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Limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C requer ação mais ampla e rápida

Novo relatório do IPCC mostra pela 1ª vez que um aumento de 2°C na temperatura média no planeta não é um limite seguro e reforça a importância de conter essa alta, mas diz que para isso é preciso zerar emissões de gases-estufa o quanto antes

7 out 2018 - 22h23
(atualizado em 9/10/2018 às 09h20)
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Ao se comprometerem a combater o aquecimento global, líderes de 195 países decidiram, no final de 2015, com o Acordo de Paris, agir para conter o aumento da temperatura média do planeta a menos de 2°C até 2100, com esforços para ficar em 1,5°C.

Diante do desafio, cientistas do mundo inteiro foram convidados a responder as seguintes perguntas: Ainda temos chance de cumprir essas metas? Quais seriam os impactos de um aquecimento de 1,5°C? E os impactos de um aquecimento de 2°C?

As respostas acabam de sair: ainda dá, mas não será fácil, pois requer mudanças de longo alcance e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade. Só que seria bom tentar, porque um mundo 2°C mais quente terá impactos bem piores que um mundo de 1,5°C. Resumidamente, é o que aponta o relatório especial divulgado na noite deste domingo, 7, (horário de Brasília) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

De acordo com o cientistas, estima-se que o mundo já esteja, em média, aproximadamente 1°C mais quente que antes da Revolução Industrial. E já sinta as consequências desse aquecimento, com a ocorrência de mais eventos extremos (como a onda de calor que se observou este ano no verão europeu e os incêndios nos Estados Unidos), o aumento do nível do mar e o derretimento do gelo do Ártico.

Até o momento não se tem feito muito para conter o aquecimento, e o cenário tende a piorar rapidamente. Se for mantido o ritmo atual de emissões de gases de efeito estufa, o 1,5°C já pode ser alcançado entre 2030 e 2052, alertam os pesquisadores no Sumário para Formuladores de Políticas, uma introdução não técnica do documento voltada para os governantes.

O relatório, lançado em Incheon (Coreia do Sul), já na manhã de segunda-feira, pelo fuso horário, inova ao mostrar, pela primeira vez, que esse meio grau vai fazer diferença e que, ao contrário do que se imaginava, os 2°C não são um limite seguro.

"É chocante como um aquecimento de 2°C é mais impactante do que o de 1,5°C. Assim como os cenários de baixa emissão não são todos iguais. Vai fazer diferença o momento em que as emissões começarem a cair e as estratégias adotadas", explica Roberto Schaeffer, do programa de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Ele atuou como editor revisor do capítulo 2 do relatório, que avaliou os caminhos de mitigação compatíveis com 1,5°C (veja quadro abaixo).

O documento especial, afirma a pesquisadora Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma das vice-presidentes do IPCC, "baixou a régua" dos riscos de impactos. "Vemos isso com as espécies ameaçadas ou com a chance de eventos extremos, por exemplo. Sabemos agora que é extremamente mais importante que se consiga limitar o aquecimento", diz.

Impactos

Ela se refere às estimativas de temperaturas extremas em terra, que devem subir mais do que a temperatura média global. Em um mundo com aquecimento médio de 1,5°C, os dias de extremo calor podem aquecer até 3°C a mais. Já num mundo aquecido em média em 2°C, os dias de extremos calor podem chegam a 4°C a mais. As temperaturas dos dias mais frios também sobem, aumentando 4,5°C no cenário mais brando; e 6°C no cenário mais quente. O número de dias quentes aumenta na maioria das regiões.

Quanto aos riscos à biodiversidade, o relatório analisou o que poderia ocorrer com 105 mil espécies estudadas. Num mundo 1,5°C mais quente na média, 6% dos insetos, 8% das plantas e 4% dos vertebrados perderiam mais da metade de sua faixa geográfica climaticamente determinada. Com 2°C, esse impacto pode atingir 18% dos insetos, 16% das plantas e 8% dos vertebrados.

Até 2100, o nível do mar pode se elevar 10 centímetros a mais no mundo de 2°C, em comparação com o mundo de 1,5°C. "Uma redução de 10 centímetros no nível do mar globalmente implicaria em deixar até 10 milhões de pessoas a menos expostas aos riscos relativos", alertam os cientistas no sumário.

O estudo compara ainda os impactos para o degelo do Ártico. Com 1,5° C de aquecimento global, estima-se que pode ocorrer um verão totalmente sem gelo por século. Esta probabilidade aumenta para pelo menos um por década com 2°C de aquecimento.

Sobre os corais, o relatório projeta um declínio de 70% a 90% com o menor aquecimento, podendo chegar a 99% com 2°C, com risco de perda irreversível de espécies marinhas e costeiras.

Pela primeira vez, o relatório também faz uma relação direta entre o combate às mudanças climáticas com a pobreza. "Limitar o aquecimento a 1,5°C, comparado com 2°C, tornaria mais fácil alcançar muitos aspectos do desenvolvimento sustentável, com grande potencial para erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades", alerta o sumário executivo. As populações vão ser desproporcionalmente afetadas, mas o risco aqui em 1,5°C é menor. Com 2°C, centenas de milhões de pessoas até 2050 podem estar suscetíveis à pobreza.

"O trabalho claramente aumenta a noção de urgência. Se, com 1°C, já temos aumento de eventos extremos, com 1,5°C pode piorar, mas com 2°C poderemos ter uma mudança perigosa", afirma o pesquisador José Marengo, do Inpe, que revisou o capítulo 3, sobre impactos.

Florestas ganham peso para zerar emissões de CO2

O novo relatório do IPCC traz diversos cenários de como pode se dar a mitigação (redução) das emissões de gases de efeito estufa para conter o aumento da temperatura. Ela vai variar dependendo do tempo que vai se levar para tomar as ações e o leque de medidas que forem tomadas. Mas, em geral, em todos os casos considera-se que será necessário adotar estratégias de remoção do gás carbônico da atmosfera. Em especial com florestas ou com bioenergia (como cana-de-açúcar) com captura e armazenamento de carbono.

Segundo o documento, as emissões globais líquidas de CO2 precisariam cair cerca de 45% em relação aos níveis de 2010 até 2030, atingindo o "zero líquido" por volta de 2050. Isso significa que quaisquer emissões remanescentes precisariam ser equilibradas pela remoção de CO2 da atmosfera.

"Apenas reduzindo as emissões de gases de efeito estufa vai ser bastante difícil segurar a temperatura em 1,5°C. Tem de ter formas de retirar o CO2 que já está na atmosfera. Uma das formas mais fáceis é com o plantio de florestas. Há outras tecnologias, mas ainda há muita incerteza sobre a larga escala", comenta Thelma Krug.

Estadão
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