Script = https://s1.trrsf.com/update-1765905308/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Manter pH alcalino, oxigenar o corpo e deixar de usar açúcar não impedem desenvolvimento de câncer

ESPECIALISTAS CONTRAINDICAM PLANOS ALIMENTARES RESTRITIVOS PARA PACIENTES ONCOLÓGICOS

20 nov 2025 - 13h30
Compartilhar
Exibir comentários

O que estão compartilhando: que há três maneiras de impedir que o câncer se desenvolva no organismo: manter o ambiente em pH alcalino, oxigenar o corpo e deixar de consumir açúcar.

Não há qualquer evidência para as práticas citadas no vídeo.
Não há qualquer evidência para as práticas citadas no vídeo.
Foto: Reprodução/Facebook / Estadão

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é falso. Especialistas do Instituto Nacional do Câncer (Inca), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e do Einstein Hospital Israelita afirmaram ao Verifica que não há qualquer evidência para as práticas citadas no vídeo. Algumas delas podem inclusive ser prejudiciais à saúde, como consumir bicarbonato de sódio para "alcalinizar" o corpo.

A reportagem procurou o autor da publicação, Diogo Deja, que tem inscrição provisória de nutricionista junto ao Conselho Regional de Nutrição 1ª Região. Ele não respondeu.

Saiba mais: o vídeo tem a seguinte inscrição na tela: "3 coisas que o câncer odeia". Logo no começo, o autor diz que casos de câncer explodiram no mundo "por causa das vacinas", em referência aos imunizantes contra a covid-19. Desde 2021, o Estadão Verifica mostrou diversas vezes que a associação entre vacinas e câncer é falsa (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

Em seguida, o homem cita três coisas que alega serem "odiadas" pelo câncer: "meio alcalino", que poderia ser alcançado pela ingestão de bicarbonato de sódio e tratamentos detox; oxigênio, que seria obtido com atividade física ou em câmara hiperbárica; e dieta livre de açúcar, que seria possível evitando carboidratos. Mas nenhuma delas tem comprovação científica.

Especialistas contraindicam dieta cetogênica para pacientes oncológicos

Um dos pontos mais críticos do vídeo, para os especialistas, é a indicação da dieta cetogênica para pacientes oncológicos. Esse plano alimentar restringe drasticamente o consumo de carboidratos, presentes no arroz, no feijão e na batata, por exemplo. A alegação do autor é de que os carboidratos viram açúcar no sangue e que esse seria o "alimento" do câncer.

O oncologista Gelcio Mendes, coordenador de assistência do Inca, explica que essa ideia parte do pressuposto de que as células tumorais consomem preferencialmente glicose, um tipo de açúcar. Contudo, não há comprovação científica de que diminuindo o açúcar no sangue haveria redução do risco de surgimento de tumor ou da agressividade de um já existente.

O especialista detalha que o organismo tem mecanismos poderosos de controlar o açúcar e nem todo carboidrato consumido é imediatamente transformado em glicose e absorvido. A maior parte é armazenada na forma de glicogênio no fígado e nos músculos.

"No momento em que a concentração da glicose começa a baixar no sangue, após a alimentação, o organismo passa a liberar quantidades pequenas dessa glicose estocada porque o nosso cérebro e o nosso coração praticamente só usam glicose", explicou.

Se em algum momento a substância chegar a um nível crítico, o organismo lança mão da gliconeogênese, que é a produção da glicose a partir da gordura.

"Ou seja, o nível sanguíneo da glicose é muito bem controlado pelos mecanismos internos do corpo, porque ele precisa de glicose", esclareceu Mendes.

O oncologista Oren Smaletz, do Einstein Hospital Israelita, observa que, se uma pessoa não consumir nenhuma fonte de glicose, o organismo vai produzi-la por outras vias.

"O cérebro precisa de glicose. É falso que não pode comer glicose", alertou.

Mendes ressalta que, além de não haver prova de que a dieta cetogênica possa agir contra o câncer, ainda é um protocolo difícil de ser seguido, caro e que pode ser prejudicial para a qualidade de vida.

"Ela limita alimentos que são as fontes mais comuns de energia", disse, acrescentando que, assim, o paciente perde massa muscular e se sente fraco. "Não tem nenhum bom motivo pra indicar e tem motivos para contraindicar".

Para Smaletz, um dos maiores riscos da dieta é o comprometimento da imunidade dos pacientes.

