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Ponte entre Santos e Guarujá opõe governo paulista e operadores do porto

Os operadores afirmam que a ponte pode atrapalhar a entrada de navios nos terminais e prejudicar uma futura expansão do porto. A obra, anunciada em fevereiro deste ano pelo governador João Doria (PSDB), está em processo de licenciamento ambiental

17 jul 2019 - 07h12
(atualizado às 20h03)
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SOROCABA - A construção de uma ponte ligando Santos e Guarujá, no litoral do Estado de São Paulo, opõe o governo paulista e operadores de terminais no Porto de Santos. A obra, anunciada em fevereiro deste ano pelo governador João Doria (PSDB), está em processo de licenciamento ambiental pela concessionária Ecovias.

Maquete virtual da ponte projetada para ligar Santos e Guarujá, facilitando também o acesso ao Porto de Santos, no litoral paulista
Maquete virtual da ponte projetada para ligar Santos e Guarujá, facilitando também o acesso ao Porto de Santos, no litoral paulista
Foto: Ecovias/Divulgação / Estadão

Uma audiência pública apresentou o projeto nesta terça-feira, 16, em Santos. A concessionária e o governo afirmam que a ligação rodoviária vai melhorar o fluxo de tráfego na região e eliminar gargalos de acesso entre as duas cidades. Já os operadores afirmam que a ponte pode atrapalhar a entrada de navios nos terminais e prejudicar uma futura expansão do porto.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Jesualdo Conceição da Silva, por se tratar do maior porto da América Latina, a realização de uma obra permanente exige cautela e estudos que não foram apresentados. "A ABTP não teve essa discussão, que achamos importante. Não temos informações técnicas suficientes para dizer aos operadores que essa é a melhor alternativa." Ele lembrou que a proposta anterior era de construção de um túnel. "Não dá para dizer o que é melhor, a ponte ou o túnel. É preciso analisar melhor o risco de cada solução. Ainda não tivemos elementos para essa análise."

Segundo ele, o operador de um terminal manifestou à associação sua preocupação com a ponte, pois vai interferir em sua área de operação. "Será que os grandes navios vão passar bem por baixo? Como fica a bacia de evolução (área de manobra das embarcações)? Também há terminais preocupados com o túnel. Em que profundidade? O solo é adequado? Haverá interferência no tráfego de navios? São questões que precisam ser discutidas com as partes envolvidas e ainda não foram. A ABTP se coloca à disposição para isso."

A construção da ponte, com 7,5 km de extensão total, custará R$ 2,9 bilhões. O valor será bancado pela Ecovias, pois o governo já se mostra disposto a prorrogar o contrato de concessão da malha administrada pela concessionária, que inclui o Sistema Anchieta-Imigrantes, principal ligação entre grande parte do interior, a capital e a Baixada Santista. O projeto é dos anos 1970 e foi resgatado pelo então governador Márcio França (PSB), que tem sua base eleitoral na região. O novo governo paulista decidiu acelerar a obra.

Para o presidente da Brasil Terminal Portuário (BTP), Ricardo Arten, a decisão pela ponte segue na contramão de uma tendência mundial. "Todos os portos do mundo em posição de relevância procuram retirar e não colocar obstáculos às operações de navios."

Destacando ser a favor de uma ligação seca entre Santos e Guarujá, "desde que seja viável e não prejudique o porto", ele disse que o projeto da ponte não atende ao fim anunciado pelo governo. "Vai resolver apenas 30% da mobilidade urbana atendida pelas balsas e não vejo como pode melhorar a questão das cargas."

Conforme o executivo, a ponte contraria a lógica de que o transporte pesado deve ser retirado da cidade. "Quando se fez o Rodoanel, foi para tirar o caminhão da capital. Aqui é o contrário: quando se põe uma ponte na entrada da cidade, você atrai todo aquele tráfego de caminhões que poderia seguir pelas rodovias. Não existe problema de cargas que justifique investir R$ 2,9 bilhões numa ponte."

Ainda segundo Arten, se hoje a ponte permite a passagem de navios maiores, isso pode não acontecer no futuro. "A altura de um navio de grande porte é muito maior que há 30 ou 40 anos, chega a 65 metros. A gente tem de pensar como será daqui a 50 ou 100 anos."

O grupo BTP seria um dos mais afetados pela construção da ponte, muito próxima de sua área de operação e que pode comprometer seus planos de expansão em direção ao cais do Saboó. Arten considera que o túnel não causaria interferência. A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) também se posicionou publicamente contra o projeto por prejudicar os projetos futuros de expansão do porto, criando um gargalo para a entrada de navios de grande porte. Também para a Codesp, a melhor alternativa seria a construção de um túnel.

O secretário de Logística e Transportes do Estado, João Octaviano Machado Neto, defendeu o projeto. "Temos estudos da USP (Universidade de São Paulo), do pessoal de engenharia naval e do pessoal da praticagem que mostram que a ponte não vai interferir nas manobras dos navios. Todo o estuário de fundo é área de manobras e não afeta nada." Segundo ele, a restrição aos navios de grande porte já existe e se deve ao calado do canal de acesso ao porto, que tem 15 m de profundidade.

Conforme o secretário, a ponte vai resolver problemas de mobilidade de uma margem à outra do estuário reclamadas há décadas pela população. "Ela tem uma importância enorme para a Baixada Santista, trazendo um grande impacto para a população, que hoje depende das balsas, um serviço que é sujeito a fatores climáticos. Vai resolver também o problema de acesso de cargas de uma margem para a outra."

A opção do túnel, segundo ele, esbarra no alto custo - pode chegar a R$ 5 bilhões - e não resolve a logística das cargas, já que é dimensionado para transporte urbano.

Machado Neto destacou que a obra será feita sem desembolso direto do Estado, deixando claro que o governo tende a ampliar o contrato com a Ecovias para que a concessionária banque o projeto. "É uma questão de ajustes no contrato para garantir o investimento privado. Será uma ampliação do prazo na forma da lei." A Agência de Transportes do Estado de São Paulo (Artesp) informou que o projeto da ponte ligando Santos ao Guarujá continua em análise.

Projeto foi desenvolvido a pedido do governo, diz concessionária

Em nota, a Ecovias informou que desenvolveu o projeto da ponte de interligação entre as margens do Porto de Santos a pedido do governo do Estado. Conforme a concessionária, o projeto não apresenta restrições à navegação, nem à expansão do porto. "O projeto inclui ponte e sistema viário que interligarão as rodovias Anchieta e Cônego Domênico Rangoni. Para sua elaboração, foram realizadas análises para diferentes tipos de embarcações que operam atualmente no porto, inclusive com simulações de manobras controladas e indicadas pela Praticagem de São Paulo, em simuladores instalados no tanque de provas da USP." Os testes incluíram navios de grande porte, inclusive os usados em cruzeiros.

Nesta terça-feira, 16, a empresa apresentou os principais aspectos técnicos do projeto, em audiência pública realizada em Santos, como parte do processo de licenciamento ambiental.

Os técnicos da empresa defenderam o atendimento à logística do porto e o reordenamento do trânsito na região. Conforme a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), se houver necessidade, poderão ser convocadas outras audiências públicas para a discussão do projeto. O secretário Machado Neto disse que, após ser resolvida a questão ambiental, a ideia é chamar todos os operadores para discutir em detalhes o projeto.

Estadão
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