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Coronavírus

Cientista da USP cria máquina que tira oxigênio da água

Respirador artificial autônomo poderia suprir uma das lacunas existentes hoje no enfrentamento da pandemia de coronavírus no Brasil

30 mar 2021 - 05h10
(atualizado às 07h37)
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Um respirador artificial autônomo, de cerca de 80 cm x 40 cm e um metro de altura, pode suprir uma das lacunas existentes hoje no enfrentamento da pandemia de coronavírus no Brasil: o abastecimento de oxigênio a pacientes de covid-19 em comunidades isoladas do País. A máquina, cujo projeto já foi aprovado na Fapesp, está em desenvolvimento nos laboratórios do Instituto de Química de São Carlos, da USP, pela equipe do professor Germano Tremiliosi Filho, do Departamento de Físico-Química.

"Ligando o aparelho na tomada, você vai respirar com o oxigênio que o equipamento produzir. É importante a gente desenvolver alternativas", afirma Tremiliosi em entrevista ao Estadão. "Você só abastecerá a máquina com água. Essa água será transformada em oxigênio. A água sofrerá uma eletrólise, vai se dividir em oxigênio e hidrogênio. O oxigênio vai ser purificado no sistema. Por eletrólise, o oxigênio é bem puro, não tem (elementos) particulados."

Instituto de Química de São Carlos, da USP.
Instituto de Química de São Carlos, da USP.
Foto: IQSC/USP/Divulgação / Estadão

Para ser produzida em escala industrial, no entanto, essa máquina autônoma deve ser submetida a etapas burocráticas empresariais que levam de 6 a 8 meses. "Precisamos abrir uma empresa", afira o inventor. O resto está pronto: "Funciona. Os eletrodos são diferenciados, operam em conjunto com a membrana polimérica transportadora de íons, o sistema é sofisticado, com uma tecnologia avançada".

Facilidade de abastecimento em comunidades isoladas

O novo equipamento poderia auxiliar no suprimento de oxigênio em comunidades isoladas durante a crise da covid-19. Uma das dificuldades de logística no transporte ocorre porque os cilindros com o insumo são muito pesados - as paredes de aço são muito espessas para conter a pressão do gás. "É como um balão. Se você inflar exageradamente um balão de festas, que tem só uma membrana elástica fina, ele explode porque a pressão dentro é muito maior do que a externa", explica.

Tremiliosi diz que o oxigênio fornecido aos hospitais deve ter pureza mínima de 99,5%. Meio por cento é composto de outros gases, que não têm efeito nas pessoas. "É recomendado que esse oxigênio não tenha nenhuma matéria sólida, particulados", explica. O oxigênio industrial seria aceitável com pureza de até 95%. "Também é relativamente puro. Pode ter um pouco de articulados e outros gases, que normalmente são inofensivos. Existe a possibilidade da parte particulada se acumular no pulmão".

"Quando houve o agravamento de Manaus, eu via cilindros verdes, de oxigênio hospitalar, de alta pureza, junto com cilindros pretos, do oxigênio industrial, de 95% de pureza", conta. "Lá, a situação estava tão crítica que tiveram que usar mesmo o oxigênio industrial. E, apesar de ter algumas poucas impurezas, é também um oxigênio muito bom. Na emergência, usaram. Mas era uma emergência".

Oxigênio, para que te quero

Para o pneumologista Paulo Feitosa, da Comissão Científica de Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a ideia do respirador do professor Germano Tremiliosi Filho é ótima. "É um ventilador que faz as duas coisas ao mesmo tempo: além de produzir o oxigênio, ele ventila. É uma ótima ideia. Nesta situação, é de grande valia", diz o pneumologista.

Feitosa diz que a natureza oferece no ar 21% de oxigênio e 78% de nitrogênio, num total de 99%. O restante é de outros gases. "Quando você está produzindo oxigênio, significa filtrar, separar os dois gases. Então a gente espera que uma "bala" (cilindro) de oxigênio tenha 99%".

Quando vão ficando mais velhos, contudo, os aparelhos concentradores de oxigênio fornecem em torno de 95%, 94%, até 92% de oxigênio. "Mas isso é muito melhor do que os 21% da natureza, concorda?", questiona. Para o pneumologista, "o que é importante ter é a oximetria do paciente para ver se aquele oxigênio foi suficiente para que ele sature em faixa adequada. Se ele saturar acima de 90%, estará razoável, porque acima dos 90% a gente tem certeza de que os tecidos estão sendo oxigenados".

Se o paciente precisar de fluxo alto, o oxigênio hospitalar é necessários. "Quem precisa de fluxo alto precisa ser monitorados", afirma. Infectados pelo coronavírus precisam de acompanhamento detalhado nesse sentido: "Pode haver a necessidade de amanhã ele necessitar de um fluxo maior do que o de hoje".

Como funciona a máquina autônoma de oxigênio

Em material distribuído pelo Conselho Federal de Química, Tremiliosi Filho detalhou o processo de obtenção do oxigênio. Segundo ele, "a composição do ar é 78% nitrogênio, 21% oxigênio e uma mistura de vários outros gases, dentre eles o argônio. Para separar cada componente dessa mistura homogênea, o mais conveniente é fazer uma destilação fracionada. E para que o processo seja mais simples de ser feito, o ar deve estar em seu estado líquido".

O processo tem início abaixando a temperatura do ar em pelo menos a -200 graus Celsius. Depois, este ar líquido vai sendo aquecido lentamente. "Como o oxigênio, argônio e nitrogênio têm pontos de ebulição diferentes, eles vão sendo liberados em diferentes etapas durante o aquecimento. O primeiro a ser liberado é o nitrogênio, que ao atingir -196 graus Celsius entra em ebulição e passa para o estado gasoso. Este gás é separado dos outros componentes da mistura e tem diversas aplicações, inclusive industriais", explica o pesquisador. "Enquanto todo o nitrogênio não for liberado do ar, a temperatura permanece constante. Depois de o nitrogênio ser eliminado e a temperatura chegar a -186 graus Celsius, é a vez do argônio entrar em ebulição. Após a etapa de extração do argônio, o oxigênio, que tem a temperatura de ebulição em -183 graus Celsius, é obtido. Ainda restam alguns resíduos da destilação, que são eliminados posteriormente."

Estadão
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