Conselho Estadual de Educação definiu a obrigatoriedade de presença e depois o governo recuou e colocou como facultativa a ida do aluno nas fases laranja e vermelha. O recuo é correto?

Sem dúvida. Sempre acreditamos que não teria de ter obrigatoriedade. Acreditamos que, nesse momento de pandemia, a decisão tem de ser familiar, as pessoas têm de se sentir seguras e abraçadas pela escola e pelo governo, saber que é a hora de mandar o filho. Caso opte por não mandar, a escola, estadual, municipal ou particular, tem de garantir o ensino online do aluno. Até para as pessoas se sentirem seguras, elas tinham de tomar a decisão. Quando o governo anunciou a obrigatoriedade, fomos totalmente contra.

O que precisa para que pais e professores ganhem mais confiança para a volta às aulas?

Precisa de união e diálogo. Existe muita segurança científica. O Brasil tem muitas cidades abertas, com aulas desde setembro e outubro. Quando se conversa com a família com calma, respeito, sem instaurar o medo… Quando perguntamos a uma mãe se nesses dez meses ela não foi nenhuma vez à feira, à Caixa Econômica buscar o auxílio do governo, como fazia para comprar a comida, começamos a trazer a pessoa para o racional. Ninguém ficou dez meses em casa fechado. Você pode ter ficado, nos cinco primeiros meses, mas saiu para ir ao mercado, porque não brota a comida. Você mostra que, dentro de protocolos, consegue adaptar sua vida. E por que não na escola?

Um dos pontos de temor com a volta às aulas é porque envolve crianças. O pai vai ficar distante da criança e não tem certeza se ela vai usar máscara, se não vai abraçar o amigo... O que dá para falar para essas famílias para que confiem em deixar a criança?

É super entendível. Mas a transmissibilidade de criança para criança sem seguir os protocolos é muito baixa. É mais fácil pegar resfriado do outro amigo do que a covid. Dentro de sala de aula, o uso de máscara é obrigatório a partir de 5 anos. E a criança dentro da escola obedece. Em casa, essas crianças também estão vivendo, abraçam seus pais quando chegam do trabalho, abraçam seus primos quando se encontram, isso já está acontecendo. O risco é maior do pai que vai trabalhar, pega transporte público e chega para abraçar seu filho do que do professor que está com máscara, face shield , álcool em gel ou lavou mão. Aos poucos as pessoas começam a sentir confiança. Assim que abriu, o comércio na primeira semana estava mais vazio e hoje está isso tudo que a gente vê. Aos poucos, precisamos trazer confiança para as pessoas porque a vida precisa seguir.

A escola deve estar aberta mesmo no cenário atual ou houve mudança do cenário, com nova variante do vírus e casos explodindo na Europa?

Tudo o que a gente faz é baseado no que a gente estuda com a ciência. A ciência mostrou que hoje eles já conhecem o comportamento da doença e o vírus, inclusive o comportamento da mutação desse vírus. No primeiro momento, em que fechou tudo, não sabíamos como o vírus se comportava. Mas, conforme a ciência foi estudando, viu-se que as escolas são seguras desde que com protocolos. No caso do Brasil, nenhum aumento de casos aconteceu dentro da escola, vamos lembrar que as escolas estão fechadas. Essa explosão de casos está acontecendo fora da escola e não vai ser na escola que vai aumentar. (Precisa de) consciência das pessoas de que estamos em uma pandemia, que não é hora de aglomerar, que não é hora de ir para festa, show. E se tiver de priorizar alguma coisa, temos de priorizar o que é essencial: hospital, farmácia, supermercado e educação. (Escola) é a última a fechar e a primeira a abrir. Mesmo que explodam os casos, somos totalmente favoráveis a continuar dentro dos protocolos. Caso aconteça um lockdown total, que não faz parte desses protocolos, obviamente vamos entender o que OMS, Unicef e ciência falarem, mas hoje no cenário de fase vermelha já é sabido que escolas têm de ficar abertas.

Um relatório do Banco Mundial indicou que parte dos países europeus tem fechado escolas ou não tem voltado depois do recesso. Não é o momento de o Brasil seguir a Europa em relação às escolas?

A Europa está no inverno, vivendo uma nova variante, vindo de recesso de fim de ano. Os países que fecharam as escolas não fecharam só as escolas, fecharam o país. E alguns deles decidiram fechar escolas por 15 dias para estudar a nova variante. No caso do Brasil, não seguimos a Europa quando ela ficou três meses fechada e depois abriu. Em que momento é interessante seguir a Europa? Não estamos vivendo esse segundo momento, estamos no verão, em outra condição. A Europa vive um inverno extremamente rigoroso, as escolas não abrem a janela no inverno por causa do frio. Se acontecer de o Brasil viver uma nova variante como a Europa está vivendo e o país determinar lockdown total quem sou para discordar, mas não é o que estamos vivendo.

Estadão
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