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Coronavírus

Governo estuda pedir suspensão de liminar em MP do emprego

Decisão de Lewandowski submeteu aos sindicatos as negociações individuais de trabalhadores e empresas para reduzir jornada

7 abr 2020 - 13h31
(atualizado às 13h50)
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O governo avalia alternativas para tentar reverter a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que submeteu aos sindicatos as negociações individuais de trabalhadores e empresas para reduzir jornada ou suspender contrato durante a crise do novo coronavírus.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, uma opção que está sendo cogitada pelo governo é enviar à Corte um pedido de suspensão de liminar, o que anteciparia uma decisão que hoje está prevista apenas para fim de abril no julgamento do plenário virtual.

Esse tipo de processo vai automaticamente para apreciação do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, ao contrário de outras ações, que são distribuídas por sorteio entre os magistrados da Corte. Na prática, Toffoli teria o poder de, numa canetada, anular a decisão de Lewandowski e auxiliar o governo. Por outro lado, a solução está sendo pensada com cautela porque uma medida desse tipo pode gerar intenso desgaste entre os ministros.

A área econômica, porém, está confiante na construção de uma saída. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o governo consultou Toffoli informalmente antes da edição da Medida Provisória que permite a negociação individual para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato. Uma fonte da área econômica relatou que o presidente do STF sinalizou que, sendo uma medida temporária e com garantias aos trabalhadores, não haveria razão para o governo se preocupar com a validade do programa.

O presidente do STF é considerado um ministro mais alinhado aos interesses da equipe econômica do governo, enquanto Lewandowski é visto como um ministro que costuma proferir decisões "corporativistas" em prol de servidores e, nesse caso, sindicatos.

O governo desenhou a iniciativa prevendo que as empresas podem negociar diretamente com trabalhadores redução de jornada e salário ou suspensão de contratos. Nesses casos, a União pagará uma compensação que pode ser de até 100% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido.

Os trabalhadores que podem, segundo a MP, fazer a negociação individual são aqueles com remuneração até R$ 3.135 ou com ensino superior e salário maior que R$ 12.202,12. Os sindicatos seriam avisados num prazo de até 10 dias, para poderem agir em caso de abusos, mas aplicação do acordo em si não dependeria de qualquer aval de terceiros - uma simplificação agora contornada pela decisão do ministro do STF, que prevê a necessidade de manifestação prévia dos sindicatos.

A avaliação na equipe econômica é de que a derrubada da liminar é urgente para evitar demissões. Vários setores já alertaram o governo que, diante da insegurança jurídica criada pela decisão de Lewandowski, preferem demitir a esperar um aval do sindicato às negociações. Pela liminar, as empresas precisam esperar até oito dias antes de implementar os acordos - esse é o tempo que o sindicato terá para dizer se aceita ou não, ou ainda se prefere deflagrar negociação coletiva. Sem manifestação, as companhias poderiam aplicar o acordo após o fim do prazo.

A ação foi pautada no plenário virtual do STF para começar em 24 de abril e pode se estender até 30 de abril, mas a avaliação no governo é de que não é possível esperar até lá. A insegurança jurídica pode colocar em risco milhões de empregos, na avaliação da equipe econômica.

Sem o programa, o governo estimava 12 milhões de demissões devido à crise do novo coronavírus. Com a MP, a estimativa passou a ser 8,5 milhões de empregos preservados e 3,2 milhões de dispensas - uma balança que poderia se inverter caso a decisão de Lewandowski permaneça de pé.

Em pouco tempo de implementação da MP, o governo registrou quase 8 mil acordos individuais para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato. É um número oito vezes maior que as mil negociações conduzidas por sindicatos no mês de fevereiro.

A avaliação é de que a decisão de Lewandowski "engessa tudo". Mesmo que o sindicato não consiga analisar todos os acordos, a espera de oito dias pode inviabilizar o caixa das empresas. Para uma fonte da área econômica, a liminar retira toda a agilidade pensada pelo governo na formulação da Medida Provisória, que tem vigência imediata mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias.

Além disso, há o temor no governo de que os sindicatos usem a decisão como uma espécie de "pedágio" para voltar a cobrar contribuições dos trabalhadores em troca do aval ao acordo. Nesse cenário, as empresas poderiam antecipar as demissões, com risco de atrasarem o pagamento de verbas rescisórias se não tiverem caixa para fazer os pagamentos. "Estamos buscando desarmar uma bomba de judicialização no futuro", diz uma fonte da área econômica.

A ação da Rede Sustentabilidade questionou a medida do governo uma vez que a Constituição prevê apenas a realização de acordos coletivos entre empregadores e empregados. O governo, por sua vez, entende que não há redução de salário-hora, e que a lei já permite aos empregadores ajustar a jornada - o corte no salário cheio seria decorrência dessa redução das horas trabalhadas.

Até hoje, Toffoli já derrubou sozinho liminares concedidas por Marco Aurélio (restaurou a prisão após segunda segunda instância e a validade de um decreto que facilita o plano de desinvestimentos da Petrobrás) e do próprio Lewandowski (ao manter o veto a entrevistas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral do ano retrasado).

Uma eventual decisão do presidente do STF de derrubar mais essa liminar livraria o governo de esperar até o fim de abril por uma decisão do plenário virtual. Essa é uma ferramenta que permite realizar julgamentos sem a presença física dos ministros da Corte - e longe dos holofotes da TV Justiça. No ambiente virtual, não há espaço para as discussões acaloradas que muitas vezes tomam conta do plenário físico - cada ministro apenas registra o seu voto com um clique. As sessões virtuais duram uma semana e se tornaram mais frequentes durante a presidência de Toffoli em um esforço para desafogar a Corte.

Estadão
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