PUBLICIDADE

A Revolução da Biogenética

5 dez 2018 - 10h46
(atualizado às 11h34)
Compartilhar
Exibir comentários

Toda a vez que ocorre uma inovação ou uma descoberta, particularmente no que diz respeito à vida, seja animal, humana, ou mesmo vegetal ( como a recente questão dos transgênicos) ela desperta a mais viva polêmica. Não estaria o Homem, perguntam os religiosos e os ambientalistas, tentando atrevidamente colocar-se no lugar de Deus? A arrogância humana não está querendo usurpar um direito que é exclusivo Dele, rivalizando com Ele na Criação? Infringiria o Homem  as Leis Naturais mais profundas ao chamar a si um atributo que não lhe pertence expondo todos nós à riscos inimagináveis?

Os heróis punidos

Pode-se dizer que boa parte da mitologia antiga, grega, romana ou oriental, enfatiza os perigos que incorre o ser humano ao tentar ultrapassar os limites fixados com leis de ferro da Natureza, amparada pelos deuses. Basta lembrar a lenda de Ícaro, o jovem filho de Decalião que tentou voar e terminou tragicamente, ou ainda a tão conhecida história do titã Prometeu que, desconsolado com a ignorância e miséria dos homens, roubou o fogo sagrado dos céus para ajudá-los a sair do embrutecimento em que se encontravam..

Os exemplos são inúmeros e até hoje são sempre lembrados quando a ciência avança sobre áreas que consideramos melindrosas ou sagradas. No entanto, os homens curiosos e cientistas corajosos e capazes, mesmo arriscando suas vidas, jamais negaram-se a ir em frente. Tiveram que enfrentar a incompreensão das autoridades, o fanatismo e a superstição do povo comum, a revolta do clero e por vezes o calabouço, o exílio, a pobreza forçada ou a fogueira por terem defendido concepções que hoje consideramos absolutamente aceitáveis e naturais mas que no tempo em que foram proferidas foram consideradas heréticas ou demoníacas.

Obviamente que uma das mais delicadas é a que trata da criação de um novo ser: quando o Homem, ao arrepio de Deus, tenta imitá-lo e dedica-se a criar, com seus próprios recursos, um ser humano. Existem, en quase todas as culturas, uma infinidade de histórias que registram essas tentativas fracassadas. Além do Prometeu dos gregos, uma dessas narrativas lendárias mais antigas diz respeito ao Golem,  uma Criatura que teria sido  forjada pelos judeus de um gueto da Polônia no século XII. Após o esforço de  terem pronunciado 221 palavras cabalísticas dos modos os mais diversos possíveis eles  encontraram a fórmula mágica para fazer  do barro um ser humano. A Criatura, que não dizia uma só palavra, foi marcada na testa com a palavra hebraica Emert (Verdade), para distingui-lo dos demais, mas depois de terem perdido o controle sobre o Golem tiveram que destruí-lo, transformando-o de novo em pó.

O Mito de Prometeu

Prometeu, punido por ter desafiado os deuses
Prometeu, punido por ter desafiado os deuses
Foto: Reprodução

“Os benefícios que fiz aos mortais atraíram-me este rigor. Apoderei-me do fogo, em sua fonte primitiva: ocultei-o num cabo de uma bengala, e ele tornou-se para o homem a fonte de todas as artes e um recurso fecundo.”

Ésquilo ‑ Prometheus Desmontes, circa de 463 a.C.

Mas não só em lendas judaicas medievais ocorreu a idéia do Homem imitar Deus. A literatura também o fez. Em 1774, o escritor alemão F. W. Goethe publicou um pequeno poema (Prometheus)com apenas oito estrofes, no qual lançou o grito de guerra do Prometeu redivivo. O titã  descrito por Goethe não aceita mais venerar Zeus, dizendo ser a divindade  invejosa e inservível por que em mais nada ajuda o Homem. Ele sim, liberto da vassalagem divina, iria doravante criar outros homens que, em tempo, viriam ser iguais a ele. Esses novos homens não teriam mais nenhum compromisso com a devoção aos deuses, seriam totalmente livres. Essa pequena estrofe serviu de inspiração para que depois surgisse o culto ao Gênio, ao homem extraordinário que, sozinho, constrói o seu  destino sem temer a mais ninguém e a mais nada. A partir de então o titã tornou-se um dos heróis mitológicos favoritos do Movimento Romântico e, não só dele, até o materialista Karl Marx confessou que seu herói favorito  - o seu homem-modelo -  também era Prometeu.

