"Nos preocupa uma diretriz para controlar o comportamento do aluno autista em vez de garantir acessibilidade e inclusão do estudante"
Instituto Jô Clemente (IJC), atendendo a pedido de Vencer Limites, analisa as recentes orientações do governo de São Paulo para alunos com o Transtorno do Espectro Autista na rede pública estadual; na semana passada, em reportagem exclusiva do blog, a Seduc-SP explicou as novas regras; outras instituições que atuam na área da educação para pessoas com deficiência foram procuradas, mas ainda não se posicionaram.
As novas diretrizes do governo de São Paulo para alunos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) na rede pública estadual já estão em aplicação neste ano letivo, mas ainda geram dúvidas de especialistas em educação especial e educação inclusiva, além das próprias famílias dos estudantes.
Na semana passada, em reportagem exclusiva publicada no blog e no episódio 179 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado, da Rádio Eldorado FM 107,3 SP, a consultora especialista em Inclusão e Educação Especial da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) de São Paulo, Ana Paula Oliveira, explicou alguns detalhes da nova diretriz.
Em janeiro, reportagem do blog e do episódio 174 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado, também exclusiva, mostrou que a 'Disciplina Paulista de Acessibilidade e Inclusão', articulada pela Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPcD), com temáticas fundamentais da população com deficiência, agora faz parte das aulas oferecidas aos alunos de todos os cursos de quatro faculdades públicas de São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), vinculadas à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (SCTI).
Tenho conversado com instituições que atuam na área da educação para pessoas com deficiência e cobrado dessas entidades posicionamentos a respeito das orientações do governo paulista, principalmente porque essas organizações conhecem profundamente o universo dos autistas e dos estudantes com deficiência, e podem levantar questionamentos que ajudem não só esclarecer as determinações, mas também a apoiar familiares na cobrança por atendimento de qualidade a seus filhos nas escolas.
O Instituto Jô Clemente (IJC) é a primeira entidade a fazer uma análise mais aprofundada, atendendo ao pedido do blog, com ponderações bastante importantes. Leia a íntegra abaixo.
"A recente diretriz do governo de São Paulo, voltada para estudantes com Autismo, trouxe à tona a necessidade de um olhar atento sobre o papel do Profissional de Apoio Escolar - Atividades Escolares (PAE/AE), figura esta que carece de respaldo legal infraconstitucional.
Acresça-se a preocupação que logo após o Decreto nº 67.635/2023, entrou em vigência o Decreto nº 68.415/2024, que traz outra figura não regulamentada em lei que é o atendente pessoal, tal profissional "não substitui os serviços e profissionais da Educação Especial, de que trata o Decreto n° 67.635, de 6 de abril de 2023", porém, reitera-se que o mesmo não possui respaldo legal.
À título de explicação, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), traz a figura do profissional de apoio, profissional este que tem a responsabilidade de auxiliar estudantes com deficiência em atividades essenciais, como alimentação, higiene e locomoção, além de prestar suporte durante as atividades escolares. Todavia, tal profissional não atua dentro da sala de aula, ademais, não atua em atividades que demandam atribuições técnicas e procedimentos específicos de profissões regulamentadas.
Por sua vez, a Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), garante aos estudantes com Autismo o direito a um acompanhante especializado quando inseridos no ensino regular. Contudo, tal legislação carece de clareza quanto à formação necessária e aos limites das responsabilidades desse profissional, criando uma lacuna legislativa preocupante. Essa indefinição tem levado a tentativas de regulamentação via PL's que muitas vezes são guiadas por perspectivas externas à educação, distorcendo os princípios e diretrizes da Educação Inclusiva.
Feitas estas ponderações, o artigo 19, item 2, do Decreto nº 67.635/2023, dispõe que o apoio escolar nas atividades escolares "incluirá suporte à comunicação e à interação social", o que exige uma análise criteriosa, para não incorrer em uma perspectiva funcionalista do corpo humano decorrente do modelo médico da deficiência.
