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Artistas refugiados cobrem tapumes de cores e arte em São Paulo

Projeto de ONG transforma muros cinzas em galerias de arte a céu aberto na capital paulista

15 set 2021 - 15h10
(atualizado às 15h26)
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SOROCABA - Aos poucos, o tom cinza de muros e tapumes da avenida Rebouças, importante via da cidade de São Paulo, vai sendo coberto por pinceladas coloridas e cheias de expressão. As pinturas chamam a atenção de quem passa a pé ou de carro. Os artistas são estrangeiros acolhidos pela ONG Estou Refugiado e os espaços que eles transformam em telas foram cedidos por empresas parceiras do projeto Cores do Mundo.

"A proposta é encher de cores os espaços mais cinzentos de São Paulo e de outras cidades, e oferecer oportunidade de trabalho para os artistas refugiados", disse a presidente da ONG, Luciana Capobianco. Com a adesão da construtora Pedra Forte ao projeto, cerca de 450 metros de tapumes de uma grande edificação na Rebouças já viraram obras de arte pelas mãos dos artistas Israël Kasongo Lavi e Shambuya Wetu, ambos do Congo.

Outro painel já finalizado para a construtora, na esquina das ruas Arthur de Azevedo e Antônio Bicudo, em Pinheiros, zona oeste paulistana, expõe a obra 'Mães Africanas', criada pelo artista angolano Paulo Chavonga.

A iniciativa ganha corpo no momento em que a crise no Afeganistão, causando uma nova onda de refugiados, choca o mundo. "A crise afegã trouxe à tona a preocupação com as necessidades humanitárias dos refugiados, principalmente os artistas. Muitos perderam o trabalho ou tiveram as horas de trabalho reduzidas. O projeto é também uma vitrine para eles. Alguns já conseguiram novos trabalhos graças à repercussão do projeto", disse a presidente da ONG, que se dedica há cinco anos ao acolhimento de imigrantes e refugiados.

Conforme Luciana, hoje são quatro artistas - três estrangeiros e uma brasileira - inseridos no projeto, mas já há fila de espera. "Cada projeto dura de dois a três meses e, como outros artistas refugiados tomaram conhecimento pelas redes sociais e nos procuraram, vamos abrir novos projetos." A ideia, segundo ela, é estender o Cores do Mundo para outras cidades paulistas. "Estamos com propostas de três empresas, uma delas de Osasco (cidade vizinha à capital). Sabemos que outras cidades, além de São Paulo, têm artistas refugiados", disse.Ela conta que, além da troca de experiências entre os próprios refugiados, a ideia é envolver também artistas brasileiros no projeto. "Assim como abrimos a porta para os refugiados, sentimos que eles também querem compartilhar suas experiências com artistas locais. O próximo projeto, na Rebouças com a rua Lisboa, terá Paulo Chavonga, um artista refugiado, e a artista plástica brasileira Regina Elias da Costa, a Soberana Ziza", revelou. Os dois já esboçam o painel que terá 60 metros quadrados.

Israël Lavi e Shambuyi Wetu, refugiados do Congo, pintaram juntos os painéis nos tapumes da Pedra Forte, na Avenida Rebouças. Lavi está no Brasil desde 2015, quando deixou o país africano após sofrer perseguição política. Cursando o último ano da graduação em Belas Artes, ele passou a atuar com colegas na resistência, durante a guerra civil que assolava sua terra natal. "A gente fazia grafites que desagradavam o governo da época", relata ele, que disse ter decidido se refugiar no Brasil após ver alguns dos seus amigos serem mortos.

Quando chegou ao Brasil, Lavi não falava português, apenas o idioma lingala, falado em seu país. Depois de conseguir vaga em um albergue, no centro de São Paulo, passou a procurar emprego e foi localizado pela Estou Refugiado. Com ajuda da ONG, conseguiu seu primeiro emprego. "Durante quatro anos, trabalhei como diretor artístico em uma agência de publicidade. Hoje tenho meu ateliê e atuo como artista independente. Além do Cores do Mundo, trabalho em outros projetos", disse. Seus quadros, com cores intensas e figuras geométricas, já foram expostos na Maison de France e na Pinacoteca do Estado.

O angolano Paulo Chavonga também já tem renome no cenário paulistano das artes, embora só esteja há quatro anos no Brasil. Pelo projeto, ele criou a obra 'Mães Africanas' na esquina das ruas Arthur de Azevedo e Antônio Bicudo, em Pinheiros. A partir de 2 de outubro, ele expõe obras no Museu da Imigração, na capital. O artista já apresentou trabalhos em Moçambique e Portugal, mas não teve sua arte reconhecida em seu país.

A adesão ao Cores do Mundo faz parte de sua intenção de se dedicar mais à pintura muralística. Ele trabalha em pesquisas sobre a vida de africanos no Brasil e, também, na forma como os brasileiros enxergam a região de onde veio. "De certa forma, estou divulgando a África e o meu país. As pessoas que andarilham pelas ruas precisam ter acesso a um novo olhar sobre o continente africano", disse.

Organização busca mais parceiros

O avanço dos painéis coloridos pelas cidades depende de parcerias, avisa Luciana. Além do apoio da Pedra Forte, o projeto conseguiu parceria com a fábrica de chocolates Dengo, com sede na Avenida Faria Lima. Durante todo o mês de maio, o artista plástico Israël Lavi cobriu de cores os muros de cimento da empresa. "Precisamos do apoio de empresários, construtores, arquitetos e empreiteiros que apoiam a liberdade artística e queiram apostar na transformação de todos os envolvidos", disse.

O projeto não se encerra com a retirada dos tapumes ao fim das obras. "Os tapumes passaram a ser verdadeiras obras de arte e queremos, depois, que sejam perpetuados", afirmou Cinthya Achon Parada, diretora de marketing da construtora, com 35 anos no mercado imobiliário. "Vamos fazer um acervo e, além de uma exposição física, provavelmente em um parque, estamos planejando também uma exposição virtual para as pessoas adquirirem as obras", revelou Cinthya.

Outra proposta em discussão é a venda de recortes dos tapumes em moeda virtual (bitcoin), com a renda revertida para os artistas. "A gente está desenvolvendo a ideia de vender parte dos tapumes em NFT, em moeda virtual, que é uma coisa diferente e bem atual. O projeto não será descontinuado. Há uma curadoria envolvida para que as obras se complementem. A ideia é que os trabalhos fiquem expostos em vitrines urbanas, em locais em que possam ser vistos pelo público", disse Luciana.

Estadão
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