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Coronavírus

Ômicron: início do fim ou porta aberta para novos riscos?

Para alguns cientistas, a imunidade provocada pela nova variante deve garantir que o vírus seja controlado. Outros, porém, pedem cautela

8 jan 2022 - 05h10
(atualizado às 08h14)
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Mulher caminha em Córdoba durante pandemia de covid-19 na Argentina
REUTERS/Agustin Marcarian
Mulher caminha em Córdoba durante pandemia de covid-19 na Argentina REUTERS/Agustin Marcarian
Foto: Reuters

A disseminação acelerada da nova variante do Sars-CoV-2 por todo o mundo preocupa autoridades sanitárias, mas também pode indicar que a pandemia de covid-19 estaria próxima do fim. Embora seja muito mais transmissível do que as anteriores, a Ômicron tem se revelado muito menos virulenta. Para alguns especialistas, a imunidade contra o vírus será cada vez mais disseminada, apontando para o fim da crise sanitária. Mas outros pesquisadores preferem a cautela e alertam para o perigo de afrouxar as medidas anticovid.

Cientistas como Margareth Dalcolmo, da Fiocruz; Amilcar Tanuri, da UFRJ; e Gonzalo Vecina, da USP, são cautelosamente otimistas ao defender essa hipótese, baseados no comportamento de epidemias do passado e na própria virologia. Outros especialistas dizem que, embora o raciocínio dos colegas esteja correto, ainda é cedo para falar em fim da pandemia, sobretudo em se tratando de um vírus tão afeito a mutações. Em alguns pontos, no entanto, todos concordam. A vacinação continua sendo a principal arma contra a doença, ao lado do uso de máscaras e do distanciamento.

"Pandemias acabam, não há um ciclo infinito de novas variantes. Até a gripe espanhola acabou, sem vacina nem tratamento", explica a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz. "Posso dizer com certeza que não vai aparecer uma nova variante de preocupação mais grave? Não. Mas a probabilidade é pequena. O comportamento das viroses agudas de transmissão respiratória é ter cepas menos letais, mais transmissíveis, que vão imunizando todo mundo."

Coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, Amilcar Tanuri concorda com a colega. Do ponto de vista do vírus, a Ômicron representa o ideal evolutivo. A variante se propaga muito rapidamente e não mata o hospedeiro. Isso a ajuda a se disseminar ainda mais. Vírus muito agressivos, que matam praticamente toda pessoa infectada, não sobrevivem por muito tempo. Seguindo esse raciocínio, a nova variante pode ser a última do Sars-CoV-2 e acabar se tornando endêmica.

"Tudo nos leva a crer que o vírus chegou a um ponto da sua escalada evolutiva em que atingiu a 'perfeição'", afirmou Gonzalo Vecina, professor da USP, ex-diretor da Anvisa. "E o que é a 'perfeição' para um vírus? É manter o hospedeiro vivo. Para se reproduzir, ele precisa de um hospedeiro. Isso é o máximo que um vírus pode sonhar em termos de evolução."

A ideia é compartilhada também por especialistas estrangeiros. "Acho que essa variante é o primeiro passo em um processo por meio do qual o vírus se adapta à população, gerando sintomas mais benignos", afirmou Julian Tang, professor de Ciências Respiratórias da Universidade de Leicester, no Reino Unido, em entrevista ao The Guardian. "É vantajoso para o vírus infectar pessoas que não ficam muito doentes porque, dessa forma, elas podem sair por ai espalhando o vírus ainda mais."

Para esses cientistas, a covid-19 continuará aparecendo sazonalmente, como a gripe. Possivelmente será necessário vacinar anualmente a população ou, pelo menos, os mais vulneráveis.

A Ômicron foi descoberta há um mês na África do Sul e já é a variante dominante. Inicialmente, gerou grande preocupação pelo número excessivo de mutações apresentadas, a maioria na proteína Spike, que causa a invasão das células. Estudos mostraram que as mutações facilitavam a infecção não só das pessoas ainda não imunizadas, mas também daquelas já vacinadas.

