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ESPECIAL-Incêndios no Pantanal causam devastação, matam animais e emitem alerta climático

14 set 2020 - 11h20
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Um incêndio está queimando desde meados de julho no Pantanal, deixando um rastro enorme de destruição em uma área maior do que a cidade de Nova York. 

Grandes incêndios atingem o Pantanal 
26/08/2020
REUTERS/Amanda Perobelli
Grandes incêndios atingem o Pantanal 26/08/2020 REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Uma equipe de veterinários, biólogos e guias locais chegou no final de agosto para percorrer a esburacada estrada de terra conhecida como Rodovia Transpantaneira em picapes, tentando salvar animais feridos. 

Onças-pintadas vagam pelo terreno carbonizado, disseram eles, com fome e sede, as patas queimadas, os pulmões enegrecidos pela fumaça. Eles viram corpos de jacarés, mandíbulas congeladas em gritos silenciosos, o último ato de criaturas desesperadas para se refrescar antes de serem consumidas pelas chamas. 

Este grande incêndio é um dos milhares de incêndios que varrem o Pantanal brasileiro --o maior pântano do mundo-- neste ano, no que os cientistas climáticos temem que possa se tornar um novo normal, repetindo outros casos de aumento de incêndios causado pelo clima, da Califórnia à Austrália.  

O Pantanal é menor e menos conhecido do que a floresta amazônica, mas as águas normalmente abundantes e a localização estratégica da região --entre a floresta tropical, vastos campos do Brasil e florestas secas do Paraguai-- o tornam um atrativo para os animais. 

Os incêndios agora estão ameaçando um dos ecossistemas de maior biodiversidade do planeta, dizem os biólogos. O Pantanal abriga cerca de 1.200 espécies de animais vertebrados, incluindo 36 ameaçados de extinção. Em toda esta paisagem geralmente exuberante de 150.000 quilômetros quadrados, pássaros raros voam e a mais densa população de onças-pintadas do mundo vagueia. 

O fogo não é novidade aqui. Por décadas, os fazendeiros usaram as chamas para devolver nutrientes ao solo de forma barata e renovar o pasto para o gado de corte. Mas essas chamas, alimentadas pela seca, agora queimam com força histórica, correndo pela vegetação ressequida. Os maiores incêndios no Pantanal neste ano representam o quádruplo do tamanho do maior incêndio na floresta amazônica, mostram os satélites da Nasa. 

Um recorde de 23.490 quilômetros quadrados foi queimado até 6 de setembro --quase 16% do Pantanal brasileiro, de acordo com uma análise da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

No mês passado, a Reuters testemunhou um incêndio que atingiu de uma floresta a uma pastagem perto do portal turístico de Poconé, no Estado de Mato Grosso. A temperatura no solo subiu para 46,5 graus Celsius. 

Dorvalino Conceição Camargo, um lavrador de 56 anos com um chapéu de palha comum entre os trabalhadores locais, ajudou a conter as chamas. 

Suando com o esforço, Camargo disse que nunca tinha visto fogo tão forte. 

"Sofre tudo", disse ele, explicando que "o gado está sofrendo, (mas) não é só o gado, sofre tudo."

NADA DE INUNDAÇÃO 

O Pantanal é conhecido por ser úmido, não seco. A maior planície inundável do mundo normalmente se enche de água durante a estação chuvosa, de novembro a abril de cada ano. 

Camargo lembra de ter navegado nas águas ainda criança em canoas. De volta à fazenda onde trabalha, ele mostrou a marca d'água da fazenda --70 centímetros acima do solo-- talhada no poste de um curral de gado. Mesmo em um ano seco, normalmente é cerca de metade disso, disse ele. 

Este ano, as inundações nunca vieram. Apenas um pouco de água se acumulou em uma vala próxima, afirmou ele.

Agora, com a evaporação da água na estação seca, o rio Paraguai, que corta o Pantanal, atingiu seu ponto mais baixo desde 1973, segundo Julia Arieira, pesquisadora de clima da Universidade Federal do Espírito Santo. 

Os especialistas atribuem a seca ao aquecimento do Oceano Atlântico, logo acima do equador, que está retirando a umidade da América do Sul e a enviará para o norte, provavelmente na forma de furacões mais fortes. 

O cientista da Nasa Doug Morton disse que este fenômeno é causado por mudanças na temperatura do oceano conhecidas como Oscilação Multidecadal do Atlântico - o equivalente do Oceano Atlântico ao El Niño no Pacífico. Ao contrário do El Niño, que normalmente acontece a cada 2-7 anos, a Oscilação alterna entre quente e frio aproximadamente a cada 30-40 anos. 

Quando esquenta, como acontece desde a década de 1990, é mais provável que ocorra o aquecimento do Atlântico Norte tropical, contribuindo para as secas e incêndios sul-americanos. 

As mudanças nas temperaturas do oceano são "um provável fator das condições de seca que temos visto até agora este ano no Pantanal", de acordo com Morton, que lidera o laboratório de ciências biosféricas da Nasa. 

Morton afirmou que a fase quente também pode estar contribuindo para mais seca na parte sul da Amazônia, onde os incêndios provavelmente atingiram em agosto o maior número em 10 anos, e nos pântanos da Argentina, onde as chamas são as piores desde 2009.

Mais preocupante ainda, Morton teme que o aquecimento global possa desorganizar a Oscilação e deixá-la permanentemente na fase quente, contribuindo para mais incêndios.

No governo de Jair Bolsonaro, o Brasil também enfraqueceu a fiscalização ambiental. 

O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a um pedido de comentário.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou o Pantanal em agosto, dizendo que as agências ambientais federais enviaram cinco aeronaves e funcionários adicionais para ajudar os mais de 100 bombeiros estaduais que combatem as chamas.  

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