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Robôs podem ler processos e até escrever petições

Tecnologia ajuda advogado a perceber tendências e se tornar mais competitivo

14 ago 2018 - 03h11
(atualizado às 08h37)
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Até dois meses atrás, ao traçar a estratégia jurídica para um cliente e aconselhá-lo, por exemplo, se valia a pena fazer um acordo ou entrar com um processo, Poliana Guimarães, advogada do escritório Peixoto & Cury, contava sobretudo com a própria experiência com casos semelhantes. Atualmente, ela usa como base para as decisões um sistema de inteligência artificial (IA) capaz de "ler" milhões de processos.

"O sistema analisa dados das bases dos tribunais e gera pareceres. A gente pode entender como os tribunais estão decidindo certo assunto, ver a tendência dominante", explica. Não se trata de substituir o trabalho de um advogado; a máquina está fazendo algo que simplesmente não era feito. "Não tem como um advogado ler 5 milhões de processos para saber qual é a distância entre o ajuizado (entrada do processo na Justiça) e a sentença. O volume de processos é algo que vai além da capacidade humana."

Segundo Poliana, o resultado do trabalho de um advogado exige um bom planejamento estratégico e, portanto, ter informações como essas traz grande vantagem competitiva. "Antes, se era importante para um caso entender resultados anteriores, colocávamos vários profissionais para ler e analisar precedentes, mas apenas uma amostragem", relata. O custo dessa forma de trabalho era alto, e o índice de eficiência, bem menor.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também aderiu recentemente à nova tecnologia. "Estamos fazendo um mapeamento dos tribunais trabalhistas de São Paulo sobre alguns temas, para verificar como têm se comportado as decisões após a reforma trabalhista", conta Luciana Nunes Freire, diretora executiva jurídica da entidade. Dentro de dois meses, os afiliados da Federação terão acesso a informações compiladas de seis meses de processos. "Claro que só os dados não são suficientes. Depois, entra a inteligência humana do nosso corpo jurídico. Mas fica mais fácil traçar estratégias tendo os resultados visíveis", diz.

Até o Supremo Tribunal Federal (STF), em parceria com a Universidade de Brasília, lançou um sistema para ler todos os recursos extraordinários que chegam à corte. O STF ressalta que o programa, batizado de Victor, não vai tomar nenhuma decisão, mas sim ajudar na organização das ações para acelerar a tramitação. Os primeiros resultados dessa implementação devem aparecer a partir deste mês.

Preparo. Embora o uso de IA já seja uma realidade do Direito no Brasil, ainda há uma grande carência de profissionais capazes de lidar com esse tipo de tecnologia, acredita o advogado Alexandre Zavaglia Coelho, presidente da Legal Science (empresa de análise de dados jurídicos) e diretor de Educação da Future Law. "São ferramentas avançadas de ciências de dados, e é necessário uma formação para esse novo momento, até para entender o potencial da tecnologia para os clientes", defende. Mas Zavaglia vê também um interesse crescente em aprender sobre essas questões. "No ano passado comecei um curso sobre o tema. A procura foi tanta que o curso acabou virando uma escola. E as turmas estão sempre lotadas", comemora.

Diferentemente de técnicas de busca por palavras-chave indexadas, os sistemas de inteligência artificial são capazes de processar a linguagem natural. Dessa forma, é possível usá-las para estabelecer certas relações como o grau de divergência entre a primeira e a segunda instância, cita Juliano Maranhão, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt, na Alemanha. "A máquina põe à mostra coisas que, com o trabalho individual de um advogado, eram impossíveis", afirma.

Assim como "lêem", os robôs podem também "escrever". "O sistema pode gerar documentos como uma proposta de petição em casos mais simples e repetitivos, usando como base a redação de petições anteriores. Ele não substitui um advogado, apenas aumenta a eficiência do trabalho."

Marcos Florão, diretor de inovação da Softplan, empresa de tecnologia para a área jurídica, concorda que as aplicações atuais visam a tirar o peso das rotinas essenciais, porém repetitivas, do trabalho dos juristas. "Os robôs são bons no que somos péssimos: lidar com grandes volumes de informações e tarefas repetitivas", diz. Em um exemplo prático e real, depois de redigir uma petição, para encaminhá-la à Justiça o advogado precisa submetê-la via internet. "O formulário do portal pede uma série de informações que já estão na petição. Em vez de ele mesmo preencher, pode usar um programa que 'lê' a petição e preenche os campos. O profissional ganha tempo", garante.

Problemas. Apesar da promessa de trazer mais eficiência, a inteligência artificial levanta também questões éticas. "Os sistemas são programados pela base de dados na qual se apoiam. Essa base pode ter um viés racista, ou machista", diz Maranhão, citando um sistema testado nos Estados Unidos para conceder liberdade condicional que acabou decidindo mais favoravelmente aos brancos. "A máquina se tornou racista porque foi treinada sobre uma base com poucas decisões favoráveis aos negros."

Para aproveitar as vantagens da tecnologia e combater os potenciais problemas, Maranhão defende a formação de mais advogados pesquisadores no País. Para isso, ajudou a criar o recém-lançado Laboratório de Inovação e Direito (LID) na USP, que vai promover cursos de capacitação sobre lógica computacional, programação e análise de dados, bem como desenvolver linhas de pesquisa em inteligência artificial aplicada ao Direito e sua regulação. "Trata-se de centro pioneiro no Brasil, que segue os passos das principais universidades internacionais."

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