Uma imprensa racializada estancaria a ferida do Luighi ao invés de fingir que ela não existe
Jogador do Sub-20 do Palmeiras é vítima de racismo em jogo da Libertadores e chora ao perceber o descaso dos colegas da comunicação
Muito difícil para mim falar de casos como esse, sabe? Ver crianças e jovens sofrendo racismo é um dos maiores gatilhos que tenho. Não só por crescer em ambientes que negavam a causa racial, mas também por saber o quanto de casos como esse destroem a cabeça de um indivíduo em formação.
Luighi é um garoto de 18 anos, isso mesmo, garoto, porque se ele fosse branco era assim que a maioria da imprensa o veria, essa adultização precoce de muitos reservam a pessoas negras, que, ao ir para o banco de reserva, foi vítima de racismo por torcedores do Cerro Porteño. Na entrevista pós-jogo, ele foi dar entrevista para os repórteres e chorou de raiva ao ver que os profissionais da imprensa que ali estavam não o questionaram sobre a violência que ele tinha acabado de sofrer. O garoto no instante que percebeu o descaso sobre o ato racista da torcida questionou o jornalista, a Conmebol e a CBF. Aí vem a parte que me gera mais desgosto, é quando o repórter se mantém calado diante do choro do garoto, não fala absolutamente nada e manda um “obrigado”, nu e cru. Sem desculpas, sem meia culpa, sem nada.
A imprensa nacional tem um repertório racista muito grande. A gente cansa de ver preto em manchete sendo chamado de traficante, enquanto branco, em situações semelhantes, é chamado pela profissão ou por algum apelidinho que visa amenizar o ato feito. Contudo, isso acontecer no futebol, sobretudo nesse momento, me faz questionar muita coisa perante essa entrevista.
Impossível as pessoas envolvidas nesse caso não lembrarem de quanto a questão racial vem sendo abordada nos últimos meses. Seja no Brasil com vice-prefeito de Rio Preto sendo acusado de chamar segurança do próprio palmeiras de macaco velho, seja o jogador Léo, capitão do Athletico Paranaense, sendo agredido por um torcedor com vários palavrões, incluindo macaco e seu preto, no jogo contra o Curitiba no Couto Pereira, seja na Espanha, com as dezenas de casos envolvendo Vinicius Junior, inclusive agora no jogo contra o Real Sociedad pela semifinal da Copa do Rei.
Fato que é que um profissional com um mínimo de bom senso, observe que falei bom senso e não letramento racial, faria o seu dever de dar chance do garoto falar e, humanamente falando, acolhê-lo, pois, como o próprio Luighi bem pontuou, eles são garotos da formação, ou seja, jovens que estão sendo trabalhados fisicamente, psicologicamente e estruturalmente, para amanhã ser jogador. Jovens que têm muitos anseios, medos e incertezas que a última coisa que precisam é um descaso após sofrer uma violência que é crime. Tem que ser muito frio, ou coisa pior, para ver o choro do garoto, a boca trêmula, a fala embargada e se limitar a um “obrigado”.
Enquanto a imprensa estiver na mão de pessoas brancas que têm como único foco a manchete, mesmo que custe a dor do outro, vários Luighis serão vítimas dentro de campo, revitimizado na entrevista pós-jogo e virar chacota nas redes sociais. Com isso, um garoto que deveria tá preocupado em fazer gol e construir uma carreira, será marcado pelo seu choro. Choro essa que poderia ser evitado se a Conmebol punisse racista de forma dura, se a CBF pressionasse a Conmebol e se tivesse um repórter minimamente empático à beira do campo.