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CPI do MEC: quais os limites e como comissão pode afetar Bolsonaro?

Especialistas em direito afirmam presidente pode ser alvo de investigação, mas senadores não poderão dar ordem de prisão, quebrar sigilos ou obrigar depoimento do presidente

29 jun 2022 - 13h16
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Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro durante evento no Palácio do Planalto em 4 de fevereiro
Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro durante evento no Palácio do Planalto em 4 de fevereiro
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A pouco mais de quatro meses das eleições, o presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá ter que enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar denúncias de corrupção no Ministério da Educação (MEC).

Na terça-feira, senadores de oposição pediram, formalmente, a abertura de uma CPI para apurar as denúncias de que pastores negociavam liberação de verba do ministério em troca de propina com a anuência do ex-ministro Milton Ribeiro e do presidente Bolsonaro. A instauração da comissão depende, agora, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que pode decidir pela sua abertura ou não.

Por lei, CPIs podem convocar investigados, determinar as quebras de sigilos bancários, telefônicos e telemáticos (de comunicações como e-mails) e ter acesso a documentos sigilosos. Mas quais os poderes da CPI em relação ao presidente da República? E quais os impactos de uma eventual CPI tão próxima das eleições?

A BBC News Brasil ouviu especialistas que afirmaram que, mesmo sendo presidente, Bolsonaro pode ser alvo da investigação se houver indícios de sua participação em algum esquema. Eles dizem, no entanto, que a CPI não teria poderes para obrigar Bolsonaro a prestar depoimentos, para determinar quebras de sigilos ou mesmo lhe dar voz de prisão. Eles também afirmam que a instalação de uma CPI em ano eleitoral pode, sim, fragilizar a candidatura de Bolsonaro à reeleição.

O 'gabinete paralelo'

O pedido feito pelos senadores da oposição visa à investigação de um suposto esquema de corrupção e tráfico de influência denunciado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, em março deste ano.

De acordo com reportagens publicadas pelos veículos, pastores evangélicos teriam montado uma espécie de "gabinete paralelo" no MEC e negociariam a liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para municípios em troca de propina.

Em uma das reportagens, Milton Ribeiro diz, em um áudio, que dava prioridade aos pedidos de verbas intermediados pelos pastores por determinação do presidente Bolsonaro.

Ex-ministro da Educação Milton Ribeiro admitiu em áudio priorizar dois pastores com dinheiro do governo federal
Ex-ministro da Educação Milton Ribeiro admitiu em áudio priorizar dois pastores com dinheiro do governo federal
Foto: Agência Brasil / BBC News Brasil

Desde o início do escândalo, Milton Ribeiro negou sua participação no caso.

Em nota divulgada à época da revelação do escândalo, o ex-ministro negou ter operado qualquer esquema de favorecimento a pastores. Ribeiro também negou ter sido orientado pelo presidente Bolsonaro neste sentido.

"O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem", disse o ex-ministro em comunicado à imprensa naquela época.

Na época, Bolsonaro chegou a dizer que colocaria seu rosto "no fogo" por Ribeiro. Mesmo assim, dias depois das primeiras reportagens, o ministro pediu demissão.

O caso, no entanto, continuou a ser investigado pela Polícia Federal. Na semana passada, a PF deflagrou a Operação Acesso Pago e prendeu Ribeiro, os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos e outras duas pessoas por suspeita de crimes como corrupção e tráfico de influência.

A prisão de Ribeiro foi revogada no dia seguinte ao mesmo tempo em que surgiram rumores de uma suposta interferência de Bolsonaro no caso.

O Ministério Público Federal (MPF) pediu que parte do caso fosse encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pois Ribeiro disse, em conversa interceptada com autorização da Justiça antes da operação, que teve uma conversa com o presidente na qual Bolsonaro teria dito que teve um "pressentimento" de que o ex-ministro pudesse ser alvo de mandados de busca e apreensão.

Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) foram os alvos principais da operação da Polícia Federal
Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) foram os alvos principais da operação da Polícia Federal
Foto: Catarina Chaves/MEC / BBC News Brasil

Limites da CPI

O requerimento de abertura de CPI do MEC foi protocolado pelo líder da oposição no Senado e um dos coordenadores da campanha à Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O pedido foi assinado por 31 senadores, quatro a mais que o mínimo necessário, de 27.

A decisão sobre a abertura caberá a Rodrigo Pacheco, que tem sinalizado a aliados que poderá aceitar o pedido e determinar o início dos trabalhos da comissão.

Na base do governo, a CPI do MEC é vista como um obstáculo a poucos meses da eleição. Um dos temores é com relação ao impacto negativo que isso pode ter na imagem do presidente. Em diversos discursos, Bolsonaro diz que seu governo não teve casos de corrupção.

O advogado criminal e mestre em Direito Penal, André Lozano, diz que, pela legislação, a CPI funciona como um inquérito policial com a função de investigar crimes previamente determinados no pedido. Segundo ele, apesar de ser presidente, Bolsonaro pode ser investigado pela CPI.