Além disso, a ausência de regulamentação clara sobre as funções do PAE/AE no Decreto nº 67.635/2023 gera insegurança jurídica e dificulta a implementação de práticas pedagógicas verdadeiramente inclusivas. Sem uma delimitação funcional, corre-se o risco de transformar o apoio escolar em um instrumento de controle comportamental, interferindo no processo de ensino-aprendizagem e desconsiderando o papel essencial do professor como mediador do conhecimento.
Nos preocupa quando há diretrizes estabelecidas que focam na adaptação do estudante ao ambiente, em vez de modificar as barreiras estruturais e pedagógicas que dificultam sua participação plena, pois essa visão presume a incapacidade do estudante com Autismo e promove estratégias voltadas para modificar comportamentos considerados inadequados, em vez de garantir acessibilidade e inclusão deste estudante.
Ao estabelecer que o apoio escolar abrange suporte à comunicação e à interação social, chama-se atenção a falta de clareza e delimitação desta atividade. O apoio, quando mal delimitado, pode desconsiderar a autonomia do estudante e reforçar a ideia de que há um padrão normativo ao qual ele deve se ajustar.
A responsabilidade da inclusão deve ser compartilhada pela comunidade escolar e não transferida exclusivamente para práticas intervencionistas de áreas diversas da educação. Além disso, nos preocupa a criação de diretrizes específicas para um público da educação especial, pois isso pode fragmentar o processo educativo e limitar a efetividade da inclusão, reduzindo-a a uma adaptação individualizada em vez de uma transformação coletiva da escola. A educação inclusiva é para todos os estudantes", afirma o IJC.
Também a pedido do blog Vencer Limites, o Instituto Jô Clemente avaliou o Parecer n° 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado no ano passado pelo ministro da Educação, Camilo Santana. Leia a íntegra abaixo.
"O Instituto Jô Clemente (IJC) está analisando pedagógica e juridicamente o Parecer nº 50/2023 do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologado pelo Ministério da Educação (MEC), a fim de compreender seus impactos e implicações para a Educação Inclusiva no Brasil. Vale ressaltar que o IJC atua com base na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI - 2008), sempre em alinhamento com as diretrizes estaduais e municipais.
Dessa forma, o Instituto acredita que o ambiente escolar deve ser, acima de tudo, um espaço de aprendizado e desenvolvimento para estudantes com Autismo, acessibilizando o currículo por meio de um conjunto de atividades, recursos e metodologias para que o estudante tenha acesso ao conteúdo programático, como o "Currículo da Cidade" (que alinha as orientações curriculares do município à Base Nacional Comum Curricular - BNCC).
Nesse contexto, ressaltamos a importância da atuação integrada da Rede de Defesa e Garantia de Direitos do estudante, que envolve profissionais e Instituições das áreas de educação, saúde, assistência social, justiça, segurança e direitos humanos. Essa rede é um espaço pra discussão de casos que serão realizadas fora do ambiente escolar. Acreditamos que essa articulação interdisciplinar é fundamental para o estudo de caso do estudante, garantindo um atendimento adequado, inclusivo e personalizado, conforme as recomendações do Conselho Municipal de Educação", diz o Instituto Jô Clemente.
Vale ressaltar que, para este blog e o jornalista responsável por este espaço, instituições de credibilidade e sólida vivência na defesa da educação inclusiva de qualidade e dos direitos das pessoas com deficiência - a exemplo do próprio Instituto Jô Clemente (IJC), assim como o Instituto Rodrigo Mendes (IRM), a Turma do Jiló e o Instituto Serendipidade -, e também órgãos públicos dos mesmos segmentos, como a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPcD), acima de tudo, fazem parte de um grupo limitado de potenciais defensores do povo com deficiência diante de medidas que têm poder de construção ou destruição de direitos conquistados.
Este espaço está sempre aberto.