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O caos da chegada do segundo filho: 'Não existem duas gestações, partos ou bebês iguais'

Virar mãe de dois pode ser um desafio - tanto para a criança mais velha, quanto para o autocuidado e qualidade de vida da mãe

11 jul 2023 - 20h36
(atualizado às 22h36)
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Na primeira noite depois que voltamos do hospital com o irmãozinho de nossa filha de 2 anos, eu estava irracionalmente decidida a seguir nossa querida rotina. Todas as vezes que colocava minha filhinha na cama, cantava 'Sweet Baby James' do James Taylor - mas, naquela noite, a hora de dormir dela chegou no momento em que meu recém-nascido exigia mamar. Fiz uma escolha: entreguei o bebê choroso para o marido e corri para o quarto da filha para dar boa noite do jeito que ela sempre queria, como se nada tivesse mudado.

Mas tudo tinha mudado. E, quando ouvi o bebê chorando lá no outro quarto e vi minha menina perplexa olhando para mim de olhos arregalados, senti um nó na garganta e as lágrimas rolando. Eu me forcei a cantar mesmo assim - e a verdade é a seguinte: não foi bom. Parecia um sapo angustiado tendo um ataque de asma. Minha filha ficou quieta, só observando aquele espetáculo patético, e aí sussurrou três das palavras mais devastadoras que uma criança pode dizer à mãe.

"Mamãe", disse ela. "Chega de cantar."

Se você tem uma criança e está esperando mais uma, pode achar que sabe alguma coisa sobre o que está por vir e como se preparar para isso. Você tem a vantagem da familiaridade com os elementos da parentalidade que pareciam estranhos na primeira vez: os aparelhos e dispositivos para bebês, os fundamentos da amamentação ou da mamadeira, como embrulhar um pano que fique no lugar por mais que três segundos.

Mas aí chega um novo bebê totalmente único e diferente, alegremente alheio aos padrões da irmã ou irmão mais velho. E, então, você percebe que precisa aprender a cuidar desse pequeno desconhecido enquanto também cuida da primeira criança, que provavelmente tem alguns sentimentos profundos sobre o radical realinhamento de sua unidade familiar. Até que essa transição esteja sobre controle, é difícil lidar com o caos logístico e emocional de ter que dividir seu foco entre dois humanos pequeninos (sem falar em você, sem falar no parceiro).

"Acho que passar de uma para duas crianças é uma mudança muito drástica na vida de todo mundo, mas não é explorada o suficiente ou sequer mencionada nas conversas em geral", diz Sherisa de Groot, mãe de dois filhos e fundadora da plataforma literária online Raising Mothers. "Sinto que passei a maior parte da gravidez preparando meu filho e muito pouco me preparando."

Várias mães me contaram que, antes da chegada de um segundo filho, elas se sentiam reconfortadas com o número: dois parecia bem razoável. Mas há certos domínios em que a matemática fica complicada e contraintuitiva - como a teoria quântica ou a adição de uma criança a uma família que já tem a primeira. "Uma criança é uma criança só", diz Joanna Kaylor, mãe de um filho de 4 anos e uma filha de 2, na Virgínia.

"Duas crianças são, na verdade, algo entre três e cinco na soma total". Adicione à equação um vírus estomacal ou uma infestação de piolhos e os adultos nem vão mais saber dar uma estimativa numérica, porque já fugiram para as montanhas.

Ryann Fapohunda, que tem meninos de 3 e 1 ano, diz que tentou se preparar, perguntando às amigas o que esperar quando ela estava grávida do segundo. "Minhas amigas diziam, 'Sabe, tem dias em que você nem lava o rosto. Está ocupada demais para isso'. E eu ficava, tipo, 'Como assim? Vocês não lavam o rosto?'", ela diz, dando risada. "Eu não entendia. Mas agora entendo."

'Fisicalidade do criar é avassaladora'

Nos primeiros anos de uma família de duas crianças, a fisicalidade do criar é avassaladora: carregar, trocar, afivelar e vestir sem parar, a difícil tarefa de supervisionar e proteger dois corpos com um só. A maioria dos pais e mães de dois (ou mais) filhos tem uma história (ou dez) sobre como enfrentar essa realidade. Certa vez, uma colega me contou sobre a vez em que ela estava ajustando o bebê na cadeirinha do carro quando o irmão dele declarou que precisava fazer xixi e saiu correndo pelo estacionamento com as calças abaixadas. Ele não se lembra disso. A mãe nunca vai esquecer.