"A pessoa precisa de glicose para alimentar os linfócitos, que são as células de defesa", destacou. "Se você tira a glicose do corpo, você está tirando o combustível para as células importantes que vão precisar disso para vencer o câncer".

O professor de Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Roger Chammas, membro da Academia Brasileira de Ciências, diz que as células tumorais dependem de carboidratos para se desenvolverem. Mas não se pode defender que uma dieta livre deles seja uma intervenção segura e eficaz.

"É uma visão que distorce o fato científico, prometendo uma intervenção que não tem segurança e eficácia comprovada, e que pode levar a importantes desvios ou distúrbios para o paciente com câncer", afirmou.

Chammas destaca que o tratamento oncológico atual envolve equipes multiprofissionais que pensam todos os aspectos, inclusive o nutricional.

"O nutricionista vai fazer uma proposição específica para aquilo que deve ser consumido em cada fase da doença", explicou.

Tumor causa acidez e não o contrário

A ideia de que o câncer se desenvolve em um "ambiente ácido", como dito pelo autor do vídeo, é outra distorção de um conceito verdadeiro do metabolismo das células, segundo Chammas.

O metabolismo é o conjunto de reações químicas e físicas que ocorrem dentro das células para manter a vida. No processo de produção de energia, se houver pouco oxigênio ou alta demanda energética, as células podem produzir ácido láctico, que pode se apresentar na forma de lactato. São substâncias ácidas.

Chammas explica que as células normais produzem ácido láctico, mas as tumorais fazem isso em quantidade bem maior. Esse processo gera maior concentração de lactato em tumores que em outros tecidos. Dessa forma, o pH dentro do tumor tende a ser mais ácido que o do restante do corpo.

Mendes, do Inca, resume da seguinte forma: há relação entre a acidez e o câncer, mas não é a acidez que causa o tumor.

"Na verdade, é o tumor que cresce mais rápido do que o suprimento sanguíneo e com isso gera um ambiente menos oxigenado pelo sangue. É o caminho inverso. Não é que o ambiente ácido propicia o tumor, é que o tumor produz um ambiente ácido", disse.

Em teoria, segundo Chammas, controlar o pH de tumores poderia ser efetivo para controlar a proliferação celular no tumor. Mas, na prática, não se sabe como fazer isso e nem se, de fato, haveria resultado positivo.

"A gente consegue fazer no laboratório, em placas de Petri (recipiente usado para cultura de bactérias e outros microrganismos) e tem resultado", explicou. "Mas não reflete a complexidade do ser humano, que tem uma grande capacidade de tamponamento".

A capacidade de tamponamento é a habilidade do corpo de resistir a mudanças significativas de pH.

"É muito difícil, com substâncias exógenas (como o bicarbonato de sódio), modificar de maneira importante e controlada o pH", explicou Chammas. "Até o momento, não temos intervenção segura e eficaz neste sentido no ser humano".

Dessa forma, não é aconselhável tentar usar bicarbonato como regulador do pH, porque não se conhece o impacto dessa intervenção.

"Modificar isso é extremamente complicado e com certeza não é como se sugere, com ingestão de bicarbonato de sódio. Não existe ainda uma manobra pra isso", acrescentou o médico.

Mendes concorda que é praticamente impossível mexer na alcalinidade no organismo. Ele acrescenta que o consumo dos produtos citados no vídeo não tem benefícios conhecidos em relação a tumores, seja na prevenção ou no tratamento.

"A gente não recomenda isso dentro da oncologia", disse. "Essas suplementações são completamente inócuas ou vão trazer uma sobrecarga especial para os rins".

Conforme o médico, o excesso de bicarbonato de sódio pode até causar hipertensão, prejudicando a parte cardiovascular.

Smaletz, do hospital Einsten, concorda que usar bicarbonato contra câncer ainda é uma discussão teórica, sem comprovação prática.

"Para formar essa opinião necessitaria haver um estudo randomizado duplo cego, onde, por exemplo, você pegaria uma população e daria bicarbonato de sódio e para outra um placebo, e aí veria o que aconteceu com os pacientes. Esse estudo não existe".

O pH pode variar dependendo da parte do corpo. Na urina e no estômago, por exemplo, é mais ácido (abaixo de 7), mas no sangue varia entre 7,2 e 7,3. Esse é o ambiente onde as enzimas funcionam da melhor forma possível.

