Tecnologia como aliada da primeira infância
Tecnologia pode integrar saúde, educação e assistência na primeira infância, reduzindo desigualdades e melhorando a gestão
Chegamos ao final do Agosto Verde, mês da primeira infância, que traz luz a essa que é uma das fases mais decisivas da vida. Segundo James Heckman, ganhador do prêmio Nobel de Economia, investir na primeira infância é a melhor escolha que uma sociedade pode fazer.
De acordo com Heckman, o retorno social e econômico por cada real aplicado em políticas voltadas a gestantes e crianças de zero a seis anos de idade é maior do que o investimento em qualquer outro momento da vida. É nesse intervalo que o cérebro apresenta maior plasticidade, e é possível formar as bases cognitivas, socioemocionais e motoras que acompanharão a criança para sempre.
Por isso, é importante celebrar os avanços do Brasil nesse tema. Há poucas semanas, o governo federal instituiu o decreto que regulamenta a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI), um ano após seu lançamento.
Essa política é fruto de um debate que começou no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável e foi construída com a participação de organizações sociais como o Todos Pela Educação e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Ela busca integrar ações de saúde, educação e assistência social de forma coordenada. Como ressaltado por Priscila Cruz, presidente e cofundadora do Todos pela Educação, em seu discurso de lançamento da política, o trabalho mais importante começa agora e será transformá-la em um plano de ação concreto, com metas, prazos e indicadores claros.
Para que isso seja possível, um tema chave é a digitalização de processos de gestão. É fundamental que a infraestrutura pública digital permita a integração das bases de dados como Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC), por exemplo, com as bases de dados de vacinação, matrícula e frequência escolar e de benefícios sociais vinculando a criança a um responsável – usualmente a mãe.
Com isso, seriam possíveis ações mais assertivas de campanhas de saúde, melhorias no planejamento de creches e pré-escolas, a busca ativa de gestantes e crianças mais vulneráveis e diversos cruzamentos que permitem a melhoria de serviços públicos essenciais. Para isso, é importante que atores chave nos níveis federal e subnacional integrem uma governança estruturada que sustentem as políticas chave.
Imagine uma mãe solo, três filhos, que trabalha o dia todo e pode agora acompanhar ou resolver questões como entrar na fila da creche, agendamento de vacinação e consultas, conferir benefícios e receber alertas importantes em datas chave do desenvolvimento de cada filho. Isso tudo na palma da mão, algo que só a digitalização permite. Agora pensemos nessa possibilidade para todas as mães e responsáveis por crianças em todo o país.
A cidade do Recife e o estado do Piauí apresentam caminhos promissores, embora ainda não tenhamos os resultados. Em abril de 2025, a prefeitura do Recife lançou a Caderneta Digital da Criança, desenvolvida com apoio técnico do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB). Pela primeira vez, informações sobre saúde, educação e assistência social de crianças de 0 a 10 anos estão reunidas em um único ambiente digital, no aplicativo Conecta Recife.
Famílias e profissionais podem acompanhar marcos de desenvolvimento, vacinação, frequência escolar, peso e altura, além de acessar conteúdos educativos. O projeto foi feito em código aberto, o que permite que outras cidades e até o governo federal adotem a solução, ajustando-a às suas realidades. No estado do Piauí, foi lançada no início de 2025 a plataforma e APP Piauí Primeira Infância, que permite monitorar 40 indicadores chave dessa fase. Ambos são exemplos concretos de como a tecnologia pode integrar políticas públicas, reduzir desigualdades e melhorar a gestão.
Pensar na primeira infância é lembrar da brincadeira, das professoras, das pediatras. É pensar na infraestrutura de creches, postos de saúde, parques e alimentação. Por trás de tudo isso há um trabalho técnico, menos visível, mas fundamental de gestão aliada à tecnologia e que pode mudar a vida dessa geração de crianças que serão nossos adultos de amanhã.