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Debate: Políticos devem ter foro privilegiado? Leia e opine

Juristas debatem sobre pós e contras do chamado foro por prerrogativa de função

10 set 2019 - 10h40
(atualizado às 12h24)
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No momento em que a Câmara dos Deputados articula a volta do foro especial por prerrogativa de função para políticos, parlamentares preparam uma mudança na proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz o foro privilegiado no País ao presidente da República, vice, presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo, conforme mostrou o Estado nesta terça, 10, seria impedir que juízes de primeira instância determinem medidas contra políticos, tais como a prisão, a quebra de sigilos bancário e telefônico, além de busca e apreensão.

Em 2017, o texto foi aprovado pelo Senado como uma retaliação à Corte, que, na época, começava a discutir a restrição do foro privilegiado apenas para parlamentares. Na prática, o foro determina que ocupantes de determinados cargos não sejam julgados na primeira instância, como qualquer cidadão, e sim por tribunais superiores. O objetivo seria proteger os cargos, e não as pessoas que o ocupam, já que nesses haveria menos vulnerabilidade de pressões externas e mais independência.

Qual a sua opinião? Vote na enquete:

Para o professor Carlos Gonçalves, da PUC-SP, a sensação de impunidade está relacionada menos ao foro e mais às decisões dos tribunais. "Ao se deslocar a competência para uma autoridade judicial superior, garante-se mais conforto, independência e eficiência no julgamento, imunizando o julgador de uma indevida influência política do réu ou do grupo político ao qual pertence."

Já para Mamede Said, coordenador da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, o foro deveria ser banido, pois tem sido usado como "sinônimo de impunidade". "O número de condenações envolvendo os agentes públicos protegidos pelo foro privilegiado é muito diminuto", avalia.

O Estado ouviu os dois juristas para responderem: políticos devem ter foro privilegiado? Veja suas considerações e opine na enquete.

Sim

Carlos Gonçalves Junior, professor de Direito Constitucional da PUC/SP e advogado

A expressão "foro privilegiado" induz a uma compreensão equivocada do instituto, dado que o deslocamento de foro à autoridade judicial superior "por prerrogativa de função" não se configura exatamente como um benefício ao agente político a quem se destina.

Trata-se de uma instituição de proteção do Estado Democrático, usado na grande maioria das democracias, que procura garantir um julgamento justo daqueles que exercem funções públicas de destaque. Com esse expediente, a autoridade é julgada por órgão de semelhante patamar hierárquico.

Ora, imaginemos um juiz de vara comum, recém ingresso na carreira, ter que processar e julgar um senador do seu Estado, fortemente influente na política local e nacional. Ao se deslocar a competência para uma autoridade judicial superior, garante-se mais conforto, independência e eficiência no julgamento, imunizando o julgador de uma indevida influência política do réu ou do grupo político ao qual pertence.

Por outro lado, essa prerrogativa também visa a uma proteção ao livre exercício do cargo político em relação a eventual juízo local demasiadamente politizado. Ou seja, trata-se de uma proteção de dupla via: que o julgado não irá influenciar o julgador; bem como, que o julgador não vá interferir no exercício do poder do julgado em razão de conveniências políticas.

Ademais, o deslocamento da jurisdição para as instâncias superiores, implica na restrição das oportunidades de defesa, dado que se diminuem as instâncias, e, consequentemente, possibilita chegar-se mais rapidamente a uma eventual condenação. Portanto, não pode ser reconhecido como um efetivo "privilégio".

A discordância que gera a sensação de impunidade não está relacionada ao deslocamento do foro, mas ao mérito das decisões proferidas pelos tribunais de cúpula.

Não

Mamede Said, coordenador da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB)

O foro especial por prerrogativa de função, da forma como existe na atualidade, deveria ser banido em nome da democracia e da República. Ele tem sido usado como sinônimo de impunidade, pois o número de condenações envolvendo os agentes públicos protegidos pelo foro privilegiado é muito diminuto. O STF e demais instâncias superiores não são vocacionados para promover atos instrucionais próprios dos inquéritos e ações penais. O resultado é que não têm sido capazes de julgar com celeridade os processos que envolvem tais agentes, o que gera prescrição e impunidade.

Não há, nas democracias mais avançadas, o foro privilegiado com a extensão que existe na realidade brasileira. Em países nos quais ele está instituído (pois há países nos quais ele sequer existe), o rol de autoridades abarcadas pela prerrogativa de foro é muito reduzido, enquanto no Brasil ele alcança milhares de parlamentares, membros do Executivo, de tribunais superiores e de outras instâncias judiciais, ministros, governadores, conselheiros de tribunais de contas etc.

É importante que o STF tenha reduzido o alcance do foro por prerrogativa de função, fazendo com que, no caso de parlamentares, ele se aplique somente aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo, e não a todo e qualquer crime. De igual maneira, a decisão de que, após concluída a instrução processual, com a intimação para a apresentação das razões finais, a competência do STF não seja afetada se o parlamentar deixar o cargo, numa tentativa de escapar de uma condenação iminente.

Essas medidas contribuem, certamente, para aprimorar o instituto, reduzindo as disfunções existentes e fazendo com que as hipóteses de foro privilegiado sejam interpretadas restritivamente. Entretanto, a questão deve ser enfrentada de modo mais enfático, promovendo-se uma redução drástica no número de autoridades alcançadas por ele, de forma a que seja reservado a um número mínimo de agentes, como os titulares dos Poderes de Estado. / Colaborou Renato Onofre

Estadão
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