"A CPI vai investigar as condutas. Se houver indícios da participação do presidente no caso, ele também pode ser alvo das investigações. Isso vale tanto para crimes comuns quanto para crimes de responsabilidade", explica Lozano.

No pedido de abertura da CPI, os senadores dizem que é preciso investigar Bolsonaro e Ribeiro pelas supostas práticas de peculato (desvio de recursos por funcionário público), corrupção passiva, prevaricação (deixar de atuar conforme determinação da lei por satisfação pessoal) e advocacia administrativa (usar cargo público para favorecer, de forma indevida, algum interesse privado).

Lozano explica, no entanto, que apesar de os poderes da CPI serem equivalentes aos de uma investigação conduzida pela polícia, há limites em relação ao que ela pode fazer em relação ao presidente da República.

"A CPI não pode obrigar o presidente a prestar depoimento e nem pode determinar a quebra de sigilos bancário, telefônico, fiscal ou telemático. Isso seria uma interferência indevida do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo", explica o advogado.

"Esses limites existem para impedir que o chefe do Poder Executivo fique refém do Parlamento. Imagine ter que governar diante da possibilidade de a oposição ter acesso a dados como esse? É por isso que existem essas barreiras", diz o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró.

O advogado criminalista e também professor de Direito USP Pierpaolo Bottini explica que alguns dos limites sobre o que a CPI pode ou não fazer em relação ao presidente foram dados recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a CPI da Covid, em 2021.

"Em 2021, o STF julgou que a CPI não pode convocar chefes do Poder Executivo para depor. Esse entendimento deverá ser mantido nessa comissão", explicou.

Bottini explica, no entanto, que a impossibilidade de quebrar sigilos do presidente ou mesmo de convocá-lo a prestar depoimento não inviabiliza a capacidade de investigação da CPI.

"É claro que isso pode atrapalhar um pouco, mas a CPI ainda pode convocar ministros e quebrar sigilos de pessoas ligadas ao presidente. Essas quebras e esses depoimentos podem ser muito importantes para esclarecer os supostos crimes investigados", explicou Bottini.

Badaró explica que, ao final das investigações, a comissão deverá votar um relatório com o resultado do que foi apurado. Este relatório pode pedir o indiciamento dos investigados e pedir ao Ministério Público que abra ações penais contra os envolvidos.

Caso a CPI recomende o indiciamento de pessoas com foro privilegiado como o presidente Bolsonaro, o pedido é encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) que pode decidir ou não pela abertura de um inquérito ou de uma ação penal.

Os pedidos feitos pela CPI não obrigam o MP a cumprir o que diz o relatório. Promotores e procuradores podem discordar do teor do relatório e decidir não adotar as ações propostas pelo documento.

Prisão e processos

Um dos momentos mais tensos da CPI da Covid, em 2021, foi a ordem de prisão dada pelo presidente da comissão, o senador Omar Aziz (PSD-AM) ao ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias sob a alegação de que ele teria mentido durante seu depoimento.

Gustavo Badaró explica que, apesar de poder investigar condutas atribuídas ao presidente, a CPI não teria o poder de dar voz de prisão a Jair Bolsonaro.

"O presidente pode ser punido criminalmente por atos relacionados ao seu mandato, mas para isso é preciso uma autorização da Câmara e que ele seja processado e julgado pelo STF. Ele só poderia ser preso após uma sentença condenatória do Supremo. Portanto, uma CPI jamais poderia decretar a prisão do presidente", explica Badaró.

Impacto eleitoral

Mesmo não estando sujeito à prisão pela CPI, Bolsonaro poderá sentir os impactos de uma possível CPI do MEC em meio à corrida eleitoral. Ele vem aparecendo em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto sobre as eleições presidenciais, atrás do ex-presidente Lula.

Em entrevista concedida à BBC News Brasil em abril, o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, disse que Bolsonaro a eventual instalação da comissão poderia, sim, fragilizar o governo.

"É um cenário imprevisível porque quando se inicia uma CPI, há sempre a possibilidade de uma testemunha revelar crimes e não tem como saber a repercussão disso em uma eleição acirrada", disse Couto.

Cláudio Couto disse, no entanto, que mesmo que ela seja criada, a CPI pode acabar esvaziada por conta da dinâmica eleitoral.

"As eleições vão consumir muita energia dos senadores e isso pode acabar esvaziando essa CPI. A maior parte deles está muito focada nas eleições. Isso tem um impacto direto na energia que eles poderão dedicar a uma investigação como essa", explicou o professor.

Pierpaolo Bottini disse que, apesar do período eleitoral consumir energia dos parlamentares, as CPIs, em geral, têm um elemento forte de imprevisibilidade.

"Já houve CPIs que começaram com muito impacto e não tiveram resultado nenhum e houve outras que começaram despretensiosas e tiveram grande repercussão. Tudo vai depender da quantidade de energia que os parlamentares vão colocar nessa comissão e no que ela for revelando com o tempo", disse o advogado.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61975907

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