Prometheus*

(Poema de F.W Goethe, de 1774)

                                 “ Encobre o teu Céu ò Zeus

                                   com nebuloso véu e,

                                   semelhante ao jovem que gosta

                                   de recolher cardos

                                   retira-te para os altos do carvalho ereto

                                                             Mas deixa que eu desfrute a Terra,

                                                             que é minha, tanto quanto esta cabana

                                                             que habito e que não é obra tua

                                                             e também minha lareira que,

                                                             quando arde, sua labareda me doura.

                                                             Tu me invejas!

                                    (...)

                                     Eu honrar a ti? Porque?

                                     Livras-te a carga do abatido?

                                     Enxugaste por acaso a lágrima do triste?

                                      (...)

                                                                 Por acaso imaginaste, num delírio,

                                                                  que eu iria odiar a vida e retirar-me para o ermo

                                                                  por alguns dos meus sonhos se haverem

                                                                 frustrado?

                                       Pois não: aqui me tens

                                       e homens farei segundo minha própria imagem:

                                       homens que logo serão meus iguais

                                       que irão padecer e chorar, gozar e sofrer

                                        e, mesmo que forem parias,

                                       não se renderão a ti como eu fiz”

(*) Prometeu foi um titã da mitologia grega que roubou o fogo ( a sabedoria e a ciência) dos céus. Foi punidos por Zeus com o castigo de ficar encadeado a uma rocha no Cáucaso, onde uma águia diariamente lhe bicava o fígado. Sua  sina foi teatralizada pela primeira vez por Ésquilo ( 525-456 a.C.), no século V a.C., com o titulo de Prometeus desmotes

Prometeu tornou-se, desde os tempos de Ésquilo ( a tragédia foi representada no século V a.C., em Atenas), o símbolo da eterna insatisfação humana com seu destino. O Titã que não se conforma nunca  com os acasos e a inconstâncias da Natureza e que se revolta contra a tirania dos deuses. Prometeu é o homem que tenta construir o seu próprio destino sem aceitar interferência divina. Enquanto o herói da lenda grega teve de suportar o suplício, o moderno Prometeu  tem um como tarefa modelar à sua feição e imagem, não só o Mundo como a si mesmo. Façanha essa que agora é possível porque surgiu um novo tipo fogo, um fogo ( o conhecimento) não mais roubado dos Céus mas sim desenvolvido por ele mesmo e formado pela Ciência e a Tecnologia.

O Monstro Frankenstein

A adesão a esse novo Prometeu Renascido, que emergiu do Movimento Iluminista e da Revolução Industrial do século XVIII, filho da Razão e da Técnica,  não foi uníssona. Muito pelo contrário. E a oposição a ele não partiu só da Igreja Católica e dos pastores da Igreja Reformada. Os poetas , escritores e intelectuais do Movimento Romântico que então começava a predominar no cenário cultural europeu, também manifestaram seus temores frente ao novo titã.. Em 1818, Mary Shelley, esposa do poeta Percy Shelley, escreveu uma novela gótica que assustou todo o mundo: Frankenstein.. Na novela, um talentoso médico e cientista de nome Frankenstein tenta dar  vida a uma série de membros e órgãos humanos retirados de cadáveres distintos. Depois de várias tentativas laboratoriais, utilizando-se largamente de choques e correntes elétricas, a Criatura desperta ( naquela época difundiram-se as experiências feitas desde 1800 com a bateria elétrica de Volta e a eletricidade animal de Galvani). Em pouco tempo, ao escapar do fantástico laboratório do dr.Frankenstein, o Monstro de forma humana vai deixando um rastro de mortes e de pavores em sua fuga. Termina por ser  incinerado por uma massa de camponeses assustada e furiosa. Portanto, o Prometeu de Mary Shelley ( o dr.Frankenstein) ao tentar rivalizar-se com Deus na tentativa de também dar a vida a alguém, fez por gerar no seu laboratório uma anomalia, uma perigosíssima ameaça à comunidade.