Logo ficou claro que a variante causava episódios bem menos graves de covid-19. Um estudo da Universidade de Cape Town, na África do Sul, revelou que pacientes hospitalizados nesta quarta onda da pandemia eram 73% menos passíveis de desenvolver uma doença grave do que aqueles admitidos durante a terceira onda, da Delta.

Vários fatores contribuem para que a Ômicron seja menos agressiva

A capacidade do vírus de infectar os pulmões é menor do que as variantes anteriores. A infecção pelo Sars-CoV-2 tipicamente começa no nariz ou na boca e se espalha garganta abaixo. Uma infecção leve fica restrita ao trato respiratório superior, mas quando o vírus alcança os pulmões surgem os casos mais graves.

Diferentes estudos divulgados na semana passada mostram que a nova variante não chega aos pulmões tão facilmente quanto as anteriores em razão das mutações. Entretanto, também por causa delas, a Ômicron é mais transmissível. O vírus se espalha mais facilmente quando se replica no trato respiratório superior.

Além disso, embora tenha ganhado mais capacidade de infecção, a nova variante tende a não resistir à segunda linha de defesa do organismo, formada pelas células T, que atacam os vírus que conseguem driblar os anticorpos e entrar nas células. Ou seja, as pessoas vacinadas ou que estiveram doentes há menos de seis meses, podem até ser infectadas, mas seus sistemas imunológicos acabam por destruir o invasor.

Outro estudo, de Hong Kong, publicado em pre-print na semana passada, revelou que as pessoas vacinadas que se contaminaram com a ômicron geraram também respostas imunológicas mais fortes contra outras variantes do vírus. É um novo indício de que a nova variante pode ser o prenúncio do fim da pandemia.

Momento pede cautela

A epidemiologista brasileira Denise Garrett, do Instituto Sabin, porém, pede cautela. "Vários colegas estão dizendo que a Ômicron é o fim da pandemia porque muitos terão imunidade", escreveu em uma rede social. "Isso é especulação, não temos dados. Com muitos infectados, a única afirmação que podemos fazer é que serão muitos lidando com as consequências. Sem falar que provavelmente teremos novas variantes."

O virologista Fernando Spilki, da Feevale, concorda. "Eu acho que temos de ter certa cautela em relação a essa mensagem, de que agora estamos vendo tudo se resolver, porque dá margem a um discurso de suspender o controle", afirmou. "Acho que temos de tomar cuidado com essas predições muito pessimistas e também com as muito otimistas, porque podemos ter ainda outras ondas."

Com o número de casos aumentando exponencialmente, porém, o número de hospitalizações e mortes tende a aumentar - ainda que mais vagarosamente. Além disso, embora as UTIs não estejam cheias, o impacto sobre as emergências já é grande, bem como o desfalque de profissionais de saúde que adoecem. "A Ômicron já chegou, é incrivelmente transmissível e vai explodir nas próximas semanas", constatou o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz. "Embora nossa população esteja em grande parte vacinada e a virulência da variante seja menor, a resiliência do nosso sistema de saúde é baixa, sobretudo diante de duas pandemias combinadas, de covid-19 e influenza (H3N2), como está acontecendo em vários lugares do País. Já estão faltando testes de diagnóstico e as filas de atendimento são enormes."

Outro problema, segundo Bozza, é o fato de as crianças de 5 a 11 anos não estarem ainda imunizadas, o que pode aumentar o número de casos entre elas. "Do ponto de vista do que fazer, temos de garantir que os idosos recebam a dose de reforço, o que já está acontecendo, e acelerar a vacinação das crianças, que já deveria ter começado", disse. "Já há relatos de outros países segundo os quais a variante apresenta maior atividade entre as crianças."

Estadão
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