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Recuo de Lula marca 60 anos do golpe de 1964

Filha de vítima da ditadura militar criticou decisão à ANSA

29 mar 2024 - 09h48
(atualizado às 16h27)
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Por Nadedja Calado - "É como se estivéssemos negando a história da Segunda Guerra Mundial, como se a Itália ignorasse a atuação fascista. É como se estivéssemos dizendo que aquilo não teve importância. É um equívoco brutal".

Vera Paiva, filha do engenheiro e político Rubens Paiva - que foi preso, torturado e morto durante a ditadura militar -, define assim à ANSA a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de cancelar quaisquer atos do governo federal relacionados ao golpe de 1964, que completa 60 anos na próxima segunda-feira (1º).

Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) celebrava a data, exaltava o que chamava de "revolução" e enaltecia torturadores do período, Lula decidiu ignorar o aniversário do regime militar, em um gesto de conciliação com as Forças Armadas, que veem membros de alto escalão na mira do inquérito sobre uma suposta trama golpista contra o próprio petista.

Vera Paiva, professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e que integrou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, critica a justificativa da conciliação e diz que "a ligação entre o que foi e o que somos é fundamental para entender o presente, com base no que foi construído desde o passado e nos resquícios que permanecem até hoje".

"A importância desses marcos de memória, 'para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça' [lema da Comissão], é para planejarmos o futuro respeitando as divergências e conciliando as diferenças. Eu e meu pai sempre fomos radicalmente democratas. Nunca defendemos golpes ou revoluções que prescindissem da democracia", afirma.

Em 1964, uma conspiração militar com apoio civil e influência dos Estados Unidos depôs o então presidente João Goulart, derrubado após uma guinada à esquerda em seu governo e em meio a temores de uma suposta "ameaça comunista".

Apesar da promessa de intervenção breve, o país foi comandado pelos militares até 1985. O auge do autoritarismo foi marcado pela publicação do Ato Institucional nº 5, em 1968, quando o regime institucionalizou a tortura e a censura, promoveu prisões políticas e cassou direitos de adversários.

Estima-se que entre 300 e 500 pessoas tenham sido mortas pelo Estado brasileiro durante a ditadura, e um levantamento da ONG Human Rights Watch cita 20 mil casos de tortura.

Rubens Paiva, deputado federal cassado, foi o único congressista morto pelo regime militar, após ter sido preso e torturado. Seu corpo nunca foi encontrado, e o atestado de óbito foi emitido quatro décadas depois.

Os detalhes só vieram à tona através de depoimentos de militares à Comissão Nacional da Verdade. No entanto, como o Brasil aprovou uma lei de anistia "ampla, geral e irrestrita", nem os presos políticos, nem os militares do regime enfrentaram sanções.

"O que buscamos é ter acesso ao que aconteceu, encerrar o luto. Não temos corpo enterrado, túmulo para honrar a memória. Cada membro da família lidou com a aceitação da morte de forma diferente. Esse luto prolonga a dor", avalia Vera Paiva.

Seu pai sempre foi um alvo preferencial de Bolsonaro, que, em 2014, quando era deputado federal, chegou a cuspir no busto de Paiva no Congresso, episódio que Vera diz demonstrar "a podridão" do ex-presidente. O fato de ambos terem crescido em Eldorado, no interior paulista, pode ter sido a origem da fixação.

Apesar da recusa do atual governo em relembrar a data, o país terá manifestações entre 31 de março (data adotada pelos militares para evitar a coincidência com o Dia da Mentira) e 1º de abril, algumas com a participação de ministros de Lula, como Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Luiz Marinho (Trabalho), e de representantes do PT, partido do presidente. .

Ansa - Brasil   
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