Kaylor ainda consegue se lembrar da manhã em que estava ajudando o filho de 4 anos a usar o banheiro quando ouviu o som de líquido derramando na cozinha. Levou um momento para ela deduzir que a filha pequena estava derramando leite na mesa e no chão, e não havia absolutamente nada que Kaylor pudesse fazer a respeito. "Quando voltei para a cozinha, minha filha estava brincando com o leite e precisava de um banho", diz ela. "O que significava que meu filho também queria um banho. Tudo isso às oito da manhã, enquanto eu tentava levar as crianças para a creche".

Para Saranah Holmes Walden, mãe de dois na Carolina do Norte, o ponto de ruptura sempre foi a hora do jantar, quando o marido ainda estava no trabalho e ela fazia malabarismos com o recém-nascido e a bebê. "Eu me lembro de uma noite com comida no fogão e meu menino chorando e minha menina de 2 anos pedindo alguma coisa e puxando minhas pernas", diz ela. "Tive que desligar o fogo, alimentar meu filho, cuidar da minha filha, e o jantar ainda não estava pronto, e então me lembro de olhar em volta e dizer: 'Oh, meu Deus, também tem roupa para lavar. E louça na pia'". É difícil encontrar uma palavra para o que senti naquele momento, ela diz: só "Caramba" mesmo.

Quando as mães de segunda viagem procuram o apoio de Jessica Zucker, psicóloga especializada em saúde mental materna e reprodutiva, elas costumam dizer que estão sofrendo com sentimento de culpa por passarem menos tempo de qualidade com a criança mais velha. Dizem que é difícil encontrar tempo para descansar e cuidar de si mesmas.

"Mães de segunda viagem, na minha experiência clínica, muitas vezes se culpam por 'não conseguirem fazer tudo'", diz ela. "E, no entanto, fazem malabarismos com tudo! A culpa, digo a elas, é da cultura que não nos ajuda de maneira profunda e significativa como mães".

Zucker observa que a fadiga e as demandas de cuidar de duas crianças podem amplificar sentimentos de ansiedade ou depressão - e mesmo que a mãe se sinta ótima após o primeiro bebê, isso não significa que não terá problemas de saúde mental pós-parto na segunda vez.

A pesquisa sobre adicionar uma segunda criança é inconclusiva: um estudo indicou que o segundo filho pode levar a um declínio na felicidade - mas apenas para a mãe; a felicidade do pai pareceu se manter estável entre os filhos um e dois. Vários estudos sugeriram que ter mais filhos pode levar à diminuição da satisfação no casamento, mas um estudo de 2015 descobriu que os casamentos podem ficar mais resistentes na segunda vez.

Alguns pais e mães acham que os amigos e familiares não os cercam tão intensamente para o bebê número dois (se, assim como eu, você teve um segundo filho durante a pandemia, pode ter se sentido ainda mais distante da aldeia no isolamento social). Zucker diz que ouviu mães de segunda viagem se perguntarem em voz alta durante sessões de terapia se as pessoas "sequer tinham vontade" de conhecer a segunda criança.

"A temperatura emocional da mãe de segunda viagem parece não ser encarada da mesma maneira como as pessoas encaram da primeira vez", diz Zucker. "Ligar para ver se está tudo bem, mandar comida, flores, presentes, apoio. Mas minha sensação é que tem menos a ver com as pessoas não se importarem e mais a ver com uma suposição de que as mães já conseguem 'se virar' sozinhas, porque não é sua primeira vez".

Mas o território continua desconhecido: "Não existem duas gestações, partos ou bebês iguais", diz ela. "Também não existem duas maternidades iguais".

As dicas e truques que funcionaram com o primeiro bebê talvez não funcionem com o segundo. A sugestão de "dormir quando o bebê dorme" - que já era uma farsa, convenhamos - agora é uma impossibilidade logística.

Quando Katie Yen, mãe de dois filhos em Washington, D.C., teve o primeiro bebê, sua vida diária girava em torno da alimentação e do horário de dormir do filho. Enquanto ela estava de licença-maternidade, diz, ficava acordada até depois das onze da noite para amamentá-lo uma última vez, então os dois alternavam dormidas e amamentadas até quase o meio-dia do dia seguinte.

"Mas não tinha como isso acontecer com um segundo filho", diz ela, "porque agora eu tinha que me levantar e me mexer para ajudar a levar o primeiro para a creche, preparar o almoço e fazer o café da manhã".

Há, é claro, aquelas horas fugazes e sagradas no final da noite, depois que as crianças dormem e uma quietude abençoada se instala. É quando uma voz sussurra na sua cabeça: você está com privação de sono, vá para a cama. E outra voz responde: lembra dos livros? Lembra da televisão? Lembra dos jantares ininterruptos? Esta é a pergunta que paira na noite: é melhor ser um robô mais ou menos descansado ou um cadáver que viu o último episódio de Ted Lasso?

Erica Blue Roberts, mãe de uma criança de 5 anos e de outra de 21 meses, ainda se lembra de olhar para o relógio, imaginando a que horas seu bebê iria acordá-la durante a noite. "Você pensa: 'Eu deveria ir dormir agora, porque não tenho ideia de como será a noite'", diz ela. "Mas também é o único tempo que você tem para si mesma. Então você fica tipo, 'Tudo bem, preciso assistir a umas séries e comer uma sobremesa', e então você acaba ficando até às onze e o bebê acorda uma hora depois. Mas você precisava disso!".

Roberts relembra uma de suas primeiras memórias depois que o filho nasceu - ele chegou cedo, com complicações médicas, e passou dezoito dias na UTI. Poucos dias depois do parto, Roberts fazia viagens diárias sozinha na balsa do Brooklyn a Manhattan para ver seu recém-nascido no hospital, enquanto o marido ficava em casa com a filha. Ela se lembra de estar na balsa numa bela tarde sob o céu brilhante de setembro, tão sobrecarregada e exausta que não conseguia parar de chorar diante da paisagem de Nova York.

Ela quer ser honesta sobre o que sentiu, para que outras mães também se sintam seguras em ser honestas.

"Não quero assustar ninguém que esteja tendo a segunda criança", diz ela. "Mas quero validar alguns possíveis sentimentos: às vezes é difícil e, quando é difícil, tudo bem. Você não está sozinha".

O que mais ajuda, no final das contas, é o tempo

"Diria que levou pelo menos uns seis meses para eu sentir que não estava me afogando e mais um ano para pensar: 'Ok, já está mais normal, não é mais tão 'caramba'", diz Walden. Sua filha está com 4 anos e o mais novo tem quase 2. "Agora tenho toda uma rotina. Estamos indo bem".

Também demorou cerca de um ano para a família de Yen encontrar um novo equilíbrio: "Naquela época, tínhamos mais ritmo e meu filho dormia de forma mais consistente durante a noite, então tudo parecia mais factível. Estávamos equilibrando muito melhor o trabalho com as responsabilidades da vida". Seus meninos têm 3 e 7 anos agora, ela diz, e são muito próximos. "Eles são muito fofos um com o outro, às vezes meu coração explode de alegria quando os vejo juntos". Ela faz uma pausa. "Bem... só precisamos garantir que eles não estão com fome, com raiva ou cansados".

Fapohunda descreve esta fase de sua vida como "um belo caos" e ela gosta disso (a maior parte do tempo). "É maravilhoso. Adoro ver meus filhos juntos". Eles desenvolveram um vínculo especial, diz ela: recentemente, seu filho mais velho disse na hora de dormir, "adoro meu bebê". Nesses momentos, ela pensa em como é grata, como "faria qualquer coisa por minha família". Ela dá risada: "Mas, aí, no segundo seguinte, já estou falando, 'nossa, estou muito cansada'".

Algumas noites atrás, coloquei meu filho no berço e enfiei a cabeça no quarto da irmã mais velha. O pai dela já a havia colocado debaixo das cobertas, mas ela ainda estava acordada, então sentei na beira da cama para dar boa-noite. Estava pensando naquela primeira noite em casa com o irmão dela, no pouco que sabia sobre tudo o que iria mudar e tudo o que continuaria igual. Quase três anos depois, minha filha não se lembra muito da vida antes de seu irmãozinho chegar.

"Você sabe cantar?" ela perguntou. Então eu cantei./THE WASHINGTON POST, TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Estadão
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