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Coronavírus

Prazo para retomada é jogar na loteria, diz executivo

Para Fábio Coelho, presidente do Google, período é de se reinventar e ajudar empresas a fazer o mesmo

30 abr 2020 - 05h11
(atualizado às 07h35)
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Líder do Google no Brasil há nove anos, Fábio Coelho já teve de se reinventar várias vezes no cargo. "No começo, as pessoas tinham computador de mesa, hoje a conexão é pelo celular e falamos de inteligência artificial", exemplifica ele, que está há sete semanas trabalhando de casa por conta do coronavírus, bem como os 3 mil funcionários da gigante de buscas no Brasil.

Fábio Coelho, presidente da Google do Brasil
Fábio Coelho, presidente da Google do Brasil
Foto: Tiago Queiroz / Estadão

Direto do home office, ele busca usar sua própria experiência para ajudar os parceiros do Google - de pequenos comerciantes às maiores empresas do País - para também se adequarem aos novos tempos de isolamento social. Para ele, companhias que ainda não realizaram sua transformação digital terão de fazê-lo agora - e precisam ter em mente que o mundo digital "não é só mais um canal".

"Será preciso repensar lojas e escritórios. O mundo físico vai ser um espaço de experiências, mas as atividades vão precisar acontecer em qualquer lugar", diz Coelho, em entrevista exclusiva ao Estado. Para o executivo, que vê com preocupação o momento de instabilidade político-econômica no País, o papel do Google é "ajudar com dados e informações".

Ele cita como exemplos os esforços da empresa junto a autoridades para informar a população corretamente sobre o coronavírus, bem como o Relatório de Mobilidade Comunitária, que mede o respeito ao isolamento social e pode servir de base a políticas públicas. O executivo crê que no futuro será possível retornar aos escritórios, mas não sabe quando. "Quem tiver prazo para a retomada está jogando na loteria", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. está há sete semanas comandando 3 mil pessoas de casa. Como foi esse processo?

O Google já tinha vivido aprendizados com o coronavírus na Coreia e em outros países. Tivemos que adequar esses protocolos à realidade do Brasil. Estamos 100% à distância. Não quero diminuir o desafio de quem tem operação física. Para nós, foi mais fácil do que eu esperava - somos uma empresa de tecnologia e temos plataformas que permitem o trabalho remoto. Meu papel como líder foi garantir que as pessoas estavam seguras. A quarentena é bem diferente para quem é solteiro ou tem filho pequeno, são condições diferentes e não se pode julgar. Mas a gente sabia que ela ia acontecer, assim como a gente sabe que vai voltar para o escritório, mas não sabe quando.

Muitas empresas estão enxugando orçamentos frente à crise, e gastos com marketing e publicidade entram nesses cortes. O Google está sentindo impacto aqui no Brasil?

Nós percebemos sim uma pequena mudança, mas também temos sinais que apontam para a normalidade daqui a pouco. Nosso trabalho aqui, mais do que só ter anúncios, é ajudar os clientes com estratégias. Temos plataformas ricas em dados, que mostram a variação de comportamento dos consumidores, e isso é relevante para os parceiros. Não podemos ser refratários à realidade deles: buscamos criar oportunidades sem sermos oportunistas.

O sr. falou que sabe que vai retornar ao escritório. Há algum prazo para isso?

Não. Quem disser que tem prazo para a retomada está jogando na loteria. Mas acredito que há um processo em que será possível retomar a atividade econômica, com segurança e saúde. Para isso ocorrer, quanto mais pudermos respeitar os princípios da quarentena, como sociedade responsável, melhor estaremos. Pode demorar alguns meses para que haja uma retomada, pode ser um retorno gradual. Nossa parte é ajudar com dados, com informação. Com as nossas plataformas, conseguimos entender as mudanças de consumo, de interação social, de impacto econômico. A pirâmide de Maslow, das necessidades básicas, nessa hora, vai ter mudanças. Parece um século, mas são algumas semanas, né? Como vai ser o novo normal? Ninguém sabe. Acredito que o papel de escritórios e escolas vai mudar - mas é preciso entender realidades diferentes. É diferente estudar numa escola privada e ter internet em casa ou numa pública e mal ter conectividade. Talvez isso reforce a necessidade de todos terem acesso de boa qualidade no futuro.

