Da 'anistia' a 'dosimetria': como Temer volta ao centro do tabuleiro e costura saída possível
Ex-presidente reagrupa lideranças, telefona para ministros do STF e empurra a pauta para um “PL da dosimetria'
Michel Temer voltou ao centro da articulação política ao propor o “PL da dosimetria” como alternativa à anistia ampla. Após reunião com líderes e ligação a Alexandre de Moraes, o ex-presidente apresentou a ideia de reduzir penas já aplicadas, mas o ministro do STF negou acordo. A iniciativa gerou reação na direita, que pressiona por uma anistia irrestrita. O pastor Silas Malafaia criticou a abordagem “suave” de Temer, defendendo o perdão completo para os aliados de Jair Bolsonaro.
Michel Temer (MDB) voltou a ocupar posição central nas negociações políticas do País. Após receber em sua casa, em São Paulo, o relator da proposta de anistia, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o deputado Aécio Neves (PSDB). O ex-presidente articulou uma mudança de estratégia: substituir o termo “anistia” pela ideia de um “projeto de dosimetria”, que prevê a redução de penas já aplicadas.
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Na sequência, Temer telefonou para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para apresentar a iniciativa. O magistrado confirmou a conversa, mas negou qualquer acordo e ressaltou que não existe texto pronto. O Supremo tem se posicionado de forma cautelosa diante de movimentos que possam interferir diretamente nas condenações já definidas no caso da tentativa de golpe.
O movimento é visto como tentativa de rebatizar politicamente a pauta e diminuir resistências. O “PL da Dosimetria” ganhou corpo após a reunião na casa de Temer e tem sido defendido como um “pacto de pacificação” que poderia alcançar todos os condenados, inclusive o núcleo mais próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos e três meses de prisão.
A costura atual repete um padrão já observado em outros momentos da trajetória de Temer. Em 2017, como presidente, conseguiu barrar denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República. Na época, a PGR denunciou o político por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução, com base na delação dos acionistas e executivos do Grupo J&F, que controla a JBS. Durante o seu mandato, ele ainda conduziu a aprovação da reforma trabalhista.
Em 2021, interveio para conter a crise entre Bolsonaro e o STF, redigindo a carta de recuo publicada pelo então presidente após atacar o Poder Judiciário em discurso inflamado durante o 7 de setembro daquele ano.
Agora, em 2025, Temer se apresenta novamente como articulador em meio a uma crise institucional. O desafio será transformar a ideia da dosimetria em um texto legislativo viável, capaz de passar pelo Congresso sem gerar novos atritos com o Supremo.
Temer: Pacificador ou bombeiro?
Aliados próximos de Michel Temer (MDB) afirmam que o ex-presidente já concluiu sua participação direta na articulação do Projeto de Dosimetria --nome dado pelo relator Paulinho da Força (Solidariedade-SP) ao texto que pretende apresentar à Câmara dos Deputados sobre a “PL da anistia"--, e na formação do “Pacto do Alvorada”, voltado à pacificação entre os Poderes.
De acordo com pessoas próximas a Temer, a entrevista do ex-presidente ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no começo da semana ajudou a criar um ambiente de maior entendimento entre as instituições. “Se houver necessidade, ele pode voltar a atuar como bombeiro”, disse um aliado à reportagem.
A intervenção de Temer, no entanto, provocou reações na própria direita, que pressiona por uma anistia ampla, geral e irrestrita. O pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro, criticou a abordagem considerada “suave” do ex-presidente, ao entender que a dosimetria representa apenas a amenização de penas e não o perdão completo, como desejam as alas mais radicais do bolsonarismo.
"Só pode ser piada a fala de Temer. Constitucionalista que ele é. A Constituição jogada na lata do lixo. Dosagem de pena pertence ao STF e não ao Congresso", avaliou o religioso.
De anistia a dosimetria: O que muda na nova proposta?
A dosimetria da pena é a definição do tempo de prisão de um réu que foi condenado, calculada pelos juízes. No caso do projeto que será votado na Câmara, a ideia é que as penas já decretadas pela Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para os condenados pela invasão sofram uma redução.
A dosimetria segue três etapas previstas no Código Penal e decide não só o período de tempo, mas o regime em que ela deve ser cumprida e condições de progressão da pena. Esse processo ocorre depois da análise do mérito do processo, ou seja, se os réus devem ou não ser condenados.
A punição é individualizada, e cada réu tem sua pena calculada de forma separada, levando em consideração a gravidade dos atos e o nível de participação de cada um.
Os magistrados partem da pena-base prevista em lei para cada crime e consideram fatores como antecedentes, consequências dos atos de cada réu e o grau de participação nos delitos. Esses aspectos podem fazer diferença na pena fixada ao final do julgamento.
Bolsonaro, por exemplo, foi condenado a uma pena maior que os outros sete réus de seu núcleo da ação penal (27 anos e três meses) porque foi apontado como o chefe e idealizador da trama golpista.
No caso do 8 de Janeiro, os participantes dos atos na praça dos Três Poderes tiveram diferentes níveis de envolvimento. Os condenados por crimes mais graves, como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público, tiveram penas maiores.
Já os que responderam por crimes menos graves (incitação e associação criminosa) foram condenados a penas menores e tiveram a possibilidade de optar por um acordo de não-persecução penal, em que são aplicadas medidas diferentes da prisão.
Também são avaliadas no cálculo circunstâncias que podem agravar ou atenuar a pena. Podem ser agravantes fatores como reincidência, motivação e uso de violência. Já a colaboração com a Justiça, como no caso do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que firmou acordo de delação, pode funcionar como atenuante.
Na terceira etapa, são analisadas as causas de aumento ou diminuição de pena, a partir dos critérios da lei de cada crime. Para uma organização criminosa, por exemplo, a punição pode ser mais severa quando se tratar de um grupo armado.
Quando os réus respondem por mais de um crime, os juízes precisam decidir se as penas de cada um deles serão somadas ou se será aplicada a lógica de crime continuado. Neste caso, um dos crimes tem sua pena elevada para contemplar os demais, o que pode resultar na diminuição da pena total se comparado com a soma de todos os crimes.
Depois do trânsito em julgado do processo, ou seja, quando todos os recursos se esgotaram, a prisão depende da pena fixada. Se for de até quatro anos, o regime de cumprimento da pena é inicialmente aberto, em que é imposto o recolhimento noturno, normalmente no domicílio.
De quatro a oito anos, o regime é o semiaberto, em que a pessoa dorme na penitenciária. Quando a condenação ultrapassa oito anos, caso de Bolsonaro, o condenado fica em regime inicial fechado. (*Com informações do Estadão Conteúdo)