Frankenstein, a criatura-monstro
Frankenstein, a criatura-monstro
Foto: Reprodução

O medo ao novo

De certo modo, muitas das fobias antigas  voltaram à luz com a notícia da clonagem de uma ovelha adulta feita na Escócia pelo Instituto Roslin, em 1997. Governos, igrejas, seitas religiosas de todas as crenças, manifestaram profundo receio perante a possibilidade de se clonar, em breve, um ser humano. As sanções e ameaças feitas aos cientistas, caso eles tentem isso,  variam de simples negação de verbas federais até medidas mais rigorosas como pena de prisão. Isto tudo afinal é muito natural. Toda inovação revolucionária  provoca um choque ético na humanidade. Mas com o tempo,  as barreiras uma a uma vão caindo, e aquilo que foi encarado certa vez como uma blasfêmia, ou um crime contra Deus, passa a ser visto com toda a naturalidade. Quem se negaria hoje a vacinar-se contra febre amarela. No entanto, a sua obrigatoriedade introduzida no Rio de Janeiro pelo cientista e sanitarista Dr. Oswaldo Cruz,  provocou a Revolta da Vacina de 1904.

Feita essa ressalva é certo que Prometeu,  quer queiram ou não,  irá cumprir a sua promessa feita nos tempos do Romantismo de conseguir fazer nascer criaturas à sua imagem, pois o homem moderno está condenado a ser “o senhor e dono da Natureza”.

Do Homem-Máquina ao Homem Neuronal

O Homem devassado de Vesálio século XVI
O Homem devassado de Vesálio século XVI
Foto: Reprodução

Não se pode entender essa extraordinária Revolução da Biogenética que hora assistimos sem recuarmos no tempo. É preciso fixar-se o momento em que a mentalidade do  homem ocidental começa a mudar.  Desde o Renascimento italiano, a partir do século XV, o Humanismo procurou fazer com que gradativamente as atenções dos estudiosos se voltassem não para as coisas do Céu, como se fazia na Idade Média, mas para o que cercava o homem: a Terra, a Natureza, a Vida. Decorrente dessa nova postura, cultivou-se um pensamento cada vez mais inclinado para a ação e não mais para a contemplação. Devotou-se um amor cada vez maior pela existência e pelas ciência naturais. Ocorre, a partir de então, um gradativo desprestígio da vida monacal, enclausurada nos Mosteiros, dedicada à ascese e às orações. O atrativo para o homem do Renascimento passou a ser o agir, a conquista dos mares, as grandes aventuras, a atração pelo descortinar dos oceanos e culturas desconhecidas. Abandonam  o exemplo dos Santos como um ideal a ser imitado e os substituem por Marco Polo, o homem que desbravara Cipango e conhecera os Canatos da Ásia. 

O Humanismo e as Descobertas

Leuwenhoek (1632-1723), o descobridor das bactérias
Leuwenhoek (1632-1723), o descobridor das bactérias
Foto: Reprodução

Nas artes, celebra-se a beleza física e o nu ou semi-despido que voltam a ser apreciados como nos tempos greco-romanos. Reintroduziu-se a perspectiva e a proporção nas artes visuais  e utiliza-se, como o fez Leonardo da Vinci (1452-1519), os conhecimentos da ciência física ‑ especialmente a ótica ‑ nas composições pictóricas e nas esculturas. Todos eles estudam anatomia, apesar das restrições impostas pela   Igreja Católica. Copérnico, Kepler e Galileu, por sua vez,  devastam os céus; Colombo, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães, abrem os caminhos das imensidões salgadas; o Dr. Harvey decifra o mistério da circulação do sangue, enquanto bem antes  deles todos Gutemberg provocava com seu invento , a imprensa, a maior revolução cultural desde o surgimento do alfabeto. Na geração seguinte a de Galileu, que escrutinara os céus com seu telescópio, Anton Van Leuwenhoek, de Delft, girava a sua poderosa lente para baixo, para um gota d’água,  para ir encontrar a bactéria, descoberta por ele em 1683. Desde então,  que saltos deu a microbiologia, graças aquele Colombo holandês armado com um microscópio.

O processo de  Desmagização do Mundo tinha o seu início. Ninguém mais acreditava que os chamados Mistérios de Deus ( as coisas e fenômenos que os homens não podiam explicar ou entender)  durariam muito. Autoconfiante e cada vez mais auto-suficiente, a Humanidade partiu para conquistas cada vez mais ousadas e mais espetaculares. De certa forma atendia-se o grande chamamento feito na época do Renascimento,  pelo que se consagrou como o Manifesto do Humanismo, que enfatiza a possibilidade do homem vir a construir o seu próprio destino com suas próprias mãos.

