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O Cosmo de William Shakespeare: a época e a obra do gênio

Há 450 anos, nascia William Shakespeare, um dos maiores nomes da literatura e da dramaturgia universal

23 abr 2014 - 06h17
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William Shakespeare
William Shakespeare
Foto: Wikimedia
"A fim de imaginarmos, de forma aproximadamente precisa, determinada pessoa, temos antes de mais nada de estudar a sua época, fase em que podemos até mesmo ignorá-la, para depois, a ela retornando, encontrar o maior agrado na sua contemplação"

Goethe em carta a Zelter (1828)

O cenário histórico em que viveu William Shakespeare foi marcado pela presença da forte e polêmica personalidade da rainha Isabel I (1558-1603), chamada pelo povo de "Good Queen Bess", que governou a Inglaterra por longos 45 anos.

Neste quase meio século, em suas questões domésticas, a Inglaterra não só assistiu a vários complôs e atentados como também enfrentou seríssimos desafios à sobrevivência como reino e como país livre. Envolveu-se, interna e externamente, em vários conflitos religiosos e teológicos que separavam as três principais correntes religiosas: a oficialista, dos anglicanos, a dos católicos (Papistas), e a dos calvinistas (Puritanos). Num destes celebrados affairs, os que faziam oposição à política pró-protestante da rainha Isabel – que apoiou o levante dos Países-Baixos contra o domínio católico espanhol em 1572 – conspiraram para que sua prima e ex-governante da Escócia, a rainha Mary Stuart, naquela época (primeiro acolhida na Inglaterra por Isabel como refugiada e, em seguida, aprisionada pela prima), a sucedesse no trono. Descoberta a trama, a bela Mary Stuart, depois de passar 19 anos em cativeiro domiciliar, foi decapitada em 1587, tornando-se mártir do catolicismo e pretexto para que o rei espanhol ensejasse sua vingança.

A excomunhão de Isabel

A execução de uma rainha católica em mãos de uma rainha herética, como era o caso de Isabel, filha de Henrique VIII com Ana Bolena, motivou o Papa Pio V a lançar a Bula da Excomunhão, autorizando qualquer católico a participar da deposição e, se possível, até da morte de Isabel. Desde então, o Reino da Inglaterra conviveu com a constante ameaça de uma invasão por parte da Espanha, a maior potência católica do mundo, e senhora de um Império onde "o sol nunca se punha".

Felipe II, o rei espanhol, lançou-se a organizar em 1588, uma poderosa expedição naval-militar, chamada a "Invencível Armada", para ocupar as ilhas britânicas, e extirpar delas a heresia. A operação invasora fracassou devido a uma série de tormentas que assolaram a esquadra no Canal da Mancha e no Mar do Norte, desbaratando boa parte dos navios e, claro, à bravura dos marinheiros ingleses que conseguiram abordar e destruir as naus dos invasores espanhóis que haviam sobrevivido à hecatombe.

Esse extraordinário acontecimento que salvou o país de uma ocupação estrangeira, registrado por Shakespeare na peça Cimbelino (Ato III, cena 1):

"Lembrai-vos... das resistências naturais que vossa ilha oferece, verdadeiro jardim de Netuno, eriçada, estacada com rochas inacessíveis, vagas bramindo, bancos de areia que, em vez de sustentarem os navios inimigos, os engoliriam até os mastros... um desastre, o primeiro que jamais o atingiu, repeliu das nossas costas, duas vezes vencido, e os seus navios, simples joguetes dos nossos terríveis mares, sacudidos pelas ondas, esmagaram-se facilmente como casacas contra os nossos rochedos".

O clamor patriótico

O clima dramático, tormentoso e apaixonado, resultante daquela situação – onde o pequeno Reino da Inglaterra enfrentava o mais poderoso império da Europa de então – acirrou o patriotismo, criando uma espécie de patrie en danger, contaminou o maior dramaturgo da época: Shakespeare.

Possuído pelo intenso clima emocional que envolveu os ingleses, o poeta dedicou-se a compor uma série de grandes peças históricas, celebrando o passado belicoso dos reis britânicos, atingindo sua expressão maior com "Henrique V", a narrativa da grande aventura do jovem rei inglês que durante a Guerra dos Cem Anos contra a França, na batalha de Azincourt, em 1415, ele destruiu toda a cavalaria inimiga muito mais numerosa, com seus valentes arqueiros e com um punhado do que o rei chamava de band of Brothers, os seus bravos companheiros (*).

(*) Em 1940, quando a II GM completava um ano, "Henrique V" virou filme. O papel do jovem rei inglês foi interpretado por Laurence Olivier, um dos maiores atores shakespearianos de todos os tempos. O intento era abertamente patriótico, encenado com a intenção de ressaltar a bravura dos antepassados frente a um inimigo bem mais numeroso, pois esta era a maneira com que a população das ilhas britânicas passara a ver a presença das tropas nazistas do outro lado do canal da Mancha.

O discurso do dia de São Crispim

A cena ocorre no acampamento inglês no dia da batalha de Azincourt, em 25 de outubro de 1415. O rei Henrique V faz a revista nas tropas – os ingleses contavam com 10 mil soldados para opor-se aos 60 mil franceses que os aguardam nas planícies – quando é abordado pelo Conde de Westmoreland (*), seu primo. Este lamenta a falta de mais homens para, pelo menos, tentar equilibrar um pouco a enorme diferença dos efetivos de combatentes. O rei, então, toma a palavra: 

Quem expressa esse desejo? Meu primo Westmoreland? Não, meu simpático primo; se estamos destinados a morrer nosso país não tem necessidade de perder mais homens do que nós temos aqui; e, se devemos viver, quanto menor é o nosso número, maior será para cada um de nós a parte da honra. Pela vontade de Deus! Não desejes nenhum homem a mais, te rogo! Por Júpiter! Não sou avaro de ouro, e pouco me importo se vivem às minhas expensas: sinto pouco que outros usem minhas roupas: essas coisas externas não encontram abrigo entre as minhas preocupações; mas se ambicionar a honra é pecado, sou a alma mais pecadora que existe.

Não, por fé, não desejeis nenhum homem mais da Inglaterra. Paz de Deus! Não quereria, pela melhor das esperanças, expor-me a perder uma honra tão grande, que um homem a mais poderia quiçá compartir comigo. Oh! Não ansieis por nenhum homem a mais! Proclama antes, através do meu exército, Westmoreland, que aquele que não for com coração à luta poderá se retirar: daremos-lhe um passaporte e poremos na sua mochila uns escudos para a viagem; não queremos morrer na companhia de um homem que teme morrer como companheiro nosso.

O dia de São Crispim: este dia é o da festa de São Crispim; aquele que sobreviver esse dia voltará são e salvo ao seu lar e se colocará na ponta dos pés quando se mencionar esta data, ele crescerá sobre si mesmo ante o nome de São Crispim. Aquele que sobrevier esse dia e chegar à velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e lhes dirá: "Amanhã é São Crispim". E então, arregaçando as mangas, ao mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: "Recebi estas feridas no dia de São Crispim".

Os velhos esquecerão; mas, aqueles que não se esquecem de tudo, se lembrarão, todavia, com satisfação das proezas que levaram a cabo naquele dia. E então nossos nomes serão tão familiares nas suas bocas com os nomes dos seus parentes: o rei Harry, Bedford, Exeter, Warwick e Talbot, Salisbury e Gloucester serão ressuscitados pela recordação viva e saudados com o estalar dos copos.

O bom homem ensinará esta história ao seu filho, e desde este dia até o fim do mundo a festa de São Crispim e Crispiano nunca chegará sem que venha associada a nossa recordação, à lembrança do nosso pequeno exército, do nosso bando de irmãos; porque aquele que verter hoje seu sangue comigo, por muito vil que seja, será meu irmão, esta jornada enobrecerá sua condição e os cavaleiros que permanecem agora no leito da Inglaterra irão se considerar como malditos por não estarem aqui, e sentirão sua nobreza diminuída quando escutarem falar daqueles que combateram conosco no dia de São Crispim. (A vida do rei Henrique V, ato IV, cena III)

(*) No combate, os franceses, comandados pelo condestável Charles I d'Albret, foram fragorosamente batidos pelos arqueiros ingleses num dos maiores desastres militares da história da França, que perdeu, além do condestável, 12 outros membros da alta nobreza, 1,5 mil cavaleiros e mais 4,5 mil soldados.

Envolvido num golpe por Essex

Shakespeare e seu grupo de teatro, a Companhia do Camerlengo, ainda viu-se arrastado a um inusitado complô, raro de ocorrer na história. Em 1601, os seguidores do Conde de Essex, pretendendo derrubar o governo da rainha, imaginaram um coup-d'état em que o ponto de partida seria a apresentação da peça de Shakespeare "Ricardo II", que tratava da deposição de um rei. Tempos antes, Essex merecera uma estrofe no Henrique V (no coro do ato V) por, segundo o poeta, bringing rebellion broachèd on his sword, isto é, "ter trazido a rebelião – na Irlanda – espetada na sua espada" – o que não foi verdade, pois justamente por ter ele fracassado é que Isabel o baniu da corte, ensejando com que ele planejasse a vingança.

Os partidários do conde ressentido e insurgente convenceram os atores a ensaiarem o drama como uma espécie de preparação para o que iria ocorrer no dia 8 de fevereiro, a data marcada para a sublevação. O levante malogrou miseravelmente e Essex foi executado dias depois, em 26 de fevereiro de 1601. Este episódio chocante fez com que Shakespeare mergulhasse numa série de obras sombrias, quase sempre transcorridas em tétricos cenários noturnos, e que ficarão entre suas melhores composições: Otelo, Rei Lear e Macbeth.

A abdicação de Ricardo II: o rei das dores

Após liderar um bem-sucedido levante contra o Rei Ricardo II, seu primo Bolingbroke recebe a coroa real, depois da abdicação publica do rei deposto. Entra o rei caído com um grupo de oficiais levando a coroa.

Rei Ricardo: Ai! Por que me vejo obrigado a comparecer ante um rei antes de haver sacudido os pensamentos reais pelos quais eu reinava? Apenas aprendi a insinuar-me, adular, inclinar-me e dobrar os membros. Daí tempo para o meu pesar, para eu instruir-me nesta submissão. Não obstante, recordo perfeitamente os traços destes homens. Não me pertenciam? Não me saudavam gritando "Salve!"? Assim fazia Judas com Cristo. Mas ele entre 12 homens não encontrou mais do que só falso; eu, entre 12 mil, não acho um só fiel. Deus salve o rei! Ninguém contestará: Amém? Devo ser ao mesmo tempo sacerdote e acólito? Pois bem: amém. Deus salve o rei, ainda que já não seja!

York: Para cumprir de bom grado o que a fadigas da majestade te fizeram oferecer: a resignação do teu poder e da tua coroa a favor de Henrique Bolingbroke.

Rei Ricardo: Dai-me a coroa. Toma-la aqui, primo, deste lado minha mão, do outra a vossa. Esta coroa de ouro assemelha-se agora a um poço profundo, no qual se encontram alternativamente dois recipientes: no alto como que sempre bailando no ar, o que está vazio; o outro, abaixo, invisível e enchido de água; sou eu o recipiente que se encontra embaixo, transbordando em lágrimas; bebo minhas dores enquanto vós ascendeis ao alto.

Bolingbroke: Acreditas que renuncias voluntariamente à coroa?

Rei Ricardo: À minha coroa, sim, mas minhas dores serão sempre minhas. Podeis despojar-me do meu poder e das minhas dignidades, mas não das minhas dores: delas sempre serei rei. (Rei Ricardo II, Ato IV, cena única)

A conspiração da pólvora

Outra tentativa malsucedida na época de Shakespeare foi a chamada Conspiração da Pólvora (Gunpowder plot), quando, liderados por Robert Catesby, um grupo de católicos, onde se encontrava esse pouco conhecido Guy Fawkes, tentou explodir o Parlamento, colocando 20 barris de pólvora no seu porão para detoná-los no dia em que o rei Jaime I e toda a sua corte estivessem presentes. Os conspiradores foram detidos no dia 5 de novembro de 1605, bem antes de consumarem o infeliz intento. Tão impopular foi essa tentativa de atentado, denunciado a tempo, que até hoje sua data é feriado na Inglaterra, celebrando-se a sacralidade e a intocabilidade do Parlamento como representante da vontade do povo.

A situação material da Inglaterra isabelina

A Inglaterra do século 16 era um país pobre. Boa parte da aristocracia feudal havia sido dizimada na Guerra das Duas Rosas, entre as famílias Lancaster e York, que se estendeu de 1455 a 1485, quando Henrique VII, Tudor, ascendeu ao trono, pondo fim à guerra civil.

O outro acontecimento espetacular deu-se com a ruptura da monarquia inglesa com a Igreja Católica, quando o Rei Henrique VIII, invocando razões de Estado, quis divorciar-se da rainha Catarina de Aragão. Como o Papa não deu seu consentimento, o rei proclamou-se, por meio da Ata da Supremacia, em 1534, soberano também sobre a religião, lançando as bases do anglicanismo. Nos anos seguintes, todos os mosteiros são suprimidos e suas propriedades vendidas à nobreza e à burguesia.

Havia muito miséria pelos campos e pelas cidades inglesas. Uma das razões disso era a espoliativa política das enclosures, o "cercamento" das terras coletivas e sua apropriação por criadores de ovelhas (o próprio Shakespeare envolveu-se num problema dessa ordem quando retornou para Stratford-on-Avon), situação socialmente dolorosa, já denunciada por Thomas Morus na sua obra Utopia, de 1516. Conforme a indústria lanífera crescia nos Países-Baixos, os campos ingleses passaram a dar mais espaço para ampliar as pastagens a fim de facilitar a criação de carneiros para exportar a lã.

Nobres poderosos e a gentry rural agiram brutalmente para expulsar os camponeses e aldeões das terras comuns, fazendo com que um verdadeiro mar de mendigos viesse dar com seus pobres costados nas cidades, especialmente Londres, que chegou a ter 150 mil habitantes na época de Shakespeare, fazendo com que se tornasse um dos maiores conglomerados humanos daqueles tempos. Este fenômeno de crescente miserabilidade teve seus efeitos no endurecimento das leis penais, intolerantes e marcadamente punitivas, que começaram a ser adotadas nos tempos de Isabel.

Outros grandes nomes

Isso, porém, não impediu a nação de conhecer um dos maiores momentos da sua expressão cultural. Chamam o período isabelino, com toda a razão, de a Era Dourada.

Naquele século viveram Marlowe, Ben Jonson, Lyly e o filósofo Francis Bacon, a quem muitos atribuíram, equivocadamente, a verdadeira autoria das peças de Shakespeare. Provavelmente aquela junção de ameaça externa movida pelo poderoso império espanhol, somada às cisões religiosas entre as várias facções do cristianismo, criou um clima efervescente favorável à imaginação e a todos os tipos de criações. Como disse certa vez o doutor Johnson, "a possibilidade de se ser enforcado faz com que as ideias se concentrem".

A Cosmografia de Shakespeare

William Shakespeare, nascido na pequena cidadezinha de Stratford-on-Avon, nas proximidades de Londres, em 23 de abril de 1564, é universalmente consagrado como um dos maiores nomes das letras em todas as épocas. Harold Bloom, o mais conhecido dos críticos norte-americanos, coloca-o em primeiro lugar no seu cânone dos autores mais importantes do Ocidente, enquanto Otto Maria Carpeaux considerou-o "o maior poeta dos tempos modernos e, salvo as limitações do nosso juízo crítico, de todos os tempos".

Parecer idêntico, aliás, do contemporâneo de Shakespeare Ben Jonson:

"(...) confesso que teus escritos são tais que nem homem nem musa podem abarcá-los suficientemente... Alma do século! Aplauso, delícia, assombro da nossa cena! (...) És um monumento sem tumba, e viverás enquanto viver teu livro e haja inteligências para lê-lo e elogios a tributá-lo. Triunfa Bretanha minha, pois tem um a oferecer, a quem todas as cenas da Europa irão render homenagem! (...) Que ele não é de um século, senão de todos os tempos (...); doce cisne de Avon! (...)

O sucesso

Shakespeare foi um daqueles grandes escritores que conseguiu não apenas levar aos palcos a sua época, mas fazer com que ela se imortalizasse. A razão do sucesso dele são os traços marcantes de seus personagens, rigorosamente individualizados, e o caráter universal e perene dos seus temas. Hamlet, Ricardo III, Lear, Polônio, Falsfat, Ofélia, Macbeth e sua terrível rainha, o ciumento Otelo, a bela e fiel Desdêmona e o invejoso Iago tornaram-se personagens conhecidos por todos. As suas tragédias, em grandeza e perenidade, assemelham-se aos clássicos da Ática antiga, as de um Sófocles ou as de um Eurípides. Porém, ao contrário daqueles autores celebres que o antecederam, ele não se limitou apenas em reproduzir os dramas das gentes da Corte, a sorte dos reis e dos seus próximos. Provavelmente foi essa disposição para o universal que fez com que Goethe dissesse dele:

