Barbie: de histórias em quadrinhos para adultos para os quartos das crianças
Há 70 anos, um cartunista alemão criava a personagem Lilli. Depois, uma empresária dos EUA usou a personagem de conteúdo adulto como inspiração para a Barbie, que ficou famosa em todo o mundo.As frases da personagem Lilli de uma história em quadrinhos de antigamente do jornal alemão Bild até parecem ter saído de um script de um filme erótico. Em um dos quadrinhos, a personagem fala de um caminhoneiro que "lhe deu uma mãozinha" quando o carro dela quebrou e que as mãos cheias de óleo do homem deixaram marcas em seu vestido. Em um outro quadrinho, Lilli zomba de um policial na praia, onde biquínis são proibidos, com a pergunta: "que parte eu devo tirar?".
Quem diria que essa personagem sexualizada, com seus seios fartos e lábios sensuais, chegaria um dia a fazer parte da vida de milhões de meninas? Certamente não o seu criador Reinhard Beuthien, que desenhou Lilli em 40 minutos como personagem de quadrinhos para a primeira edição do Bild em 1952. A ideia, na época, era apenas preencher um espaço vazio que havia no jornal. Anos mais tarde, a Lilli do Bild se tornaria a Barbie, provavelmente a boneca mais famosa do mundo até hoje.
Hoje sexista, na época ousada e independente
Segundo a empresa que publica o tabloide mais vendido na Alemanha, a Axel Springer, Lilli era uma "secretária atrevida". Mas há quem diga que a personagem estava mais para uma prostituta de luxo.
Funcionária ou garota de programa, uma coisa é certa: Lilli não foi concebida para ser um brinquedo infantil. Com suas curvas e quase nua, seu cabeço loiro preso no alto da cabeça e seu salto alto, Lilli parecia ter saído de um poster daqueles que se via nas paredes das oficinas de carros na década de 1990, exibindo fotos de mulheres.
Atualmente, pode-se dizer que a figura se encaixava no olhar masculino daquele tempo. Tratava-se de uma personagem representada como objeto de desejo, reduzida ao seu corpo, totalmente de acordo com as necessidades de seus criadores e espectadores masculinos. Mesmo assim, o jornal alemão ainda a descreve com as palavras "ousada, sexy, independente".
Lilli se tornou tão popular entre os leitores - em sua maioria homens - do jornal sensacionalista que o Bild chegou a criar uma boneca de plástico representando Lilli, em 1953. Segundo a imprensa, na época era um presente muito popular entre os homens, principalmente nas despedidas de solteiro. Lilli era vendida em bares e bancas de jornais e revistas.
Entre 1955 e 1964, o Bild lançou cerca de 130 mil bonecas Lilli no mercado. Desta vez, acompanhadas de roupas e acessórios para que pudesse atingir também o público feminino. Em pouco tempo, a boneca se tornou um sucesso de vendas. Até em outros países.
Ruth Handler transformou a Lilli em Barbie
Talvez, nos dias de hoje, Lilli ainda apareceria seminua nas páginas do jornal alemão, se não fosse Ruth Handler mudar o rumo desta história. A cofundadora da empresa de brinquedos Mattel descobriu Lilli por acaso, em 1956, em uma vitrine, durante férias em Lucerna, na Suíça.
Ruth e sua filha Barbara ficaram tão encantadas com a boneca que a empresária enviou várias delas para Los Angeles e comprou os direitos de fabricação do "brinquedo".
Em 1959, a Barbie foi lançada no mercado. Ela recebeu o nome de Barbie em homenagem à filha de Ruth que se chama Barbara. O rosto da boneca continuava sendo o da Lilli. Desde então, mais de um bilhão de unidades foram vendidas.
Apesar das críticas recorrentes por parte de feministas, a Barbie conquistou o mundo infantil.
Hoje, a boneca é muito mais que um brinquedo. Ela inflama debates, seja sobre empoderamento ou obsessão pela beleza. Em 2023, a atriz australiana Margot Robbie deu vida à boneca no filme da diretora americana Greta Gerwig.
A Mattel foi moldando sua estratégia de marketing ao espírito da época. Só tem uma coisa que a Barbie até hoje ainda não conseguiu: envelhecer. Independente da cor da pele, a Barbie é "eternamente jovem".
Mas, então, o que aconteceu com a Lilli das histórias em quadrinhos de antigamente do tabloide alemão? A secretária "ousada e independente" se casou com seu namorado Peter em 1961 e saiu completamente de cena.