STJ anula acusação de injúria racial contra homem negro e reafirma que não existe "racismo reverso"
Processo foi movido contra brasileiro que chamou homem branco de "escravagista, cabeça branca europeia"
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus nesta terça-feira, 4, anulando todos os atos de um processo por injúria racial movido contra um homem negro acusado de ofender um italiano branco com referências à sua cor de pele. Em um julgamento unânime, o colegiado afastou a possibilidade de reconhecimento do chamado "racismo reverso" e reafirmou a interpretação de que a injúria racial não se aplica a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por sua condição racial.
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O caso
O réu, um homem negro, foi acusado de injúria racial contra um italiano em 2023, após uma troca de mensagens em um aplicativo. Na conversa, o acusado teria chamado o italiano de "escravista cabeça branca europeia" em resposta a uma disputa sobre o não pagamento por serviços prestados ao estrangeiro. O Ministério Público de Alagoas havia apresentado a denúncia, alegando que as palavras configuravam uma ofensa racial.
O relator do habeas corpus, ministro Og Fernandes, fundamentou a decisão em uma interpretação clara da legislação brasileira sobre crimes de injúria racial. De acordo com Fernandes, a tipificação da injúria racial visa proteger grupos historicamente discriminados, como os negros e indígenas. Ele destacou que o racismo, como um fenômeno estrutural, afeta esses grupos de forma sistêmica, e não pode ser aplicado a situações envolvendo ofensas de negros contra brancos, como ocorre em casos de "racismo reverso", uma tese que não tem respaldo jurídico.
O ministro explicou que, embora ofensas possam ocorrer entre pessoas de diferentes raças, o conceito de injúria racial está vinculado a uma relação de opressão histórica, o que não se aplica no contexto do caso em questão. “A injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação, não se configura no caso, pois não há uma relação histórica de opressão entre os envolvidos”, afirmou o ministro.
Og Fernandes também se referiu ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece que a legislação sobre crimes raciais deve considerar a realidade de discriminação enfrentada por grupos minoritários. Segundo o ministro, a interpretação das normas deve garantir a proteção de tais grupos, como a população negra, que enfrenta marginalização histórica e estrutural.
O relator explicou ainda que, de acordo com a Lei 7.716/1989, a injúria racial é configurada quando há discriminação relacionada a cor, etnia, religião ou origem, e que a população branca não se enquadra como um grupo minoritário, pois, além de numericamente maior, está amplamente representada em posições de poder e influência.
"Racismo reverso" não tem validade jurídica
O entendimento do STJ foi claro ao afirmar que a população branca no Brasil não pode ser considerada minoritária, argumentando que não há fundamento legal para classificar ofensas de negros a brancos, baseadas apenas na cor da pele, como injúria racial. O ministro Og Fernandes ressaltou que, se houver ofensas dessa natureza, elas devem ser enquadradas sob outro tipo penal, como a injúria simples, e não como injúria racial.
“É perfeitamente possível que negros ofendam brancos, mas essas ofensas não devem ser tratadas como injúria racial, a não ser que envolvam uma discriminação histórica ou sistêmica”, concluiu o relator.