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Jovem conta que largou 6 faculdades e perdeu emprego por vício em apostas: 'Vida virou um lixo'

Ele criou canal no YouTube para alertar sobre riscos e desencorajar que as pessoas gastem dinheiro bets

28 jul 2025 - 06h53
(atualizado às 07h31)
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Aos 16 anos, ainda no ensino médio, Lucas (nome fictício) buscava na internet formas de ganhar dinheiro no mundo digital. Em um dos fóruns, a opção pelas apostas online chamou a sua atenção. Ele não fazia ideia que esse seria o início de um drama que se estende por 11 anos.

Hoje com 27 anos, ele ainda luta contra o vício e relata prejuízos em sua vida pessoal, acadêmica e profissional. O jovem conta que abandonou seis faculdades, perdeu emprego, teve prejuízos altos e viu a esfriar a relação com a família.

Lucas veio de uma família em que apostas faziam parte da rotina, mas não de forma online. "Cresci num ambiente direcionado ao jogo, a dinheiro. Desde pequeno, jogava máquina caça-níquel. Meus avós tinham bar, eu jogava baralho com a família valendo dinheiro, brincava de aposta com a minha avó", lembra.

Quando conheceu as bets, achou que tinha encontrado uma oportunidade para crescer na vida. "Com 16 anos, comecei a namorar, e vi nas apostas uma oportunidade para fazer dinheiro, comprar minha casa", diz.

"Comecei (com valor) baixo: R$ 20, R$ 30. Até que em um momento depositei R$ 100 e, em 30 minutos, fiz R$ 1,4 mil. Hoje entendo que era algo praticamente impossível", continua.

Entrou na faculdade de Direito, mas não frequentava as aulas. Ia para a biblioteca e, no lugar dos livros, mergulhava nos jogos e nas apostas.

"Eu não ia muito bem na faculdade. Na minha cabeça, não fazia sentido. Por que estudar, se dá para ganhar R$ 30 mil por mês (apostando)?", ele se questionava.

Mas essa conta não batia. Pelo contrário: ficar de bolsos vazios era frequente.

"Nunca ganhei nada (com as apostas). Tudo que eu ganhava, colocava de volta nos jogos e perdia mais e mais. Contava moedas para abastecer o carro", relata.

Lucas abandonou o Direito e foi cursar Administração como bolsista. Depois, migrou para Negócios Internacionais. Passou também pelos cursos de Logística, Publicidade e Análise e Desenvolvimento de Sistemas, sem concluir nenhum deles.

Mesmo tendo obtido auxílio de Fies e ProUni (programas federais que oferecem financiamento e bolsas em universidades particulares, respectivamente) para algumas dessas graduações, ele reprovava em disciplinas ou trancava o curso por não se dedicar aos estudos.

Eram longas horas em frente às telas, vendo jogos de futebol e torrando dinheiro em apostas esportivas. "O vício faz você esquecer tudo o que realmente importa, o propósito da vida", diz o jovem.

Para conseguir o dinheiro para apostar, ele fez empréstimos no banco e pediu muitos cartões de crédito, ficando com o "nome sujo" (inadimplente).

Na vida pessoal, também sentiu os reflexos. "Perdi a relação que tinha com minha mãe, com a minha namorada. No meu trabalho, eu não desempenhava bem. Minha vida virou um lixo", diz ele, que perdeu o emprego, o carro e cogitou tirar a própria vida.

"Naquele momento, achei que não tinha mais volta. Estava com o emocional fragilizado. Fica uma angústia, algo que você guarda para si mesmo, não fala para ninguém. Qualquer coisa que acontece, quer chorar", lembra.

Questões psicológicas, incluindo ideações suicidas, são comuns em casos de vício, explica a psicóloga Elizabeth Carneiro, especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Por um lado, quadros de depressão tornam as pessoas mais vulneráveis à dependência. Por outro, justamente os prejuízos decorrentes do vício podem levar ao desenvolvimento de ansiedade ou outros transtornos.

"Especialmente pelo endividamento, a pessoa se sente sem saída", afirma.

A história de Lucas teve diversos altos e baixos. Ele apostava, perdia muito dinheiro, ficava um tempo sem apostar, mas depois de alguns meses voltava.

As recaídas são parte de um padrão comum de dependência, geralmente associadas a gatilhos, como situações de estresse, tédio, tristeza ou um ambiente propício para reativar o desejo. A falta de suporte e tratamento adequados também dificultam a abstinência.

Após uma cirurgia, ficou seis meses afastado do trabalho e fez faculdade a distância. Veio outra recaída.

"Recebia auxílio-doença do governo, então todos os bancos me deram crédito. Peguei empréstimo, cartão de todos os bancos possíveis. Não tinha nada para fazer, ficava assistindo jogo o dia inteiro e voltei para as apostas", conta.

Bets, em que o jogador aposta em um resultado de um jogo - de futebol ou qualquer outro esporte - eram o maior perigo. Mas Lucas também experimentou jogos de azar, como cassinos online, entre eles o "Jogo do Tigrinho".

Nas bets, sejam as esportivas ou de cassino, matematicamente as probabilidades de ganhos favorecem as bancas e jogam contra os apostadores. Assim, eles perdem dinheiro e, no longo prazo, as plataformas lucram.

Uma vez, Lucas chegou a ganhar mais de R$ 100 mil, mas perdeu tudo no dia seguinte. Isso fez com que ele pensasse: "'tenho de recuperar esse dinheiro. Se ganhei uma vez, posso ganhar de novo". Não foi o que aconteceu.

A fantasia de recuperar um dinheiro perdido é comum no vício em apostas. "O jogador tem a característica de não aceitar perder. Passa a acreditar que é especial, que nasceu com sorte ou que é muito inteligente", diz Elizabeth.

Um dos fatores que diferenciam jogadores compulsivos de jogadores saudáveis - para além da frequência, prejuízos e consciência dos riscos - é a vulnerabilidade da pessoa, que frequentemente tem baixa autoestima e dificuldade de lidar com emoções.

"Tem dois tipos de apostadores. Um busca fugir dos problemas, tem dificuldade de lidar com emoções, frustrações, dores da vida. Está ali para se desconectar. É um padrão mais feminino. O outro busca emoção, adrenalina, adora o frio na barriga. Geralmente, aposta valores mais altos. É um padrão mais masculino", descreve a psicóloga.

Essas pessoas também costumam ter uma espécie de "memória seletiva": tendem a se lembrar de quando ganharam dinheiro, mas se esquecem das derrotas.

Apostas são usadas como forma de fuga dos problemas ou para gerar adrenalina, explica psicóloga
Apostas são usadas como forma de fuga dos problemas ou para gerar adrenalina, explica psicóloga
Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil / Estadão

Lucas, agora, está concluindo o curso de tecnólogo em Gestão Pública. Ele não aposta há três meses, diz, mas ao longo do curso gastou dinheiro com o jogo diversas vezes. Por isso, conta que ainda deve as últimas mensalidades.

'Usei o canal de muleta para sustentar o vício'

O canal no Youtube, criado em 2021, hoje alerta sobre os riscos da jogatina, mas já foi usado como "muleta para sustentar o vício", nas palavras de Lucas. "Eu procurava na internet e não achava conteúdo semelhante ao meu. Parecia que só eu era viciado em apostas no mundo", diz.

Em um momento de fragilidade, publicou um vídeo chorando e contando sobre o seu problema, e começou a receber relatos de pessoas que se identificavam com ele e o incentivaram a gravar mais conteúdos.

O canal no YouTube tem 14 mil inscritos. Ele chegou a criar um formulário para conhecer melhor quem o assiste e teve quase 1,5 mil respostas. O levantamento - que não tem caráter científico - mostrou que, entre os que responderam:

  • mais da metade dizem não ter outro vício (como álcool, drogas, comida ou pornografia);
  • a maioria conheceu as apostas por indicação de amigos, pelas redes sociais ou pesquisando como ganhar dinheiro;
  • metade era viciada em cassino online e um quarto em aposta esportiva de jogos de futebol;
  • 40% já perderam mais de R$ 20 mil com as apostas. Um quinto teve prejuízo superior a R$ 10 mil;
  • mais de 80% dos respondentes têm dívidas acumuladas.

O que fazer em casos de vício em apostas

Quem sofre com prejuízos ou dificuldade de parar de apostar deve buscar ajuda o quanto antes, dizem os especialistas.

A vergonha em admitir a doença é frequente em casos de vício, e julgamentos sobre a doença atrapalham uma melhora do quadro, explica a psicóloga da Unifesp. Por isso, muitos dependentes mentem para familiares e não expõem a gravidade da situação.

"Precisa ter cuidado para não ter tom moralista e julgador. As pessoas têm preconceito, encaram como 'safadeza'. A conscientização de que é doença e que tem tratamento é importante", destaca.

Muitos familiares, com a intenção de ajudar, pagam as dívidas. Porém, este não é o recomendado, afirma Elizabeth, porque abre espaço para recaídas.

A recomendação é que aquela pessoa com dependência delegue para alguém de confiança as suas finanças e se prive de acesso a recursos financeiros, como o Pix, e a opções de crédito, se restringindo a ter acesso a dinheiro vivo.

Estadão
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