Projeto Onda Azul leva 'terapia do surf' para autistas
Aulas de surf além de ensinarem a modalidade, transformam a autoconfiança e socialização de surfistas do espectro autista
A Associação Onda Azul, criada pela ex-surfista Kika Feier, desde 2015 utiliza o surf como terapia para pessoas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) por meio de aulas gratuitas. O projeto iniciou em Florianópolis e atualmente tem filiais em Imbituba, São Sebastião e Maceió.
Ao perceber que a filha no espectro autista se beneficiava do mar e ao assistir um documentário que traz a história de Clay Marzo, um surfista com Síndrome de Asperger (um estado do espectro autista), Kika Feier conheceu um projeto social na Califórnia que beneficiava pessoas autistas por meio das ondas e se inspirou em fazer o mesmo no Brasil.
O projeto piloto começou em 2015, com Kika e mais quatro mulheres que abraçaram a ideia e fizeram uma parceria com uma associação de surf em Florianópolis em Santinho Ingleses, no norte da ilha, e em 2017 enfim se tornaram uma associação. A primeira aula aconteceu em setembro de 2015 e logo no primeiro momento Kika pensou que o projeto não daria certo.
"Quando o instrutor disse 'galerinha, vamos colocar a roupa de borracha' eu pensei, 'pronto agora ferrou', porque aquela roupa é difícil de colocar, é bem colada. Mas das 13 crianças que compareceram na primeira aula, a gente conseguiu colocar a roupa em todas. A gente saiu de lá com um sorriso de orelha a orelha."
As aulas acontecem sempre aos sábados ou domingos dependendo da localidade, para crianças, adolescentes e adultos sem limite de idade, basta estar ou ter parentesco com uma pessoa no espectro autista. Os encontros geralmente reúnem de 15 a 30 surfistas e utilizam uma metodologia de rotatividade, em que até quatro surfistas são acompanhados para o mar enquanto os demais aguardam.
Eles iniciam colocando a roupa, fazem uma corrida de aquecimento e depois organizam os grupos para entrar no mar. São pelo menos dois instrutores que ficam junto do surfista, um para conduzir a prancha, outro para receber a prancha e, se necessário, um instrutor em cima da prancha para garantir que ela não vire e assegure a proteção do surfista.
A dinâmica das aulas trabalha várias questões com os surfistas como o saber esperar, contar as ondas, a segurança de confiarem nos instrutores e também as questões sensoriais das roupas, areia e água.
Atualmente possuem 25 voluntários fixos em Florianópolis e muitos outros mais nas demais filiais. O Onda Azul já beneficiou mais de 150 famílias, até mesmo contribuindo para que alguns pais descobrissem que, além dos filhos, eles também possuíam TEA.
No Festival Onda Azul que realizaram em abril, conseguiram reunir 75 famílias e 63 voluntários, e emitiram junto com o Governo do Estado e a Fundação Catarinense de Educação Especial, 55 carteirinhas de identificação de pessoas com Transtorno do Espectro Autista.
O Onda Azul já transformou a vida de diversas famílias e voluntários com momentos inéditos. Kika comenta ocasiões marcantes que presenciou em algumas aulas.
"Uma vez chegou um menino e me perguntou 'É você que vai me transformar num surfista?' e eu disse 'não, quem vai transformar você num surfista é você mesmo' e esse menino entrou na água, empurramos a prancha e ele já ficou em pé, com equilíbrio."
"Já aconteceu também de uma criança falar pela primeira vez. Ela desceu na onda e falou 'uau, que maneiro' e a mãe chorava na praia porque nunca tinha visto o filho falar. Acontecem coisas incríveis."
Além do esporte, a associação também se preocupa com conscientização sobre o meio ambiente e levar conhecimento para a sociedade sobre o TEA por meio de seminários e ações sociais.
Apesar de muitas conquistas, o Onda Azul ainda necessita de uma melhor estrutura. Dentre as pretensões para o futuro, Kika comenta que visa contribuir financeiramente com transporte dos voluntários, poderem ter uma sede para guardar o material e possuírem um veículo próprio para transportar os equipamentos e até mesmo para levarem o projeto para outras praias.