Estudo com camundongos não afirma que vacina da Pfizer causa câncer
RELATO DE CASO VEM SENDO EXPLORADO POR GRUPOS ANTIVACINA NAS REDES SOCIAIS DESDE 2023; AUTORES ASSUMEM LIMITAÇÕES E AFIRMAM NÃO HAVER RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
O que estão compartilhando: que um estudo teria mostrado o crescimento do "turbo câncer" em camundongos que receberam injeções da vacina da Pfizer contra a covid-19.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. O estudo foi publicado em 2023 e, como afirmam seus próprios autores, não é capaz de traçar relação de causalidade entre a aplicação da vacina e o caso de um camundongo que morreu devido a um linfoma. A pesquisa vem sendo explorada por grupos antivacina nas redes sociais desde aquela época, com alegações desmentidas por agências de checagem, que apontaram falhas e limitações do estudo. Após a repercussão negativa, os próprios autores afirmaram que o estudo foi amplamente distorcido na internet e reafirmaram a segurança das vacinas.
Saiba mais: o post compartilha vídeo do ator Theo Becker pedindo orações para o também ator Mauricio Silveira, diagnosticado com um tumor no intestino. A postagem enganosa relaciona o câncer de Mauricio à vacinação, mas não há qualquer evidência de uma ligação.
Becker não faz qualquer menção à vacina. Notícias publicadas na imprensa (Extra, Folha) e o pronunciamento da família também não citam a vacinação como causa para o tumor.
O Estadão Verifica já mostrou diversas vezes que não existe qualquer comprovação científica de que o câncer seja um efeito adverso das vacinas contra a covid (1, 2, 3, 4, 5). O post utiliza a expressão "turbo câncer", uma teoria da conspiração segundo a qual as vacinas de mRNA contra a covid aceleram o desenvolvimento de tumores. Isso também é falso, como mostrou o Verifica. O Ministério da Saúde e a organização Global Vaccine Data Network também desmentiram a existência do "câncer turbo".
Autores do estudo negam relação causal entre vacina e câncer
O estudo que a postagem menciona é antigo, de 2023, e não prova relação causal entre a aplicação da vacina e o desenvolvimento de câncer. Ele é intitulado "B-cell lymphoblastic lymphoma following intravenous BNT162b2 mRNA booster in a BALB/c mouse: A case report". Em português, "Linfoma linfoblástico de células B após reforço intravenoso de BNT162b2 mRNA em um camundongo BALB/c: Um relato de caso". Ele foi publicado em 30 de abril daquele ano, na revista Frontiers in Oncology.
No estudo, um grupo de 14 camundongos da espécie BALB/c recebeu duas aplicações da vacina da Pfizer contra a covid-19 de forma intravenosa e em doses elevadas. Um deles morreu dois dias após a segunda dose. Segundo os autores, devido a um Linfoma Linfoblástico de Células B (B-LBL), um tipo de linfoma agressivo.
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No entanto, no próprio estudo os autores afirmam que uma relação causal entre a vacina e o linfoma não pode ser estabelecida. Eles dizem que a morte do camundongo pode representar uma coincidência. Porém, acrescentam que a sequência temporal entre a aplicação do imunizante e a doença sugere um envolvimento da vacina no evento adverso.
Falhas no estudo foram apontadas em checagens
A afirmação dessa suposta relação foi o suficiente para uma série de postagens de grupos antivacina alegando falsamente que a vacina contra a covid causa câncer. Agências de checagem como AFP Fact Check, USA Today Fact Check e FactCheck.org analisaram o estudo na época e apontaram falhas.
Uma delas se refere à metodologia do estudo, pois o relato de um caso isolado não serve para estabelecer uma mínima relação de causa e efeito. Outro ponto é o animal morto no estudo ter demonstrado uma perda de peso anormal antes da aplicação da primeira dose da vacina, o que pode indicar o desenvolvimento do linfoma em fase anterior à vacinação. A hipótese é reforçada pelo fato de a espécie de camundongo utilizada no estudo ser conhecida por desenvolver câncer de forma espontânea, especialmente linfomas.
Outras limitações - essas apontadas pelos autores no próprio estudo - correspondem à aplicação intravenosa da vacina, e não intramuscular, como acontece na rotina de imunização em pessoas. Além disso, a dose administrada no estudo é cerca de 600 maior do que a aplicada em humanos.
Autores afirmam que estudo foi distorcido nas redes sociais
Após a repercussão nas mídias sociais e as análises das agências de checagem, os autores adicionaram explicações ao estudo. O texto é de outubro de 2023, seis meses após a publicação do estudo.
Nele, os autores afirmam que o estudo foi amplamente mal interpretado nas redes sociais e reforçam que indicaram explicitamente em vários trechos a ausência de relação de causalidade entre a vacina e o linfoma. Eles ainda apontam que um total de 70 animais havia recebido o protocolo de vacinação do estudo até aquela data, e que somente o único caso apontado na pesquisa apresentou o linfoma relatado.
Os autores ainda acrescentam que as vacinas contra a covid demonstraram uma relação benefício-risco excepcional na luta contra a pandemia, e manifestações de reações adversas graves após a vacinação são raras. "Nosso relato de caso de forma alguma contraria esse perfil de benefício-risco esmagador", afirmaram os autores.