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Para afirmar que não é racista, deputada do Maranhão expõe trabalhadoras negras

Abigail Cunha ignora raízes racistas dos empregos domésticos no Brasil e usa uma consequência delas para dizer que gosta de mulheres negra

6 mar 2023 - 16h10
(atualizado às 16h14)
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Deputada Abigail Cunha postou foto com empregadas domésticas para mostrar que gostava de mulheres negras
Deputada Abigail Cunha postou foto com empregadas domésticas para mostrar que gostava de mulheres negras
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A deputada estadual Abigail Cunha, do PL, foi nomeada para Secretária da Mulher no estado do Maranhão. Como houve críticas que apontavam que a deputada não gostava de mulheres negras, ela achou de bom tom postar uma foto com duas mulheres negras que trabalham na casa dela com o seguinte texto: "Para quem anda dizendo que não gosto das mulheres negras. Puro preconceito, as donas da minha casa são negras e são mulheres de batalha e verdadeiras”.

A situação já é péssima, mas piorou com a estética da foto. Em uma análise semiótica rasa, fica latente a falta de tato e alienação da parlamentar. No texto, ela chama as funcionárias de “donas da minha casa” enquanto elas estão descalças e com proteção na cabeça para não cair cabelo. Ao mesmo tempo, ela, a verdadeira dona da casa, está completamente arrumada e sorrindo para foto.

Vocês não entenderam errado, ela expôs as trabalhadoras negras como justificativa de que não era racista. Logo as empregadas domésticas que, no Brasil, têm todo um histórico de racismo e sexismo estruturado no período da escravização.

Sempre me questiono o que essa galera interpreta como negro familiar ou, nesse caso, “as donas da casa”. Eu vou lá na escravidão e lembro que as pessoas negras que faziam parte da casa grande eram as mulheres negras com mais idade, a quem era limitada a cozinha, e as mucamas, que eram as arrumadeiras, acompanhavam as senhoras nos passeios, cuidavam das crianças dos senhores e, por vezes, eram também ama de leite delas.

As mucamas, muitas vezes, eram escolhidas a dedo pelos donos das propriedades, justamente para poder facilitar os assédios. E isso, na cabeça dos senhores, era visto como privilégio, já que havia um homem branco querendo se deitar com uma negra. Privilégio esse que, além de todos os abusos sexuais, não as privava de ir para o tronco, ficar sem comer e outros tipos de castigos por não querer ter relações com o sinhô. Além disso, essas mulheres negras eram vítimas dos ciúmes das sinhás e sofriam violências das mais variadas. Há relatos até de queimaduras faciais para desconfigurar seus belos traços.

Nessa breve e rasa análise, podemos entender o estereótipos de serventes negros em casa de brancos ainda hoje. É a cozinheira idosa, que é mãe de leite dos filhos dos patrões, que criou os filhos deles enquanto os dela se criavam sós, que traz a filha, ainda jovem, para ajudar a arrumar a casa, que essa filha será vítima dos assédios do seu “irmão” de leite, assim como sua mãe outrora foi assediada pelo patrão, e são esses assédios que farão o filho dos ricos ser enaltecido como TED (terror das empregadas domésticas) e seu pai se vangloriar dizendo “tal pai, tal filho.”

O “ser da família” é a falsa ideia branca de pensar que só permeiam o meio deles: ainda que como subalternos, devemos ser gratos pelas migalhas deixadas por eles e relevar toda violência recebida e ainda ser exibido como um "vale antirracista". Ser da família dá direito à herança ou só à cobrança? Ser “dona da casa” dá direito a morar ou só a trabalhar?

Não estou dizendo que as mulheres do caso da deputada passaram por algo que foi citado acima, tão pouco dizer que Abigail seja uma má pessoa. O que eu acho é que ela, nessa postagem, mostrou total inabilidade em lidar com questões de gênero que envolvam mulheres negras e periféricas. Com isso, a deputada deixa notório que seu conhecimento em questões raciais e de classe são pífios.

Mais uma vez a mulher negra é o calcanhar de Aquiles do feminismo liberal, que é formado por pessoas que só estão preocupadas em alcançar os mesmos privilégios do homem branco e rico, e não em alavancar as mulheres que estão abaixo delas na pirâmide social. Muito pelo contrário, colaboram com a manutenção da opressão que coloca mulheres periféricas naquele local de vulnerabilidade, enquanto lutam para que homens não ajam das mesma forma com elas.

Fonte: Redação Nós
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