Articulação antecipada de Tarcísio garante aprovação da privatização da Sabesp no 1º ano de governo
Oposição critica pressa do governador, diz que faltou discussão e aponta promessa de liberação de recursos para deputados que votaram a favor da proposta
A estratégia do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) de iniciar a articulação política para aprovar a privatização da Sabesp meses antes de apresentar o projeto de lei foi bem-sucedida: 49 dias após o texto chegar a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), os deputados estaduais autorizaram nesta quarta-feira, 6, a venda da empresa. Foram 62 votos a favor e apenas um contra, em sessão que foi concluída sem a presença da oposição, após um conflito entre manifestantes que tentaram invadir o plenário e a Polícia Militar.
Os opositores, que alegaram falta de segurança para não retornarem ao plenário, criticam a rapidez na discussão de uma tema complexo, apontam que faltou debate e que o governo prometeu liberar milhões de reais em emendas parlamentares para os deputados que votassem de forma favorável à proposta.
O secretário de Governo, Gilberto Kassab, disse em entrevista ao Estadão que Tarcísio "vestiu a camisa" para defender a venda da estatal, o que facilitou a aprovação da proposta. Segundo ele, o governador se reuniu pessoalmente com todos os prefeitos das 375 cidades atendidas pela Sabesp e conseguiu convencer a maior parte deles da importância da medida.
Tarcísio de Freitas pagou R$ 73,6 milhões em emendas voluntárias em 20 de outubro, dois dias após o envio do projeto (veja gráfico). A data concentrou 64,5% de todos os pagamentos registrados no ano. A lista é formada majoritariamente por parlamentares aliados, mas há também integrantes da oposição. Como o pagamento dessas indicações não é obrigatório, há espaço para negociação política.
"O governo operou muito não só com os prefeitos, mas principalmente com os deputados. Nos corredores dizem que o governador se comprometeu a liberar R$ 20 milhões em emendas para os deputados votarem a favor", disse o líder da oposição, Paulo Fiorilo (PT-SP).
Kassab afirma que a acusação não tem fundamento e não há vinculação entre o pagamento das emendas e a votação da privatização da Sabesp. "O governador é talvez, no Brasil, o que mais se preocupa em dar transparência na relação com o Legislativo. Todas as demandas atendidas são inseridas num portal que é público e está funcionando há meses", declarou o secretário de Governo.
Fiorilo considera que a privatização da Sabesp foi conduzida de forma apressada. Ele pontua que o texto foi analisado de forma conjunta no Congresso de Comissões, em vez de ser discutido em cada um dos três colegiados separadamente e que parlamentares tiveram a palavra restringida durante a discussão em plenário na terça-feira, 5. Segundo o petista, apenas a primeira fase do estudo contratado pelo governo paulista sobre a viabilidade da privatização foi concluída.
"A palavra que caracteriza isso é o açodamento do governo para entregar uma empresa lucrativa, que investe no saneamento e no abastecimento de água", disse ele.
Embate será deslocado para o Judiciário
A oposição afirma que aguardará Tarcísio sancionar a privatização da Sabesp para pedir à Justiça que a lei seja declarada inconstitucional. Um dos argumentos é que a privatização exigiria a alteração da Constituição Paulista. O artigo 216 determina que os serviços de saneamento básicos sejam prestados por uma empresa controlada pelo Estado. O caminho escolhido pelo governo foi a aprovação de um projeto de lei simples, que exige 48 votos, quórum menor do que os 57 votos necessários para mudar a Constituição.
O PSOL e o PT entraram no início de outubro com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de derrubar decreto de Tarcísio que facilitou a privatização da Sabesp ao empoderar os Conselhos Deliberativos das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (Uraes). As Uraes agrupam os municípios em blocos.
Atualmente, os contratos das maiores cidades com a Sabesp, como a capital São Paulo, têm uma cláusula que determina que o acordo pode ser cancelado caso a estatal seja privatizada. O decreto do governador questionado no STF permite que o Conselho Deliberativo decida fechar um contrato único da Urae, englobando os municípios, direto com a Sabesp.
Na prática, isso facilita a privatização porque "amarra" as prefeituras e as respectivas Câmaras Municipais ao restringir a possibilidade delas optarem por não firmarem novos contratos com a empresa, o que poderia afastar investidores interessados na compra da Sabesp. Segundo o PT e o PSOL, o decreto viola o pacto federativo ao acabar com a autonomia dos municípios de decidirem individualmente qual caminho seguir. O governo contesta.
"De acordo com o Novo Marco do Saneamento, os contratos concessão de saneamento podem ser firmados pela Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (URAE). Por este motivo, a autorização pelas Câmaras Municipais não é uma obrigação legal. Além disso, o artigo 14 do Novo Marco do Saneamento apenas autoriza a renovação de contratos em caso de desestatização", disse a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura em nota.
Vice-líder do governo Tarcísio, o deputado Guto Zacarias (União-SP) entrou com um pedido na terça-feira para fazer parte da ação como amicus curiae (amigo da Corte) para ajudar na defesa do Executivo. Na visão dele, não há tentativa de usurpar a autonomia das prefeituras. "Os municípios que assinaram convênios com a Sabesp o fizeram por vontade própria, o que não retira do governador de São Paulo a atribuição de reorganizar a estatal de acordo com seu programa de governo", declarou.