Como o Fábio Coelho, pessoa física, chega nesse futuro?

Estou há nove anos no Google e precisei me reinventar várias vezes. O Google de hoje é diferente do de 2011 ou de 2015. Esse conceito de ter que se reinventar e reaprender não vai mudar. Hoje, consigo passar mais tempo com a família, economizo tempo no trânsito, percebi que fico mais focado fazendo videoconferências. Ao mesmo tempo, há aspectos delicados, como a perda de parentes, amigos, o afastamento social. Não vejo meus pais há três meses. Estou aprendendo a valorizar as interações pessoais, físicas, e acho que isso vale para todos. Será preciso repensar lojas e escritórios. O mundo físico vai ser um espaço de experiências, mas as atividades vão precisar poder ser realizadas em qualquer lugar. Fala-se muito no varejo "omnichannel", em vários canais. As empresas vão precisar ser assim também. Serão mundos complementares.

Que conselho você dá para quem tiver de fazer uma transformação digital a fórceps, neste momento?

É algo que não pode ser cosmético. É preciso pensar em dados e canais e ter comando centralizado, aval do presidente ou executiva líder. O digital deixou de ser um canal. Agora, o digital é a companhia. Tem quem fale que, nesse período, o e-commerce saiu de 10% para 20% da receita da empresa. Ora, 20% não sustenta uma empresa. O digital precisa estar no centro, com foco em dados. Eles servem para alimentar estratégias de relacionamento com os clientes. Quem não fizer essa transformação não vai ser competitivo para estar presente no mercado no futuro, infelizmente.

Vivemos um momento político e econômico grave no Brasil. Como o Google vê isso?

O papel do Google é ajudar o Brasil e os brasileiros, estamos inseridos no tecido social do País. Observamos o estado da situação brasileira com preocupação, porque a preocupação vem da instabilidade. Quanto maior a instabilidade, mais ela se apresenta como elemento numa crise como a da covid-19, que por definição, já é bastante séria. Nosso foco é trabalhar no que podemos ter impacto. Não nos envolvemos em política, mas em políticas públicas que podem ajudar o cidadão. Ajudamos o governo a colocar o aplicativo do Auxílio Emergencial disponível para as pessoas, o Ministério de Saúde a trazer informações para as pessoas. É fazer o que sabemos, com plataforma, dados e auxílio ao ecossistema, com recursos para as pequenas empresas, para o jornalismo, doações para a saúde. O momento é difícil e vai passar, mas o brasileiro tem uma capacidade de se adaptar que é admirável. Temos que ajudar 210 milhões a se reinventarem, ficarem seguros e a se reciclarem. Acredito que vamos sair dessa crise melhores e mais solidários.

O Google lançou um relatório sobre a movimentação das pessoas nas cidades nesse período de isolamento social. O que você tem a dizer sobre ele?

A gente olha esse momento com preocupação. Esperamos que as autoridades possam usar esses estudos para orientar a população. Se nota que há um pequeno relaxamento da quarentena, é uma questão. Acho que, tão importante quanto as pessoas ficarem em casa, é elas respeitarem o distanciamento quando precisarem sair de casa, escolhendo horários e tomando as devidas precauções. Precisamos insistir nesses pilares.

Discute-se um adiamento da Lei Geral de Proteção de Dados, uma lei que pode mudar bastante o cenário digital. Qual é a posição do Google sobre isso?

Para a lei entrar em prática, é preciso ter a agência (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). É ela que vai trazer regras que sejam justas e claras para todos, que haja segurança jurídica. Este é um tema importante: se houver um adiamento, faz parte desse momento. Sempre é tempo de pensar na lei de dados, mas faz sentido promover um adiamento desses, até porque permite que esse assunto volte à tona, com mais foco. Além disso, é preciso pensar nas pequenas e médias empresas, que estão buscando sua sobrevivência, focando no caixa.

Estadão
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