Caso haja uma diminuição dessa acidez, o organismo pode ser colocado sob alcalose (pH acima de 7,4) e isso pode gerar distúrbios de cálcio, sódio e potássio, acrescenta Smaletz.

Não existe evidência científica de que ivermectina cure tumor na próstata

Texto sobre 'cura do câncer' distorce fatos e aponta falsa conspiração

Oxigenação não tem comprovação científica contra tumores

O vídeo afirma que é preciso oxigenar o corpo contra o câncer, mas isso também é uma distorção.

Chammas explica que os tumores são hipóxicos, ou seja, há insuficiência de oxigênio nesses tecidos. Os tecidos não afetados normalmente são vascularizados e com ótima tensão de oxigênio.

A ideia apresentada no vídeo é usar uma câmara hiperbárica, um equipamento médico onde o paciente respira oxigênio puro. De acordo com o autor do vídeo, isso poderia reverter tumores.

Mas, segundo Chammas, tudo é só uma especulação. "Forçando a distribuição de oxigênio no corpo todo, a expectativa é haver tensão de oxigênio um pouco mais alta", disse. "Assim, as células tumorais adaptadas a viverem em baixa tensão de oxigênio morreriam, mas nada demonstra que isso de fato é eficiente".

O uso da câmara hiperbárica é recomendado para situações específicas, que não estão associadas à melhora da oxigenação de tecidos tumorais.

"Há projetos de pesquisa que prometem testar isso, mas a gente está aguardando resultados", disse o professor da USP. "As evidências atualmente propostas estão muito longe da aplicação humana".

Segundo Mendes, na oncologia, o uso da câmara hiperbárica é restrito a tratamentos de fechamentos de feridas. Por exemplo, lesões relacionadas à irradiação. O equipamento não é usado para prevenção ou tratamento direto do câncer.

Fazer o procedimento não necessariamente faria mal à saúde de um paciente oncológico, mas seria caro e não tem eficácia.

Exercícios são benéficos, mas não têm relação com a oxidação

O vídeo afirma que a atividade física seria outra forma de "oxigenar" o corpo contra o câncer. De acordo com os especialistas, é comprovado que se exercitar é bom para a saúde como um todo, mas não há comprovação de ação específica contra tumores.

"Indivíduos que se exercitarem vão ter melhor resposta a tratamentos de maneira geral porque o exercício tem impactos úteis para a nossa saúde como um todo", explicou Smaletz. Mas, segundo ele, não existem estudos randomizados mostrando que a atividade física oxigena o corpo de maneira a tratar o câncer.

Mendes, do Inca, destaca que a atividade física é benéfica principalmente como prevenção contra o câncer. Mas a explicação não está na oxigenação.

"A atividade física está associada à prevenção de doenças do coração e do diabetes, então é como se fosse um pacote de boa saúde, mas isso não se relaciona à superexposição ao oxigênio", explicou.

Segundo ele, a melhora trazida pela atividade física está ligada ao emagrecimento. A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento do câncer.

Outro ponto é que a atividade física ajuda a modular a exposição do organismo a fatores de crescimento, como o Fator de Crescimento Semelhante à Insulina, um hormônio que em excesso pode aumentar o risco de determinados tipos de câncer.

"A gente sabe que as pessoas que fazem mais atividade física desenvolvem menos câncer e as pessoas com câncer que praticam atividade física têm resultados melhores com o tratamento, uma maior chance de cura", disse.

O que a ciência diz sobre prevenção de câncer

A ciência estabelece que há várias medidas de prevenção do câncer. Mendes, do Inca, cita que a primeira recomendação é não fumar e evitar bebida alcoólica.

A segunda é manter uma alimentação saudável. O consumo de alimentos ultraprocessados, por exemplo, comprovadamente aumenta o risco de câncer. As pessoas devem ingerir produtos naturais, bastante frutas e legumes, e limitar o consumo de carne vermelha.

"Não é que não possa ir no fim de semana num churrasco, mas comer menos", ressaltou. "Isso protege o coração por causa da gordura, o rim por causa da sobrecarga de produtos proteicos e contra a obesidade. Protege contra o câncer".

A prática de exercícios físicos, como já elencada, é fundamental. "Essas medidas são menos complicadas e a gente sabe que elas têm um efeito positivo, um efeito de prevenção. As propostas no vídeo, na verdade, são geralmente inexequíveis e não têm respaldo científico", concluiu.

Estadão
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade