Script = https://s1.trrsf.com/update-1764790511/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Por que as pessoas estão saindo de SP? 'Busca por lugares mais tranquilos', diz demógrafo

Crescimento do agronegócio, descentralização da industrialização e home office estão entre motivos para menor atração de migrantes

28 jun 2025 - 01h46
(atualizado às 07h10)
Compartilhar
Exibir comentários

São Paulo sempre foi o grande polo de atração de migrantes de todo o País. Novos números do Censo, divulgados nesta sexta-feira, 27, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que isso mudou na última década. Mais do que isso, muita gente está deixando São Paulo. O Sudeste como um todo deixou de ser a região mais atrativa, cedendo o posto para o Centro-Oeste e o Sul. Santa Catarina, em particular, é o Estado que mais atrai migrantes atualmente, ocupando o posto que foi de São Paulo por tantas décadas.

Para o demógrafo José Eustáquio Alves, isso acontece por vários motivos, que vão do crescimento do agronegócio, passando pela descentralização da industrialização do País, até uma mudança de comportamento que se popularizou durante a pandemia, privilegiando o trabalho remoto. "E esse trânsito de São Paulo é uma loucura", arrematou o demógrafo.

O Censo 2022: Fecundidade e Migração, do IBGE, revelou também que, na última década, o País recebeu um número recorde de imigrantes estrangeiros, sobretudo venezuelanos. E ainda que as mulheres estão aprofundando a tendência de adiar a maternidade e ter cada vez menos filhos, o que deve levar a uma redução da população já a partir de 2040. A seguir, os principais trechos da entrevista.

São Paulo sempre foi o grande polo de atração de migrantes internos no País. Agora, segundo os novos números do Censo, isso mudou. Parte do Centro-Oeste e do Sul, especificamente Santa Catarina, passou a atrair mais gente. A que o senhor atribui essa mudança?

Houve todo um processo de descentralização da indústria em São Paulo nas últimas décadas. A partir dos anos 80 e 90, com os custos muito altos da região metropolitana, a indústria começou a se espalhar, inicialmente para a região metropolitana e o ABC. Depois, muitas indústrias foram para o interior de São Paulo, para o sul de Minas, para outros Estados. Além disso, houve uma redução da industrialização. Hoje, quem cresce é o agronegócio voltado para a exportação de commodities, é quem está atraindo mais mão de obra. No caso específico de Santa Catarina, tem muita indústria e tem também uma parte significativa no oeste do Estado de agronegócio, com produção de aves e grãos. Além disso, as cidades do interior são todas médias ou pequenas, atraindo também um outro perfil. Então acho que é uma combinação de tudo.

O Censo destaca também muita gente saindo de São Paulo....

Então, por todos esses motivos citados antes. Mas isso também acelerou muito depois da pandemia e da popularização do trabalho virtual. E existe uma busca para morar em lugares menos concentrados do que a cidade de São Paulo, mais tranquilos, aposentados que querem ir para cidades menores... esse trânsito de São Paulo é uma loucura.

Ampliação do agronegócio é um dos motivos da mudança dos eixos migratórios do País, do Sudeste para o Centro-Oeste e o Sul.
Ampliação do agronegócio é um dos motivos da mudança dos eixos migratórios do País, do Sudeste para o Centro-Oeste e o Sul.
Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO / Estadão

As mulheres estão cada vez mais adiando a maternidade, tendo menos filhos ou mesmo filho nenhum, como mostram os novos dados do Censo 2022. A taxa de fecundidade do País atualmente é de 1,6 - bem abaixo da chamada taxa de reposição, de 2,1 - e tudo indica que continuará caindo. Quais as implicações disso para a economia do País?

Em meados dos anos 1980, quando percebemos que a taxa de fecundidade estava caindo e ia continuar caindo, a grande maioria dos demógrafos, inclusive eu, achava quando chegássemos à taxa de reposição (2,1 filhos por mulher), a fecundidade ia parar de cair, ou seja, a população se estabilizaria, não cresceria, nem diminuiria. Só que a taxa de fecundidade continuou caindo e a discussão agora é até onde vai cair e qual o efeito disso.

Já estamos bem abaixo da taxa de reposição, quais as implicações?

Estar abaixo do nível de reposição significa que a população vai envelhecer e, um pouco mais à frente, começar a diminuir. Se a taxa ficar nesse nível, teremos um envelhecimento expressivo da população. A partir da próxima década, 2030/2032, a parcela da população em idade economicamente ativa já vai começar a diminuir; e, a partir de 2042, a população começa a encolher. Tem gente que fica apavorada com essa perspectiva, que acha que vai faltar mão de obra, que a economia não se sustentará, que haverá um impacto significativo na previdência, com menos gente contribuindo e mais gente recebendo pensão. Tem gente que vê um período catastrófico, que chama esse período de inverno demográfico e, até mesmo, inferno demográfico.

Caminhamos inexoravelmente para esse 'inferno demográfico'?

Então... Vários países do mundo com população envelhecida continuam crescendo. Na China, por exemplo, a população economicamente ativa começou a cair em 2010 e, desde 2022, a população em geral está encolhendo. E a China continua crescendo a 4% ao ano. A economia japonesa está estagnada; há 30 anos ela cresce 1% ao ano, mas a renda per capita continua crescendo. E o Japão é o país mais envelhecido do mundo. Na Polônia, nos anos 90, quando a população começou a diminuir, foi quando a renda per capita mais cresceu. Na época, era mais ou menos igual a do Brasil e, hoje, é três vezes maior. Ou seja, a Polônia fez a transição de um país de renda média para um país de renda alta durante o seu processo de envelhecimento. Então, pode até ser que essa redução piore as coisas. Mas se dezenas de países já conseguiram envelhecer e manter a economia funcionando, temos que pensar nisso. Com a melhora na qualidade de vida dos idosos e o envelhecimento cada vez mais ativo e saudável, alguns demógrafos acreditam que podemos até mesmo ter uma "economia prateada" ou "economia da longevidade" que poderia representar, até mesmo, um terceiro bônus demográfico.

Um outro dado que chama atenção nos novos números é a redução da taxa de fecundidade na adolescência. Ela ainda é alta (cerca de 10%), mas já foi muito mais alta....

Sim, isso é muito positivo, embora a porcentagem ainda seja alta. Mas o Brasil chegou a ter uma das maiores taxas de gravidez na adolescência do mundo - maior até do que a de muitos países africanos. Para um País com a fecundidade geral em queda (desde os anos 60), por que tínhamos tantas adolescentes tendo filhos? Acho que nos anos 80 e 90, no pós-ditadura, houve uma liberação dos costumes e as meninas começaram a ter relações sexuais mais cedo. Só que o sistema de saúde não estava preparado para atendê-las. Veja, a lei de planejamento familiar é de 1996. Só depois disso é que o SUS começou a se organizar, as campanhas começaram, a cultura da proteção se disseminou. Na década de 90 essa taxa ainda era muito alta, mas, finalmente, nos anos 2000, começou a cair.

De acordo com os novos dados do Censo, pela primeira vez, desde o início do século passado, o País registrou um aumento na proporção de estrangeiros na população. Isso aconteceu principalmente por conta do afluxo de venezuelanos....

Até meados do século 20 tivemos um afluxo grande de estrangeiros, mas desde a década de 80 esse número começou a cair. Na verdade, com a crise econômica, da desindustrialização e da estagnação da renda deixamos de ser um País atrativo, passamos a exportar mão-de-obra, não mais importar. No caso da Venezuela, trata-se de uma profunda crise econômica e humanitária. A maioria dos venezuelanos, na verdade, foi para a Colômbia, até por conta da língua. Mas muitos vieram para o Brasil. Ainda assim, o número de estrangeiros no País é relativamente muito baixo.

Estadão
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade