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Eleição de 2020 terá mesmos problemas de fake news de 2018, dizem especialistas

Senado pode votar nesta quinta o projeto de lei 'anti fake news'; mesmo que texto seja aprovado, é improvável que tenha impacto já nas eleições deste ano, avaliam estudiosos.

25 jun 2020 - 17h03
(atualizado às 17h05)
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Senado deve votar nesta quinta (25) o projeto de lei 'anti fake news'
Senado deve votar nesta quinta (25) o projeto de lei 'anti fake news'
Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF / BBC News Brasil

O Brasil deverá chegar às eleições municipais de 2020 enfrentando problemas muito parecidos com aqueles da disputa nacional de 2018, no que diz respeito à desinformação e à propagação de notícias falsas, segundo especialistas no tema consultados pela BBC News Brasil.

Apesar de iniciativas das próprias empresas de redes sociais e de regulamentações feitas pela Justiça Eleitoral, o país ainda deixa a desejar nos esforços para coibir a disseminação de boatos e mentiras na internet, segundo estudiosos e profissionais.

O impacto pode ser ainda maior nas eleições municipais deste ano: com a pandemia do novo coronavírus, a campanha eleitoral deve se tornar ainda mais virtual do que foi em 2018, com maior quantidade de dinheiro despejada nos meios eletrônicos.

No fim de 2019, o Congresso também aumentou o volume de recursos disponíveis para as campanhas. Só o chamado 'Fundão Eleitoral' distribuirá R$ 2,03 bilhões aos partidos este ano.

Na tarde desta quinta-feira (25/06), o Senado pode votar um projeto de lei cujo objetivo é coibir a disseminação das chamadas fake news - a proposta, no entanto, vem enfrentando críticas de empresas do setor, de influenciadores digitais e de parlamentares. Formalmente, o PL 2630 de 2020 foi batizado de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

A aprovação de uma lei para coibir as fake news é defendida pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) - e, no entanto, mesmo que o projeto em votação no Senado seja aprovado, dificilmente poderá ser aplicado já nas eleições deste ano.

Cadastro e rastreamento

O projeto de lei sofreu várias modificações desde o começo da sua tramitação. A última vez em que os senadores trataram do assunto foi em 2 de junho deste ano, quando a votação acabou adiada.

A versão atual do projeto foi apresentada no fim da tarde da quarta-feira (24) pelo relator da proposta, o senador Angelo Coronel (PSD-BA). Ao longo dos últimos dias, o político baiano divulgou diferentes versões preliminares do projeto.

Apesar de ter modificado vários aspectos, a versão do "PL das fake news" que pode ser votada hoje manteve ao menos dois pontos considerados críticos: a coleta de dados dos usuários das redes sociais por meio de um cadastro; e o armazenamento e rastreamento massivo das mensagens enviadas em serviços como o WhatsApp.

"Essa versão atual (do projeto) mantém muitos dos problemas do texto original, apesar de ter largado mão da parte criminal, que era muito complicada", diz Francisco Brito Cruz, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do InternetLab, um centro de pesquisa em Direito e internet.

"Mas os dois principais problemas persistem", diz ele. "O primeiro é um 'super cadastro', onde você tem de dar o CPF e o número de telefone para ter conta em rede social. Isso inclusive vai ter impacto na inclusão digital, porque se a operadora suspender o chip (de telefone), a pessoa perde o acesso", explica Francisco.

"O outro problema é o do Artigo 10º, que manteve a coleta massiva de dados (de mensagens) no WhatsApp (permitindo o rastreamento das mensagens por até três meses). É aquela linha de fazer a coleta antes mesmo de que exista qualquer suspeita sobre o conteúdo", diz o especialista.

O texto original do PL das fake news foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em parceria com os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP) - mas guarda pouca relação com o texto atual.

Na manhã desta quinta-feira, um grupo formado por pesquisadores, organizações da sociedade civil e empresas divulgou nota criticando a nova versão do projeto de lei, e pedindo para que a votação seja novamente postergada.

"Nesta nova versão do relatório, o PL 2630/2020 tornou-se um projeto de coleta massiva de dados das pessoas, pondo em risco a privacidade e segurança de milhões de cidadãos. Sem tempo hábil para debate e amadurecimento, o texto pode resultar numa lei que instaure um novo marco regulatório de Internet baseado na identificação massiva e na vigilância e inviabilize o uso das redes sociais e de aplicativos de comunicação", diz o texto.

Texto original do PL das Fake News foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em parceria com os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP)
Texto original do PL das Fake News foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), em parceria com os deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP)
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Além disso, o projeto atinge em cheio a economia e a inovação, em um momento crucial em que precisamos unir esforços para a recuperação econômica e social do país", afirma a nota, que é assinada por dezenas de entidades e empresas - entre elas a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), a Transparência Brasil, o Twitter, o WhatsApp e o Google.

A organização Avaaz, conhecida por mover abaixo-assinados na internet, também enviou nota aos senadores com críticas ao texto.

A reportagem da BBC News Brasil procurou o senador Angelo Coronel para comentar o assunto, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

O impacto das fake news em 2018

O compartilhamento em massa de mensagens via WhatsApp e a difusão de notícias falsas marcaram a eleição nacional de 2018 - o assunto continua sendo investigado até hoje, inclusive por meio de ações judiciais no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em pelo menos seis dessas ações na corte eleitoral, o alvo é a chapa formada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o vice, Hamilton Mourão.

Especialistas e profissionais ouvidos pela BBC News Brasil lembram que, apesar disso, o país não aprovou qualquer lei nova para o assunto - as reações institucionais se limitaram a mudanças na Resolução do TSE que disciplina as eleições municipais.

Além disso, as próprias empresas, como o Facebook (que também é dono do WhatsApp) e o Twitter introduziram algumas mudanças para tentar conter a disseminação do conteúdo falso.

O Twitter, por exemplo, passou a marcar conteúdo suspeito divulgado na rede - inclusive em perfis de autoridades. O WhatsApp, por sua vez, passou a limitar o encaminhamento de conteúdos que foram compartilhados em massa.

"A gente está basicamente na mesma, né?", diz Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. "O que aconteceu, basicamente, foi o WhatsApp tomar algumas medidas para tentar atenuar o problema. Não sei se são suficientes, mas podem atenuar", diz ele.

"Por outro lado, teremos esse problema adicional. Como não vamos ter campanha física, todo mundo vai meio que jogar as cartas na campanha digital. Então, esses problemas que já existem podem ser agravados", diz.

Para a jornalista Tai Nalon, fundadora da agência de checagem Aos Fatos, o país ficou para trás diante das mudanças ocorridas na forma como a desinformação se propaga.

"Eu acho que a gente avançou pouco no entendimento sobre o que é desinformação e como os atores de desinformação atuam. Não em relação a 2018, mas em relação à própria evolução da desinformação", diz ela.

"A gente falou muito sobre WhatsApp em 2018, falou muito sobre Facebook, mas hoje a gente vê uma institucionalização da desinformação a partir de sites de notícias falsas, que naquele momento não eram tão bem estabelecidos, e hoje são. E batem recordes atrás de recordes de audiência", explica a jornalista.

Veiculação de notícias falsas nas eleições vencidas por Bolsonaro é apurada no Congresso
Veiculação de notícias falsas nas eleições vencidas por Bolsonaro é apurada no Congresso
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Acho que talvez a gente esteja ainda tentando resolver problemas de 2018 em 2020, quando o cenário já é diferente", resume.

Segundo Tai Nalon, o TSE tem se mostrado especialmente ativo nessa discussão - inclusive porque a Corte e o processo de votação por meio das urnas eletrônicas foram alvos preferenciais de fake news desde 2018. A corte inclusive fez parcerias com agências de checagem.

"O que a gente tem que entender é que a desinformação faz parte da retórica política, sempre fez parte, e o que a gente vê hoje não vai embora. A desinformação não vai embora das redes, seja com uma canetada ou com uma diretriz geral do TSE", pondera ela.

Francisco Brito, do InternetLab, diz que há dois pontos principais nas novas regras criadas pelo TSE para as eleições municipais deste ano.

Por um lado, ficou proibido o disparo em massa de mensagens eletrônicas, sem a anuência do destinatário; por outro, as empresas foram proibidas de doar bases de dados para as campanhas eleitorais.

"E tem um outro ponto sobre desinformação, que é dizer que os candidatos são responsáveis por atestar a fidedignidade dos conteúdos que eles estão compartilhando. Que é uma ideia de que ele não pode só apertar o botão de 'compartilhar' sem maiores consequências", diz Francisco.

"Não acho que essas coisas vão resolver completamente o problema, não. Mas acho que o TSE se mostrou preocupado sim, de 2018 para 2020", diz ele.

Quais os principais pontos do projeto?

No projeto formulado por Angelo Coronel, há alguns pontos que são considerados consensuais entre pesquisadores e sociedade civil - por exemplo, a exigência de maior transparência por parte das redes sociais sobre conteúdos com impulsionamento pago.

No entanto, vários outros dispositivos do texto são considerados polêmicos. Eis alguns deles:

- Rastreamento de mensagens: conteúdos encaminhados "em massa" em aplicativos de mensagens como o WhatsApp precisam ficar armazenados por pelo menos três meses, para que seja possível rastrear a origem dos mesmos.

- Cadastro de usuários: para possuir uma conta em rede social, o usuário precisaria fornecer um número de CPF e um número de telefone válido no país. Em tese, a ideia é permitir que as autoridades saibam exatamente quem são os autores de perfis anônimos nas redes.

- Exigência de que os bancos de dados fiquem no Brasil: exige que os serviços que operam no país mantenham suas bases de dados relativas a usuários brasileiros em bancos de dados localizados no país. Empresas do setor criticam este dispositivo, alegando que se trata de uma espécie de barreira comercial.

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