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Mestrado de presidente da Capes tem trechos similares aos da Wikipedia; órgão do MEC nega plágio

Segundo a Capes, não houve 'atuação deliberada' nem 'vontade de se apropriar de textos originais alheios'; Cláudia Mansani Queda de Toledo sofre críticas de sociedades científicas e até de aliados de Bolsonaro

19 abr 2021 - 23h36
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A dissertação de mestrado defendida em 2008 pela nova presidente da Capes, a professora de Direito Cláudia Mansani Queda de Toledo, tem trechos similares aos de um artigo online e a um verbete da Wikipedia. A Capes nega plágio e diz que não houve "atuação deliberada". O órgão, ligado ao MEC, é responsável por avaliar os cursos de pós-graduação no Brasil, fomentar pesquisas, conceder bolsas e divulgar informações científicas.

A correspondência entre os trechos da dissertação de Cláudia e publicações anteriores a 2008 foi revelada pela coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo. O trabalho de Cláudia, com o título O ensino jurídico no Brasil e o estado democrático de direito: análise crítica do ensino do direito penal, foi defendido quando a advogada era aluna de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Claudia Mansani Queda de Toledo assumirá a presidência da Capes
Claudia Mansani Queda de Toledo assumirá a presidência da Capes
Foto: Divulgação/MEC / Estadão

Segundo a coluna, três trechos da dissertação têm similaridades com textos publicados na internet anteriormente à dissertação de Cláudia - um artigo em uma revista de Enfermagem e um verbete da Wikipedia. Os trechos com semelhanças se referem à conceituação da palavra "projeto" e à descrição do histórico de aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Procurada, a PUC-SP informou que Cláudia foi aluna regularmente matriculada de mestrado. "Até o presente momento, a PUC-SP não recebeu nenhum questionamento sobre qualquer atividade da egressa na Universidade", disse a instituição, que também afirmou prezar "pela excelência acadêmica da produção de seus discentes".

Por meio de nota, a Capes informou que o trabalho de Cláudia possui mais de 62 diferentes referências bibliográficas e 76 notas de rodapé. "As passagens do texto que foram mencionadas referem-se a elementos descritivos de elaboração de textos normativos ou planos de gestão acadêmica. Não se referem a ideais, conceitos teóricos ou a dados experimentais obtidos por outros autores e incluídos sem referências", justifica o órgão presidido por Cláudia.

Segundo a Capes, a supressão dessas passagens não altera o fundamento da dissertação ou suas conclusões. "A existência de plágio pressupõe dolo, atuação deliberada, vontade de se apropriar de textos originais alheios. Nada disso ocorreu na dissertação." Para a Capes, é preciso "não confundir tais situações, que são suscetíveis de ocorrer em dissertações e teses, além de outras como erro de datas, supressão de notas de rodapé ou traduções não mencionadas, com a intenção de plagiar".

A Capes ainda encaminhou uma carta do professor Antonio Carlos da Ponte, orientador de Cláudia à época, em que elogia o trabalho e afirma que recebeu com surpresa notícias sobre o tema. "Acredito que tal afirmação destituída de fundamento foi feita por quem não teve acesso efetivo ao seu trabalho e, tampouco, conhece os elementos caracterizadores de tal grave ataque à honra objetiva de um professor", escreveu Ponte na carta dirigida a Cláudia e anexada pela Capes em nota enviada à reportagem.

Na carta, Ponte afirma ainda que críticas "sempre serão bem-vindas" e que um trabalho acadêmico "nunca estará verdadeiramente pronto e acabado". "Contudo, isso não se confunde com o ataque desprovido de fundamento, que tenha por finalidade interesses que, certamente, não são isentos ou republicanos." Ele ainda diz lamentar que tal questão tenha sido levantada apenas agora, 13 anos após a defesa pública da dissertação.

Especialistas ouvidos pelo Estadão explicam que mesmo publicações antigas, como a dissertação de 2008, podem ser alvo de investigação. Os parâmetros para a identificação de irregularidades dependem de regras próprias da instituição onde o trabalho foi realizado. O processo é complexo e o autor do texto suspeito é convidado a explicar os motivos de ter copiado trechos.

"É preciso bastante critério e análise. Só a similaridade não configura plágio", explica Marcelo Krokoscz, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do tema. Krokoscz não teve acesso à dissertação em análise. Ele afirma que programas em universidades do exterior já deixam claro aos pesquisadores que a identificação de lacunas, mesmo que seja feita anos depois da publicação, pode levar à cassação do diploma. "Nosso país ainda é imaturo nesse sentido."

A professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Educacional Nina Ranieri explica que não há uma lei geral sobre isso ou um órgão que centraliza as análises. Ela exemplifica que, nas universidades estaduais paulistas, a avaliação é feita por comissões. "Uma comissão (da universidade) estabelece os parâmetros. Se considerarem que configura plágio vão explicar por quê", explica.

O processo pode levar meses. "A forma mais segura (de avaliação) é sempre por meio de uma comissão que ouça a pessoa e que aponte os problemas", acrescenta Nina. A especialista também não analisou o trabalho em questão.

Entidades criticam nomeação

A nomeação da professora de Direito Cláudia Mansani Queda de Toledo para presidir Capes motivou reações contrárias de reitores e pelo menos 20 entidades ligadas à ciência, mas também de setores mais conservadores aliados ao governo Jair Bolsonaro.

Neste sábado, 17, poucos dias após a nomeação, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) manifestou "preocupação" com frequentes modificações na estrutura da Capes, em especial as trocas de dirigente máximo da instituição. O órgão representa os reitores de USP, Unicamp e Unesp, três das mais importantes instituições de ensino superior do País. Sem citar o nome de Cláudia, a nota do Cruesp aponta que a função não pode estar "subordinada às diretivas de alinhamento político".

"Sua qualificação técnica, seu abrangente conhecimento sobre a pós-graduação e sobre o sistema de educação e seu currículo acadêmico devem ser os critérios predominantes na escolha de dirigentes deste tipo de órgão", continua ainda o comunicado do Cruesp. Para os reitores, um presidente da Capes tem de gerenciar o sistema de pós brasileiro e deve dialogar com diversos órgãos acadêmicos e da administração pública. Segundo o Cruesp, liderar esse diálogo exige preparo e "não permite improvisações".

Nesta segunda-feira, 19, o reitor da USP, Vahan Agopyan, divulgou nova nota em que disse ter recebido "com satisfação" a iniciativa de Cláudia para uma reunião, em que foram tratados "assuntos relevantes da pós-graduação".

Estadão
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