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De CEO a líder indígena, pavilhão da sociedade civil lota e expõe Brasil diverso na COP

Local criado em Glasgow chamado 'Brazil Climate Action Hub' é um espaço livre de discursos de ódio

11 nov 2021 - 22h01
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GLASGOW - Existe um Brasil livre dos discursos de ódio. Ele fica na Escócia e faz fronteira com os Emirados Árabes. É o Brazil Climate Action Hub, o pavilhão da sociedade civil na COP-26 de Glasgow - o lugar onde o Greenpeace esbarra com o agronegócio, o influencer do Complexo do Alemão conversa com banqueiros, e empresários discutem com cientistas como melhorar suas práticas ambientais.

O Brasil tem dois pavilhões na COP, o "oficial" e este da sociedade civil, muito mais movimentado - e frequentemente lotado. Quem não consegue entrar acompanha as mesas de debates através das paredes envidraçadas. De tempos em tempos o corredor entope, e seguranças escoceses aparecem para liberar o caminho. Não raro, a agitação transborda para o estande vizinho, dos Emirados Árabes, transformado numa espécie de lounge dos brasileiros.

O pavilhão reflete a diversidade dos brasileiros que foram a Glasgow fora da delegação oficial. Trata-se do maior contingente de jovens, empresários, populações tradicionais, representantes do agronegócio e movimento negro que já participaram de uma conferência do clima. Já o pavilhão oficial só ficou cheio quando o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, fez anúncios na terça-feira.

"O Brazil Climate Hub acabou se tornando um grande ponto de encontro, e era mesmo essa a intenção", diz a economista Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade e uma das anfitriãs do movimentado estande. Num único dia, passaram por lá líderes empresariais, como Marcello Brito, da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG); especialistas em desmatamento, como Tasso Azevedo, da MapBiomas; e representantes do terceiro setor, como Ilona Szabó, do Instituto Igarapé.

Um assunto é recorrente no Brazil Climate Hub, assim como na COP: a Amazônia, preocupação mundial. O pavilhão lotou quando o fotógrafo Sebastião Salgado apareceu por lá, na terça-feira - três de suas imagens eloquentes da Amazônia estão numa parede do Brazil Climate Hub, ao lado de obras de fotógrafos locais. No mesmo dia, Ilona Szabó falou de sua pesquisa sobre crimes ambientais. "Iniciamos um levantamento abrangente sobre o assunto, lutando contra a escassez de dados disponíveis", diz Szabó.

"É muito importante que a Amazônia seja tema dos debates na campanha eleitoral do ano que vem, e iremos contribuir para isso", afirma Carol Pasquali, diretora do Greenpeace no Brasil e frequentadora dos debates no pavilhão. Executiva de prestígio no terceiro setor, Pasquali foi contratada recentemente, com a ajuda de um headhunter, com a missão de fazer com que as campanhas do Greenpeace repercutam além da tribo ativista.

Outro momento movimentado foi a noite em que o Brazil Climate Hub recebeu a visita da líder indígena Txai Suruí, a única brasileira a discursar na abertura do evento, em meio a vários chefes de Estado. Txai e Marcello Brito conversaram sobre os planos de lançar uma nova marca de chocolate com o cacau produzido pelos paiter-suruí. Brito esteve nas COPs de Paris e Madri. Esta é sua terceira Conferência do Clima.

Nunca houve tantos empresários numa COP. "Antes as companhias mandavam gerentes. Agora vêm os diretores e até CEOs", diz José Carlos da Fonseca, diretor executivo da Ibá, Indústria Brasileira de Árvores. Ele acompanha o circuito ambiental desde a Rio 92 - fez carreira na área no Itamaraty. Entre os empresários que passaram pelo pavilhão, estão também Marcos Molina, da Marfrig, e Guilherme Leal, da Natura.

O ministro do meio-ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, convidou para uma reunião cinco dos frequentadores do Brazil Climate Hub: Ana Toni, Marcello Brito, os pesquisadores André Guimarães e Márcio Astrini, e Marina Grossi, representante do setor privado. "Foi uma boa conversa. Vivemos uma era em que os investidores buscam a segurança de produtos rastreáveis, por isso são necessárias integridade e credibilidade internacional", diz Brito.

A presença crescente de CEOs e a integração entre políticos, ambientalistas e empresários - marcas registradas desta COP de Glasgow - refletem o espírito do tempo. Já há alguns anos a mudança climática deixou de ser assunto exclusivo de cientistas. O futuro com baixo carbono irá provocar uma reviravolta na economia. A próxima revolução industrial será verde e digital, nas palavras de Ursula Van Der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o que irá gerar imensas oportunidades para quem abraçar o novo mundo.

O diálogo constante entre os diversos atores também é uma tendência. Estudos de Adjil Najan, especialista em clima e relações internacionais que dá aulas no Massaschusetts Institute of Technology (MIT), mostram que os países onde há conversa constante entre sociedade e governos são aqueles que têm mais possibilidade de se desenvolver. O laço entre sociedade e governo infelizmente se rompeu no Brasil polarizado de Jair Bolsonaro - mas iniciativas como o Brazil Climate Action Hub mostram que sim, nós podemos conversar - e, a partir do diálogo, gerar boas ideias.

Estadão
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