O Manifesto do Humanismo

“Ó Adão, não te demos nenhum lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares, tudo segundo o teu parecer e a tua decisão. A natureza bem definida dos outros seres é refreada por leis por nós escritas. Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, é que irás determinar para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no meio do mundo para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo. Não te fizemos celeste nem terreno, nem moral nem imoral, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até os seres que são as bestas, poderás regenerar-te até as realidade superiores que são divinas, por decisão do teu próprio ânimo.”

Pico Della Mirandola “Discurso sobre a Dignidade do Homem” (Oratio de Hominis Dignitate), 1486

O Homem é o centro de tudo (L. da Vinci)
O Homem é o centro de tudo (L. da Vinci)
Foto: Reprodução

O efeito da Reforma

Nos princípios do século seguinte, em 1517, um monge alemão, irritado com a venda de indulgências (que garantiam lugar cativo no céu e absolvição dos pecados até então cometidos ), organizada pelos representantes papais,  fixou nas portas do castelo de Wittemberg as 95 teses contra o que ele considerou uma usurpação da Igreja Católica. Segundo Lutero (1483-1546) ela não tinha autorização de ninguém, muito menos de Deus,  para dar absolvição aos pecadores. Esse era um atributo exclusivo de Deus. Tinha início a Reforma Protestante, que dividiu a Europa entre os seguidores de Lutero e aqueles que permaneceram católicos. Sob o ponto de vista estritamente científico a Reforma Religiosa,  ao debilitar o poder da Igreja Católica e o da casta sacerdotal que a controlava,  liberou os cientistas e estudiosos em geral do controle que padeciam, permitindo uma avalanche de pesquisas e explicações de toda ordem que vão revolucionar o mundo do conhecimento.

Humanistas, Reformadores e Cientistas

Os Humanistas e os Reformadores, cada uma seu modo,  preparam, mesmo que muitos não tivessem consciência disso, nem tal desejassem, o caminho para o advento da Filosofia Racionalista ( século XVII), que coloca a razão como principal instrumento de verificação da verdade e não mais a fé. Três grandes nomes estão ligados a esse movimento,  Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650),  e o genial Isaac Newton (1642-1727).

Eles preocuparam-se em promover a ciência e acreditavam que a Natureza funcionava por meio de leis possíveis de serem entendidas pelo intelecto humano. O domínio delas, de tais leis,  faria com que o homem se tornasse senhor, e não mais um dependente, assustado e supersticioso, das forças naturais. Esse pelo menos era o projeto do Cartesianismo. Complementar à Filosofia Racionalista, surgiu no século XVIII o Movimento Iluminista (Les lumières) com sua inabalável crença no Progresso e no  Aperfeiçoamento Ético humano. Para os iluministas era pura fantasia a idéia da existência de uma Idade de Ouro no passado. Ela ainda estava para ser alcançada. Se algum dia existir uma Idade de Ouro ela estará no futuro. Para tanto era preciso expandir a educação e  as Luzes, difundir o conhecimento científico e as conquistas da técnica (para tanto publicaram a Encyclopedie, dirigida por D. Diderot, em 1751).

Para melhorar o Homem, era preciso alterar-se as instituições sociais, jurídicas e econômicas. Reformar ou Revolucionar o Mundo de alto a baixo. Eles foram os principais responsáveis teóricos pela eclosão da Revolução Americana de 1776,  e pela Revolução francesa de 1789.

A idéia do Homem-Máquina

Divergente deles foi a Antropologia Materialista de La Mettrie (1709-1751), autor do “O Homem-Máquina”, publicado em 1747, que integra o corpo e o espírito numa coisa só, inseparáveis,   e que acreditava que as mudanças só poderiam ocorrer na estrutura fisiológica do homem. Desde então vamos ver conflituar-se essas duas correntes: a que diz que o Homem sofre alterações positivas se as instituições (sócio-econômicas, políticas, legislativas, educacionais, etc...) forem mudanças ( reformistas ou revolucionárias),  e a outra que defende que as únicas reais possibilidades de aperfeiçoamento humano são aquelas alcançadas pela biologia ( por meio da modificação genética).

O Utilitarismo e o Positivismo

No século XIX, com  Jeremiah Bentham (1748-1832),  forjou-se uma ética utilitarista. Afinal qual o conceito de bom ou ruim se não se aceitavam mais os princípios religiosos de bem e de mal? Para ele a resposta para isso era simples e ele a defendeu no seu livro ”Introdução aos Princípios Morais e Legislação”, de 1798, dizendo que “bom” é aquilo que é útil ao Homem “ruim” ou “mau”, o que nos prejudica. O comportamento moral das pessoas deveria, pois, orientar-se para dar “a maior felicidade possível para o maior número de pessoas possível”. Essa orientação Utilitarista muito amparou os cientistas que viram o seu trabalho como uma forma de promover a felicidade humana e não uma violação aos códigos secretos de Deus.

Um pouco depois de Bentham, na França, surgiu a figura de Auguste Comte (1798-1857), considerado o fundador da sociologia e da Filosofia Positivista. Segundo ele a história da humanidade havia passado por três estágios, o teológico (onde havia o predomínio da religião), o metafísico (com a hegemonia da filosofia abstrata) e, finalmente, o científico, ou positivo, que submeteria todas as instâncias do futuro a sua égide. Assim,  os cientistas se tornaram aos  olhos de Comte na vanguarda que iria fatalmente dominar todo o conhecimento, inclusive chegando ao poder ( por meio da Ditadura Positivista).

O Darwinismo

Mas a grande revolução no pensamento científico ocorreu com o livro “A Origem das Espécies”, publicado por Charles Darwin, em 1859. O Darwinismo simplesmente afastou Deus da criação, substituindo-o pela Teoria da Evolução. Nunca havíamos nascido “à imagem e semelhança de Deus”, mas sim somos resultado de uma longa evolução natural, pela qual somente os mais aptos sobreviviam por meio da seleção natural. O escândalo em torno de Darwin aumentou ainda mais quando ele ponderou que possivelmente seríamos aparentados com os macacos. Darwin apresentou a primeira grande teoria naturalista coerente e cientificamente fundamentada (no empirismo inglês e nas sua viagem de pesquisa ao redor do Mundo, feita em 1832-6) que atacava frontalmente a Teoria Criacionista (que defendia a idéia, apoiada no Livro do Gênese da Bíblia,  do Mundo e do Homem como criação divina).

A partir da divulgação da sua obra, tornou-se possível a idéia de poder-se alterar biologicamente os componentes da natureza ( vegetal, animal ou humano), para fazer aperfeiçoamentos  que permitissem  melhorá-los.

O Homem Neuronal

“Se não és capaz de encontrar um micróbio que faça o trabalho para ti, cria-o!”

                                                                                            J.B.S. Haldane, 1929

Levando às últimas conseqüências as teorias anteriores, mais recentemente, um grupo de biólogos e intelectuais liderados por Jacques Monod, François Jacob e Jean-Pierre Chargeux, concluíram que a vida nada mais é do que o resultado de mecanismo biofísicos, sendo o homem uma Máquina Neuronal (título do livro de Chargeux). Esta tese é resultado das descobertas sensacionais feitas pela biologia e pela engenharia genética a partir dos anos de 1950, quando Watson e Crick descobriram a “espiral da vida”, o DNA ( Ácido desoxirribonucléico), em 1953, seguida da dos cromossomos humanos, do diagnóstico pré-natal, da elaboração do primeiro gene artificial, da primeira criança nascida in vitro , e das possibilidades da clonagem. Abrem-se hoje para a Genética possibilidades consideradas inimagináveis há bem pouco tempo atrás, graças aos progressos da engenharia genética que nos permite prever descobertas e experiências ainda mais sensacionais, das quais a clonagem de uma ovelha, feita no Instituto Roslin de Edimburgo, pelo pesquisador Ian Wilmut, em 1997,  foi apenas o início. Com a decodificação do genoma humano ( conjunto de genes que formam o ser humano, o código genético que encontra-se no DNA), anunciada simultaneamente por pesquisadores norte-americanos, franceses, ingleses e japoneses ( Francis Collins, Craig Venter, Jean Wesseinbach, John Suston, Michel Morgan, Yoshiyuki Sakai e Nobuyoshi Shimizu), num total de 18 países, concluiu-se a primeira etapa do Projeto Genoma Humano cujo objetivo era a decifração das maravilhosas páginas do “livro da vida” que poderão doravante ser lidas e interpretadas, livrando, possivelmente,  a humanidade das suas heranças genéticas negativas ( propensão à doenças, deformações hereditárias, etc..). Libertadas delas, as gerações futuras poderão vir a achar normalíssimo viver até cem anos ou mais.

