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Brasileiros dizem confiar mais em professor do que em militar na escola

Pesquisa encomendada pelo Cenpec e pela Ação Educativa ouviu cerca de 2 mil pessoas; entrevistados veem falta de investimento e baixo salário docente como principais problemas da educação no País

3 jun 2022 - 05h10
(atualizado às 07h29)
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Alunos, funcionários e professores na EMEF Prof. Lafayette Rodrigues Pereira, em Taubaté, no interior de São Paulo. A escola dota o sistema Cívico-Militar, em parceria entre prefeitura e Exército
Alunos, funcionários e professores na EMEF Prof. Lafayette Rodrigues Pereira, em Taubaté, no interior de São Paulo. A escola dota o sistema Cívico-Militar, em parceria entre prefeitura e Exército
Foto: Taba Benedicto / Estadão

Entre os brasileiros, 72% confiam mais em professores do que em militares para trabalhar em uma escola, mostra pesquisa encomendada pelas organizações civis sem fins lucrativos Cenpec e Ação Educativa. Segundo o estudo, a população vê falta de investimento e desvalorização de professores como principais problemas da educação pública, não a questão da disciplina. Aumentar o número de escolas cívico-militares foi uma das principais propostas do governo federal na área.

Quando perguntados sobre confiar mais em docentes do que militares para atuar em escolas, 23% disseram discordar - totalmente ou em parte - da afirmação. Apesar disso, Romualdo Luiz Portela, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, acredita que a pesquisa demonstra o reconhecimento da importância do magistério. "Não é para curiosos", afirma ele, doutor em Educação. Os demais 5% disseram que não concordam nem discordam ou preferiram não responder.

Para a pesquisa, realizada em conjunto com o Instituto Datafolha e o Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp, foram ouvidas 2.090 pessoas com 16 anos ou mais. As entrevistas ocorreram entre 8 e 14 de março.

Quando perguntado sobre qual seria o principal problema das escolas públicas brasileiras, a falta de investimento do governo (28%) e os baixos salários de professores (17%) foram as respostas mais frequentes. Falta de disciplina dos alunos (10%), qualidade dos docentes (5%) e conteúdos que não são ensinados (3%) foram os menos citados.

Coordenadora da Ação Educativa e doutora em Educação, Denise Carreira destaca que o fenômeno na militarização das escolas se baseia em um argumento de que o investimento em disciplina melhoraria a qualidade de ensino. Para ela, o levantamento demonstra que essa argumentação não prospera entre a maior parte dos brasileiros, que indicam o subfinanciamento e a desvalorização dos docentes como principais obstáculos.

Na avaliação de Denise, os números mostram que a população "não compra" ssa agenda da disciplina, "de que o problema é que a escola aborda o conteúdo X, de gênero, de raça".

Os especialistas destacam que é importante diferenciar as escolas militares do fenômeno de militarização escolar. Colégios militares são instituições mantidas com verbas do Ministério da Defesa e têm autonomia para montar o currículo e a estrutura pedagógica. A pesquisa, explicam, foca na inserção de militares em escolas públicas regulares.

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que regulamentou a adesão ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares. Estados e Distrito Federal indicaram escolas para receber o projeto. A intenção do governo é implementar a gestão em 216 escolas até 2023 - 54 por ano.

As escolas cívico-militares têm a administração compartilhada entre militares e civis. Militares da reserva atuam em tutorias e na área administrativa - e não como professores. Participam do programa colégios municipais ou estaduais, onde já havia alunos matriculados no modelo convencional. São diferentes das escolas mantidas pelo Exército, que costumam fazer seleção para ingresso e têm custo bem maior do que unidades da rede pública regular.

O programa federal de colégios cívico-militares não alcança nem 0,1% das escolas públicas e paga só em adicional a militares da reserva mais do que ganham professores. O programa do Ministério da Educação (MEC) estipulou duas modalidades: na primeira, as instituições recebem os militares do Exército; no segundo, os governos locais (Estado ou município) é que se encarregam de contratar bombeiros ou policiais militares aposentados.

A transição das escolas para cívico-militares, em alguns casos, foi polêmica e enfrentou resistências. Em São Paulo, a Justiça chegou a vetar a adesão em Sorocaba e Taquaritinga (SP). Por outro lado, colégios cívico-militares têm registrarado procura maior do que o número de vagas e foi preciso sorteio. Muitas das famílias, conforme o Estadão mostrou em 2021, buscam esses colégios justamente com interesse no foco em disciplina e também de que os filhos tenham uma carreira militar encaminhada, o que não acontece neste modelo.

A militarização de escolas, defendem especialistas, não acompanha os caminhos dos avanços da pedagogia, que seja menos engessado cada vez mais valoriza habilidades socioemocionais e a criatividade. "A gente precisa ter uma política de médio e longo prazo com financiamento adequado e que enfrente a valorização docente como prioridade", afirma Denise.

Estadão
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