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SP tem ao menos 1 milhão de imigrantes ilegais, diz governo

Maioria, cerca de 200 mil, é de bolivianos que trabalham em confecções -- muitos, em condições de semi-escravidão; centro inaugurado hoje na capital quer agilizar serviços de regularização migratória

15 dez 2014 - 19h06
(atualizado em 16/12/2014 às 11h09)
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O Estado de São Paulo tem hoje pelo menos um milhão de imigrantes irregulares – condição que os coloca em situações de vulnerabilidade que vão desde o aliciamento para trabalhos em condições análogas às da escravidão, como para o tráfico de drogas e de pessoas. A maior parte desse contingente é de bolivianos, cerca de 200 mil – a maioria, estima-se, espalhados em situações precárias em confecções da capital paulista.

<p>A boliviana Jobana, à esquerda, e a chilena Andrea</p>
A boliviana Jobana, à esquerda, e a chilena Andrea
Foto: Janaina Garcia / Terra

Os números são do governo de São Paulo e do Ministério Público do Trabalho (MPT), que nesta segunda-feira, em parceria com a Polícia Federal e com as Defensorias Públicas estadual e federal, inaugurou um centro de atendimento ao imigrante localizado na Barra Funda, zona oeste da cidade – a menos de 1 km do terminal rodoviário da Barra Funda, por onde costumam chegar os imigrantes de países sul-americanos.

Batizado de Centro da Cidadania do Imigrante (CIC do Imigrante), o posto conta com serviços que buscam acolher o imigrante e auxiliá-lo na inserção no mercado de trabalho brasileiro, além de emitir segundas vias de documentos. O local abriga ainda um Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) e uma unidade do Procon e, a partir do próximo semestre, também do Poupatempo. Entre os funcionários, há imigrantes de países como Peru e Bolívia que prestam o atendimento também em castelhano.

“Por trás da questão da imigração nascem outras, como o tráfico de drogas e de pessoas e o trabalho escravo. Por lei, há um enfrentamento a esse trabalho, por lei [de maio deste ano], aqui no Estado, mas o imigrante correr de um lado para o outro para buscar regularização também o torna mais vulnerável”, definiu a secretária estadual da Justiça e Cidadania, Eloisa de Sousa Arruda.

<p>Antigos galpões na Barra Funda foram reformados para receber o posto de serviços ao imigrante</p>
Antigos galpões na Barra Funda foram reformados para receber o posto de serviços ao imigrante
Foto: Janaina Garcia / Terra

Presente à cerimônia de inauguração, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) enfatizou que empresas que tenham constatada prática de trabalho análogo ao da escravidão terão CNJP cassado pelo governe estadual. De acordo com o governador, a reforma dos balcões onde funciona o CIC, nos fundos do Procon, teve R$ 6 milhões doados por um grupo têxtil da Espanha, além de R$ 1,850 milhão provenientes de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) firmados entre o MPT e empresas com mão de obra em situação irregular, entre empresas têxteis e construtoras.

Semi-ecravidão faz empregador lucrar até R$ 2.300 por funcionário

Para o procurador do trabalho Luiz Fabre, o combate à irregularidade vale não apenas por aspectos humanitários, como econômicos. “Hoje, a maior parte dos imigrantes ilegais em São Paulo é de bolivianos, cerca de 200 mil. É comum encontrarmos cadeias fabris deles com cada um trabalhando de segunda a sábado das sete da manhã à meia-noite, ganhando R$ 500 por mês. Isso gera um vantagem competitiva ao empregador de R$ 2.300 por estrangeiro ilegal”, enumerou. “Isso significa dizer que, se o sujeito ‘emprega’ 20 pessoas nessas condições, poupa de impostos e outras obrigações legais R$ 46 mil – e isso ou faz o empresário formal fechar o seu negócio, porque não consegue competir, ou adotar as mesmas práticas”, explicou.

Coordenador do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (Cami) de São Paulo, o padre Roque Renato Pattussi afirmou que uma das dificuldades grandes para a regularização do imigrante junto à PF é o valor da taxa cobrada para o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) – R$ 124 a primeira via, ou R$ 305, a segunda.

<p>Danças andinas e africanas marcaram a cerimônia de inauguração do centro, na qual esteve o governador Geraldo Alckmin </p>
Danças andinas e africanas marcaram a cerimônia de inauguração do centro, na qual esteve o governador Geraldo Alckmin
Foto: Janaina Garcia / Terra

“A pessoa vem muitas vezes pela mão de coiotes (intermediadores de migrantes ilegais) e já chega com essa dívida para pagar. Aí trabalha três, quatro meses para quitá-la, e acumula mais dívida – de moradia. O resultado é que praticamente não recebem pelo que trabalham, e em situações que as violentam tanto na saúde quanto nos direitos mais básicos perante a lei, a ponto de o empregador recolher e prender seus documentos”, afirmou o coordenador do Cami. Segundo ele, de 90% a 95% dos imigrantes que chegam a São Paulo vão para a indústria têxtil, e a maioria, proveniente de países como Bolívia, Peru e Paraguai. “Porque eles vêm por terra, e como as fronteiras são frágeis e grandes, chegam e as autoridades brasileiras muitas vezes nem sabem que eles vieram. É diferente do haitiano, que vem e a chegada é registrada –mas tanto eles quanto os senegaleses têm sido cooptados para trabalhar em São Paulo como camelôs”, observou.

Boliviana: já sugeriram no metrô que a gente fede

Casada com um brasileiro e mãe de duas crianças nascidas no Brasil, a webdesigner Jobana Moya, 33 anos, veio da Bolívia há oito anos e vive em situação regular no País. Porém,  ela afirma que as dificuldades para se tornar um cidadão em terras brasileiras não é o único problema do imigrante.

“Tenho traços andinos. Já me senti bem mal com o preconceito das pessoas aqui – a ponto de estar em um vagão do metrô, esses dias, com outros bolivianos, e ouvir uma mulher dizer alto um 'são bolivianos, devem ser fedidos'. Ela não teria como saber, pois não estava perto de nós - mas fez questão de falar bem alto para que pudéssemos ouvir", conta. "É como se quiséssemos tomar algo que não nos pertencesse. Atuo em um coletivo de mulheres imigrantes, o Warmis (“mulher”, em quechua), e são constantes os relatos de violência obstétrica, por exemplo – temos uma cultura de parto normal e simplesmente alguns hospitais públicos forçam a cesárea. É como não enxergassem o imigrante como portador de conhecimento e de cultura – seja em órgãos públicos ou em outros setores da sociedade”, relatou.

Preconceito aqui ainda é muito seletivo, diz chilena

Amiga de Jobana e também webdesigner, a chilena Andrea Carabantes, 36 anos, disse que, quando foi fazer o RNE na sede da PF, entendeu que não era exatamente bem vinda. “Fui muito mal atendida quando a atendente percebeu meu sotaque; meu marido, que é loiro, alto e brasileiro, e que havia sido super bem atendido, precisou pedir à funcionária que me respeitasse”, lembrou. “A verdade é que, mesmo o Brasil sendo um país tão miscigenado e se dizendo orgulhoso disso, na prática, o preconceito ainda é muito seletivo com esses migrantes. Acha tudo ‘muito legal’, mas, na hora de aceitar, ainda mais se as feições demonstram que a pessoa é de fora, a conversa é outra”, afirmou Andrea, que tem pele branca e olhos azuis. “Em serviços públicos, isso não quer dizer nada – se você é de fora, a burocracia sempre vai ser enorme”, ressalvou.

Fonte: Terra
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