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Crise faz reitoria da Unesp propor corte de cursos e fim do vestibular de junho

Déficit chega a R$ 300 milhões e pelo segundo ano consecutivo a faculdade não tem como pagar 13º; série de medidas em estudo inclui reduzir áreas administrativas, apostar em aulas virtuais e parcerias privadas. E pedir repasse maior de verbas ao Estado

4 out 2018 - 03h11
(atualizado às 14h38)
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Com um déficit orçamentário de cerca de R$ 300 milhões, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) estuda fechar cursos de graduação com baixa procura e extinguir o vestibular do meio de ano, em junho, para melhor utilizar os recursos financeiros. Nesta quarta-feira, 3, a reitoria divulgou um plano com uma série de ações de contenção de despesas nas áreas acadêmica e administrativa para enfrentar o que chama de sua "maior crise econômica".

Além de reformas para economia de recursos, são propostas ações com o governo do Estado para equacionar a insuficiência financeira e a busca por novas formas de receita, por exemplo com o estímulo à prestação de serviços e parcerias com o setor privado. "As mudanças acadêmicas não são para uma economia financeira. Para isso, propusemos as mudanças administrativas. As mudanças nos cursos de graduação são para evitar o desperdício do dinheiro público", disse o reitor Sandro Roberto Valentini. Todas as propostas serão discutidas em comissões e depois devem ser aprovadas pelo Conselho Universitário. O reitor prevê que o processo demore até dois anos.

O documento detalha que a Unesp oferece em alguns casos os mesmos cursos em diferentes câmpus. Por isso, seria preciso "avaliar a pertinência de manutenção de graduações com baixa procura e alta evasão". A maioria da duplicidade é em licenciatura - área na qual a instituição mais se destaca entre as universidades paulistas, com a oferta de 48 opções, ante 26 na USP e 21 na Unicamp.

O documento explica que a taxa média de evasão da Unesp é de 6,9%, mas em algumas graduações, especialmente as de licenciatura, pode chegar a até 41,1% - é o caso de Física, em Presidente Prudente, cursada por Bárbara Santanna, de 19 anos. Ela conta que é no primeiro ano que ocorre o maior abandono. "Minha turma começou com 28 alunos e hoje estamos entre 12 e 14", contou. A licenciatura em Física é ofertada em seis câmpus.

Valentini garantiu que não haverá diminuição do número total de vagas oferecidas pela Unesp. Caso haja a extinção de algum curso, outra graduação terá a oferta ampliada.

Outra proposta é a de que os estudantes possam ingressar nas licenciaturas em áreas do conhecimento, possibilitando a formação em mais de uma habilitação. Por exemplo: o aluno ingressaria em Ciências Exatas e poderia se formar em Química, Física e/ou Matemática. A proposta também prevê aprimorar o oferecimento de disciplinas compartilhadas por mais de um curso - por meio de turmas agrupadas - e o uso de tecnologias virtuais para aulas em câmpus diferentes.

Outra mudança é a possível eliminação ou reestruturação do vestibular de inverno, por causa do alto custo e baixa oferta de vagas (cerca de 5% das 7,3 mil ofertadas anualmente).

Críticas

As medidas preocuparam os sindicatos dos servidores e de professores da universidade, que temem uma piora da qualidade da pesquisa e do ensino. "Nossa preocupação é com a qualidade do trabalho que é feito. Já temos um déficit enorme de professores, essas aulas a distância e o agrupamento de turmas podem solucionar parte do problema, mas como ficam as atividades de pesquisa e extensão?", indaga João da Costa Júnior, presidente da Associação de Docentes (Adunesp).

A proposta da reitoria também quer reduzir o número de departamentos acadêmicos e de centros administrativos das unidades. Estes últimos passariam de 37 para 12, com redução de custos operacionais.

O documento também prevê que a universidade tenha um teto para o gasto com os funcionários, que será de 85%. Para Costa Júnior, as mudanças indicam que a instituição não tem interesse em contratar docentes e servidores técnico-administrativos, cada vez mais em falta nas unidades, e quer manter o arrocho salarial dos últimos anos. "Nós estamos sem reajuste desde 2015. USP e Unicamp deram reajustes pequenos nesses anos, mas nós não recebemos nada. Isso faz com que muitos professores peçam exoneração, a Unesp está se tornando menos atrativa". A reitoria também anunciou que pelo segundo ano consecutivo não tem recurso para pagar o 13º salário.

Das três universidades estaduais, a Unesp foi a que teve maior expansão dos últimos anos, passando de 13 para 24 câmpus em São Paulo. Apenas nos últimos 12 anos, teve um aumento de 25% no número de alunos matriculados na graduação, enquanto o de professores cresceu apenas 1%. "A expansão foi muito exagerada e não foi acompanhada de recursos", disse Valentini.

Crise

O déficit previsto pela Unesp para esse ano é quase o dobro de dois anos atrás, quando foi de R$ 170 milhões. Também é maior do que o previsto por USP e Unicamp, que sofrem com a mesma crise orçamentária, já que as três têm como principal fonte de receita a cota fixa de 9,57% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual. Os reitores das três instituições pedem há anos que o governo paulista aumente a cota fixa e também altere o pagamento das aposentadorias.

As três instituições têm como principal problema a folha de pagamento dos servidores, que consome há anos mais de 90% do recurso estadual. De R$ 1,75 bilhão que a Unesp já recebeu do Estado neste ano até setembro, 91,4% foram gastos com o salário de professores e funcionários. Um terço da folha de pagamentos é destinado aos inativos - que atualmente são 2,1 mil professores e 4,7 mil servidores aposentados. As duas categorias consomem R$ 900 milhões ao ano, mas apenas R$ 220 milhões vêm de contribuições de funcionários que estão na ativa.

Em nota oficial, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação informou que, concluídas as restrições previstas pela legislação eleitoral, vai auxiliar a Unesp e outras instituições de ensino. No entanto, não detalhou que tipo de auxílio pretende oferecer. Também disse que as universidades têm "autonomia administrativa e financeira, cabendo às instituições a gestão dos recursos". / COLABOROU RENE MOREIRA, ESPECIAL PARA O ESTADO

Estadão
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