"Ninguém mais do que ele desprezou a cor local, mas conhece maravilhosamente a cor local interior dos homens, e sob este aspecto todos se parecem. Diz-se que descreveu admiravelmente os romanos. Não estou de acordo. São todos ingleses, mas também são homens radicalmente humanos que facilmente vestem a toga romana"

Em suas peças encontra-se de tudo. Não só uma imensa diversidade de tipos humanos (reis, rainhas, príncipes, cortesãos, ministros, bufões, soldados, estalajadeiros, mulheres do povo, mercenários, comerciantes, atores, padres, escroques, mágicos etc), como também as mais variadas situações existenciais e as mais diferentes classes sociais. Como homem do Renascimento, Shakespeare desprezou as fronteiras nacionais. Era como se o universo fosse sua casa. Seus dramas ocorrem na Dinamarca, nas cidades italianas, na Grécia e na Roma antigas, e até numa ilha do Novo Mundo (Tempestade, 1613). Pode-se compará-lo, de certo modo, a Galileu, o descobridor de um novo Cosmo. Só que Shakespeare criou o seu com as letras, um Cosmo integralmente humano.

Do Avon ao Tâmisa

Deixando a mulher e os filhos (uma menina e dois gêmeos) no lugarejo em que nasceu, Shakespeare chegou a Londres provavelmente entre em 1584 e 1585, com vinte e poucos anos, seguindo logo a carreira teatral. A capital do reino fascinou-o.

Era uma das maiores concentrações urbanas da Europa no seu tempo. A Torre de Londres, erguida por Guilherme, o Conquistador, no século 11, com toda a sua carga histórica, em geral tétrica, vista como local de punição e execução, onde morreram Thomas More e Ana Bolena, ascendeu-lhe a imaginação. Além dela, como outro atrativo, pairava sobre o Tâmisa a London Bridge, a vigorosa ponte com seus três grandes pilares, considerada uma maravilha da engenharia medieval. O burburinho da vida citadina ele procurou reproduzir em vários momentos das suas peças, bem como a algazarra das tabernas e o som das ruas.

Presume-se que uma das suas primeiras atividades, além de ator, foi a de adaptador de peças clássicas e outras mais. Daí ter adquirido intimidade com a mitologia clássica e com as mais diversas manifestações eruditas. Recebia-as por inteiro e as rescrevia para adequá-las ao público de Londres. Dotado de um cérebro prodigioso, rapidamente absorveu-lhes as técnicas e os conteúdos, ampliando seus conhecimentos com leituras paralelas, suprindo-se de informações históricas e mitológicas. Os seus conhecimentos jurídicos e legais sugerem que ele manteve contato regular com os jovens estudantes de advocacia das quatro escolas de direito que existiam então em Londres. A primeira peça que escreveu foi aos 26 anos de idade, mas sua primeira obra-prima, Romeu e Julieta, só lhe ocorreu aos 32 anos. Em 1599, Shakespeare participou da inauguração do teatro popular The Globe e também de outro, em 1608, mais reservado, chamado Blackfriars Theatre.

A publicação da obra

Infelizmente, no tempo em que viveu, a atividade de autor teatral não era considerada uma prática ilustre. Apesar de Shakespeare ter se tornado um bem-sucedido homem de negócios e um excelente empreendedor, não se importava muito com o que escrevia. Tanto é assim que, antes de morrer, em 1616, nem se havia dado ao trabalho de juntar seus manuscritos numa obra só, deixando-os dispersos. Felizmente, dois de seus amigos, os atores John Hemige e Henry Condell, recolheram quase tudo e publicaram o primeiro in-folio em 1623.

As constelações de Shakespeare

Divisão da obra

Tomando-se Shakespeare como um grande astrônomo, preocupado porém não com os corpos celestes, mas com os terrestres (ele nunca teve preocupações transcendentais), pode-se classificar sua obra em três grandes tipos de constelações ou sistemas planetários:

– o das comédias: A Tempestade, Os fidalgos de Verona, As alegres comadres de Windsor, Mercador de Veneza, A megera domada etc;

– o das histórias: A vida e a morte do rei João, Ricardo II e III , Henrique IV , V , VI e VIII);

- e o das tragédias: Coriolano, Romeu e Julieta, Júlio César, MacBeth, Hamlet, Lear, Otelo, Antônio e Cleópatra e Cimbelino.

Fonte: Especial para Terra
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