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São Carlos é referência em comunidades de aprendizagem no Brasil

Grupo da UFSCar quer formar profissionais capacitados em outros Estados

18 nov 2013 - 07h33
(atualizado em 19/11/2013 às 07h29)
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Investir em uma melhor comunicação entre professores, diretores, pais e alunos, na democratização do ambiente escolar e na humanização das relações pode ser a chave para uma melhora na educação brasileira. É nisso que acredita o Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE), criado na Universidade Federal de São Carlos (UFScar), sob coordenação da professora Roseli Rodrigues de Mello.

Desde 2002, o grupo estuda principalmente propostas de implementação de comunidades de aprendizagem. Conceito ainda pouco desenvolvido no Brasil, as comunidades se espalham pelo mundo. A expressão aparece entre as propostas do Terceiro Manifesto pela Educação – "Mudar a Escola, Melhorar a Educação: Transformar um País". O documento lista 19 indicativos de qualidade considerados necessários para se chegar a uma mudança escolar e será lançado oficialmente nesta terça, dia 19 de novembro.

Roseli chama atenção para o conceito formal de comunidades de aprendizagem, que, segundo ela, muitas vezes acaba sendo usado de forma genérica por escolas que se aproximam da comunidade em que estão inseridas. Validadas e recomendadas pela União Europeia, mais de 180 comunidades de aprendizagem já foram implementadas na Espanha, e a região da Andaluzia adotou a proposta como projeto de governo. Para ser reconhecida pela rede internacional, contudo, é necessário mais do que uma boa relação com o entorno, é preciso resultados. "Uma comunidade de aprendizagem quer sim resultados escolares, em matemática, história, geografia... É disso que estamos falando. Não é só participação de familiares", esclarece Roseli.

Escola Antonio Stella Moruzzi
Escola Antonio Stella Moruzzi
Foto: Prefeitura de São Carlos / Divulgação

Em São Carlos (SP), há dois exemplos funcionando hoje. Há 10 anos, a EMEB Antonio Stella Moruzzi tornou-se a primeira comunidade de aprendizagem do Brasil. Durante este período, foram realizadas parcerias entre familiares, funcionários, alunos e ex-alunos, que hoje são voluntários. Outro caso mais recente é a EMEB Arthur Natalino Deriggi. Roseli relata ainda que três comunidades foram implantadas recentemente no Rio de Janeiro, em uma parceria do NIASE com o Instituto Natura.

A proposta da equipe da UFSCAR é difundir ainda mais a ideia das comunidades de aprendizagem. Na Bahia, o núcleo buscará formar profissionais capacitados. "Estamos tentando criar uma rede de universidades que desenvolvam essa ideia de comunidades de aprendizagem", diz Roseli, ressaltando a importância de articular isso entre academia, escola e governo.

Transformar uma escola em uma comunidade de aprendizagem é um caminho que exige o diálogo e a participação dos agentes educacionais, do poder público, dos estudantes e da comunidade local. Em um primeiro momento, há uma sensibilização dos envolvidos, a idealização de uma escola dos sonhos e a definição de prioridades e metas, finalizando com um planejamento. No estágio seguinte, vem a consolidação da proposta: reflete-se sobre as mudanças empreendidas, forma-se – de maneira constante – agentes educativos e avalia-se continuamente o trabalho sendo feito.

As comunidades são desenvolvidas a partir da proposta do Centro Especial en Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades (CREA), da Universidade de Barcelona. O centro investiga teorias e práticas estabelecidas com êxito em escolas e, a partir disso, chegou a seis elementos presentes na maior parte dos casos de sucesso. A participação da família de uma maneira educativa é um dos pontos principais. Não basta apenas a participação informativa ou representativa – ou seja, participar não é somente ir a reuniões, receber recados dos professores e pertencer à Associação de Pais e Mestres. "Estamos falando dessas participações que dão impacto efetivo na melhoria da aprendizagem, que envolvem os familiares nos processos de decisão da escola e de ensino das crianças", diz Roseli, que estudou na universidade espanhola.

Outro elemento é a formação dialógica dos professores, que pressupõe o estudo direto da fonte, de clássicos da educação, e não de uma pesquisa na internet, com referências de segunda mão. Os grupos interativos também são atuações educativas de êxito. Uma vez por semana, voluntários auxiliam alunos com dificuldades a se inserirem, evitando a segregação e a rotulação das crianças. Já as tertúlias dialógicas buscam ampliar o conhecimento através da conversação. As tertúlias literárias, por exemplo, levam a literatura clássica universal às crianças pequenas. "Não é somente a interpretação linear e solitária do texto, mas dialogada: várias pessoas dizendo o que aprendem daquilo e trocando conhecimento, ampliando a visão de mundo", conta Roseli.

Estender o tempo de aprendizagem é outro fator fundamental. Nesse ponto, a biblioteca tutorada é um elemento forte, no qual a escola se organiza para deixar o espaço aberto para troca e interação na comunidade. Por fim, Roseli ressalta a importância da prevenção dialógica de conflitos. A postura disciplinar das escolas parece não funcionar mais e apenas aumentar a conflituosidade do ambiente. Para o seu lugar, seriam melhores medidas preventivas de discussão com a comunidade visando a um consenso. Quanto mais diálogo, menos conflito.

Todos estes elementos fazem parte da pesquisa desenvolvida em Barcelona e são estas atuações exitosas que organizam as comunidades de aprendizagem. Para que uma escola se transforme em uma comunidade de aprendizagem é preciso estar dentro dessa organização.

O centro de Barcelona tem apresentado seus estudos pela Europa e pela América Latina. Os espanhóis pesquisaram 14 países em que comunidades de aprendizagem foram implementadas em periferias com conflitos. Em todos os lugares, a totalidade das crianças aprendeu muito mais, enquanto a conflitividade diminuiu, conta Roseli. Na Escola Antonio Stella Moruzzi, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica cresceu de 4,8, em 2005, para 5,1, em 2007, e saltou para 6,1, em 2009. Dois anos depois, no último relatório, caiu para 5,8, estando, mesmo assim, próximo à meta de 6 estabelecida pelo governo federal. "A chave é a comunidade decidindo na escola", afirma a pesquisadora.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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