Watson e Crick que descobriram a “espiral da vida”
Watson e Crick que descobriram a “espiral da vida”
Foto: Reprodução

Cartesianismo

R. Descartes: “Tratado do Homem” (Le Traité de L’Homme), 1662

Tese do Homem-Máquina, preserva a separação do corpo (autômato) e do  espirito (alma)

Projeto cartesiano: garantir o controle e a posse da natureza por parte do Homem

Quadro síntese das Correntes e Teorias

Utilitarismo

J. Bentham “Introdução aos Princípios Morais e Legislação”, (Introduction to the Principles of Morals and Legislation), 1798

ética: O “Bom” é o útil e “mau” é o inútil

Objetivo: “a maior felicidade para o maior número possível”

Positivismo

Comte: “Discurso sobre o Espírito Positivo” (Discours sur L’Esprit Positif), 1844

A teoria dos 3 estágios (O teológico, o metafísico e o científico). Anúncio da Era Científica ou Positiva

Darwinismo

C. Darwin: “A Origem das Espécies” (On the Origin of Species), 1859

Explicação naturalista da origem humana por meio da seleção natural e da sobrevivência do mais apto

O Homem Neuronal

J. Monod “ Acaso e Necessidade” (Le Hasard et la Necessité), 1970

F. Jacob “A Lógica Vivente” (La Logique Vivante), 1970

J-P. Chargeux “O Homem Neuronal” (L’Homme Neuronal), 1983

A vida como resultado de mecanismos biofísicos

Homem é uma máquina neuronal

O DNA, a espiral da vida
O DNA, a espiral da vida
Foto: Reprodução

A BIOÉTICA

O termo bioética é recente. Surgiu em 1970 num artigo escrito por Van Rensselar Potter, com o título “The science of survival” e, no ano seguinte, em 1971, no livro “Bioethics: bridge to the future” onde pregou a necessidade de se estabelecer uma ponte entre o saber científico e o saber humanístico. Ela tem por objetivo associar a biologia à ética, por meio de uma prática interdisciplinar, onde esperam os médicos, homens de ciência, advogados, juristas, religiosos, atuem em comum para estabelecer um conjunto de normas aceitável para todos.

Qual a razão da emergência da bioética?

Ocorre que nos últimos anos a medicina, a biologia e a engenharia genética alcançaram extraordinários avanços: multiplicaram-se os transplantes, experiências bem sucedidas com animais se multiplicaram, inseminações artificiais se tornaram corriqueiras, bem como nascimentos humanos fora do corpo humano (fertilização in vitro). Igualmente pela crescente legislação, adotada por vários, países, que permite o aborto e, em menor escala, a eutanásia. Ela tem procurado orientar não só os cientistas dedicados a experiências genéticas como também a opinião pública e os legisladores em geral. Aos cientistas alerta-os para os limites da sua investigação, à opinião pública para esclarecê-la e aos legisladores para que façam as leis seguindo princípios éticos aceitáveis.

Diferentes momentos da Bioética

Bioética geral; ocupa-se das funções éticas, é o discurso sobre os valores e os princípios originários da ética médica e sobre fontes documentais da bioética

Bioética especial; analisa os grandes problemas enfrentando-os sempre sob o perfil geral, tanto no terreno médico quanto no biológico (engenharia genética, aborto, eutanásia, experiência clínica, etc...). são as grandes temáticas da bioética.

Bioética clínica (o de decisão); trata da praxis médica e do caso clínico, quais são os valore em jogo e quais os caminhos corretos de conduta.

BIBLIOGRAFIA

BELINGER, Giovanni. Questões de vida. Apce Hucitec, Salvador, São Paulo: Londrina, 1993.

DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Hemus. Livraria e Editora. São Paulo: s/d;

DESCASTES, René. El Tratado del Hombre. Alianza Universitária, Madri, 1990.

GEYMONAT, Ludovico. Historia de la Filosofia y de la Ciencia. Editorial Critica, Barcelona, 1985, e vols.

KOYRÉ, Alexandre. Estudos de História do Pensamento Científico. 2ª ed. Forense Universitária, São Paulo, 1991.

LA MATTRIE. O Homem-Máquina. Editorial Estampa, Lisboa, 1982.

PRENTIS, Steve – Biotecnología: una nueva revolución industrial, Barcelona, 1993

POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Científica. 9ª ed. Editora Cultrix, São Paulo, 1993.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. Edições Loyola, São Paulo, 1996.

Gravuras: Prometeu [cas.utk.edu.]; watson e crick [ dna.gr.]; demais gravuras, in C.A.Ronan “História ilustrada da Ciência, vol III]

Veja também:

A história por trás da foto viral em que mãe carrega o filho deficiente para o vestibular:
Fonte: Especial para Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade