'Salada anticâncer' recomendada em vídeo não trata tumores em estágio 4
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL É FUNDAMENTAL PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS, MAS POR SI SÓ NÃO É CAPAZ DE COMBATER DOENÇA
O que estão compartilhando: que uma "salada anticâncer" com rúcula e brócolis foi essencial para vencer um câncer cerebral em estágio quatro.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas consultados pelo Verifica explicam que a alimentação saudável é fundamental para pacientes oncológicos, mas a salada por si só não é capaz de combater tumores. A postagem analisada cita estudos que não são conclusivos quanto às propriedades "anticâncer" dos vegetais contidos na receita de salada.
Procurado, o autor do vídeo disse que reproduziu a recomendação de um médico americano. "Esta salada, ela é básica, mas extremamente útil para quem tem câncer. E não há contraindicação", afirmou.
Saiba mais: O vídeo foi publicado pelo médico José Nasser no Instagram. Ele ensina a receita de uma salada anticâncer composta por: rúcula, brotos de brócolis, brotos de alfafa, azeite extravirgem e sal marinho. Ele afirma que um paciente com câncer cerebral em estágio 4 - considerado o mais avançado da doença - se curou depois de comer a salada todos os dias por oito meses.
Procurado pelo Verifica, Nasser afirmou que a receita é recomendação de um médico americano, que fez estudos sobre os ingredientes da salada. O médico disse que a receita pode ajudar pacientes oncológicos.
Aloe vera não cura câncer, ao contrário do que diz postagem
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"O tratamento integrativo do câncer ajuda em todas as áreas o paciente buscar uma melhora de sua imunidade para se defender da doença. Não há nada milagroso nisto, apenas uma sugestão de cardápio", disse.
No entanto, a postagem analisada pelo Verifica não trata a salada apenas como "sugestão de cardápio".
"Essa salada não é só comida. É medicina", afirma a publicação no Instagram. "Não foi um acompanhamento. Foi uma decisão estratégica, todos os dias".
Recomendação é desconfiar de curas milagrosas e de relatos de casos sem detalhes
O médico nutrólogo e oncologista clínico Pedro Dal Bello, assistente da residência médica de Nutrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), alertou que é preciso ter cuidado com vídeos como o da "salada anticâncer" - que relatam curas milagrosas, mas não dão detalhes sobre como elas teriam acontecido.
O oncologista destaca que o vídeo apresenta o caso de um paciente, mas não fornece nenhum dado clínico verificável - como qual era o tipo específico de câncer enfrentado ou em qual revista científica foi publicado o relato de caso.
"Relatos de casos isolados, especialmente sem publicação científica formal, não servem para validar um tratamento oncológico", disse. "A ciência exige que um tratamento passe por diferentes fases de estudo: de bancada, em animais, em humanos, e depois por revisões independentes, antes de ser considerado eficaz".
A postagem enganosa afirma que a salada teria ajudado a combater um câncer em estágio 4. De acordo com o Instituto Oncoguia, esse é o último estágio de um câncer, e ocorre quando o tumor sofreu metástase - ou seja, se espalhou para outras partes do corpo. O Oncoguia afirma que geralmente a cura não é possível nesse estágio.
Para Pedro Dal Bello, apresentar uma salada como solução para esse tipo de tumor, sem fornecer qualquer detalhe sobre a cura, é uma distorção científica e uma promessa perigosa. O médico alerta que pacientes podem acabar se afastando de tratamentos baseados em evidências se acreditarem em postagens do tipo.
O oncologista recomenda que os pacientes e as famílias sempre desconfiem de curas milagrosas, protocolos secretos e histórias sem dados.
"Pacientes oncológicos estão em situação de extrema vulnerabilidade emocional e física e por isso são alvos frequentes de conteúdos sensacionalistas nas redes", comentou.
"É compreensível que, diante de um diagnóstico difícil, seja mais fácil acreditar em curas milagrosas do que encarar um tratamento desafiador. Mas é justamente nesses momentos que a escolha pela ciência faz toda a diferença", disse.
Alimentação é importante, mas não cura câncer sozinha
Hábitos saudáveis são importantes para pacientes com câncer, mas devem acompanhar um tratamento médico adequado para o tipo de tumor e para o estágio de câncer. Isso é o que dizem especialistas do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
A oncologista Andreia Melo, chefe da Divisão de Pesquisa Clínica e Desenvolvimento Tecnológico (Dipetec) do Inca, explica que uma dieta saudável não pode substituir nem ser o principal tratamento para um câncer agressivo. Dependendo do câncer, o paciente tem que passar por cirurgia, radioterapia ou tratamento sistêmico, ou pela combinação desses três pilares.
"Os pacientes com neoplasias devem conversar com seus oncologistas para entender qual o melhor tratamento possível para o seu diagnóstico e momento de doença. Todas as decisões de tratamento são baseadas em evidências científicas geradas por estudos clínicos", disse.
Segundo Andreia, não existe uma salada que cure tumores. E não há evidências conclusivas de que os ingredientes da "salada anticâncer" possam contribuir no tratamento de neoplasias.
"Uma dieta saudável sempre deve ser estimulada durante o tratamento oncológico. O suporte do profissional da área de nutrição é sempre indicado nesse contexto. Mas a dieta nunca vai substituir o tratamento contra a doença", afirmou.
A nutricionista Luciana Grucci Maya Moreira, chefe da Divisão de Pesquisa Populacional, Área Técnica de Alimentação, Nutrição, Atividade Física e Câncer do Inca, explica que pacientes oncológicos devem optar por uma alimentação saudável composta predominantemente por alimentos in natura e minimamente processados.
A recomendação é ingerir pelo menos cinco porções de frutas, legumes e verduras. Exemplos de alimentos saudáveis incluem feijões, cereais e castanhas.
"Essa prática contribui não só para o fortalecimento do sistema imunológico, como também é essencial para o controle do peso corporal", disse.
Estudos citados em postagem não são conclusivos quanto a propriedades 'anticâncer' de alimentos
A postagem cita três estudos que serviram de base para o vídeo. Dois deles falam sobre compostos encontrados em alimentos como brócolis, couve e agrião.
Um deles, intitulado "O sulforafano, um componente dietético do brócolis/brotos de brócolis, inibe as células-tronco do câncer de mama", analisa um composto natural encontrado no brócolis. O estudo, publicado em 2010, afirma que o sulforafano é um agente potencial contra as células-tronco do câncer de mama.
Os pesquisadores fizeram um ensaio com camundongos e usaram o componente para reduzir células-tronco do câncer de mama. O resultado foi a redução de 50% dos tumores cancerígenos nos animais. Mas, embora os resultados sejam promissores, o estudo não cita experiências ou resultados em humanos.
"Muitos dos estudos em camundongos e em laboratórios não se confirmam em humanos", alertou o oncologista Pedro dal Bello.
Outro estudo destacado na postagem enganosa chama-se "Glucosinolatos de vegetais crucíferos e sua função potencial em doenças crônicas: investigando as evidências pré-clínicas e clínicas". Os pesquisadores analisam vários estudos sobre compostos encontrados em vegetais da família do brócolis.
Os resultados são positivos, mas os próprios autores destacam que são necessários ensaios clínicos em humanos e em larga escala para definir melhor os benefícios desses vegetais. A maioria dos resultados mencionados pelo estudo vem de modelos animais.