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'Na Alesp, alguns me veem como uma bicha chiliquenta', diz deputado Guilherme Cortez

Pré-candidato à Prefeitura de Franca, parlamentar conta sobre as barreiras que enfrenta por ser um LGBTQIA+ no legislativo paulista

1 jul 2024 - 12h21
(atualizado às 13h07)
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Foto: Alesp/Divulgação

Um dos deputados mais jovens deste mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Guilherme Cortez (Psol) cotidianamente vence, como o próprio afirma, o etarismo e a LGBTfobia para desempenhar a sua função no legislativo paulista. Bissexual com orgulho, o parlamentar, que já elaborou mais de 20 projetos voltados à comunidade sexodiversa, afirma que pela sua perseverança vem conquistando o respeito de seus pares, mesmo alguns ainda o considerando uma "bicha chiliquenta". 

"Incomodo porque não correspondo a esse ideal de masculinidade que você tem nos espaços. Embora não seja o único parlamentar, mas quando alguém vai se referir à comunidade LGBTQIA+ de forma pejorativa, se refere a mim", diz.

Além da diversidade sexual, meio ambiente também é uma prioridade na pauta política do parlamentar, que se auto intitula "viado verde", em referência à candidatura de Herbert Daniel em 1988. Segundo ele, a defesa da pauta ambiental deve ser uma prioridade no movimento LGBTQIA+ e em outros movimentos sociais.

Cortez justifica seu posicionamento: "De nada adianta nossas lutas, se não tivermos um mundo para habitarmos".

"Não tem como só defender as pautas LGBTs, porque não tem como você isolar quimicamente, como se fosse um cálculo estequiométrico, e falar: 'Essa aqui é a pauta LGBTQIA+ pura'. As pautas da população LGBTQIA+ são também de segurança pública, educação, saúde pública…", afirma.

Na conversa exclusiva para o Terra, ele ainda fala sobre sua pré-candidatura a prefeito de Franca, município do interior de São Paulo, o combate ao conservadorismo que "retarda o avanço das pautas LGBTs" e a agressão que sofreu por homofobia quando universitário.

Confira abaixo trechos da entrevista.

De onde surgiu este desejo de concorrer a um cargo eletivo na política?

Desde criança, gosto muito de política institucional. Minha entrada na política, por coincidência, ocorreu no mesmo período de descoberta da minha sexualidade. Por volta dos 15 anos, passei a me entender como um homem bissexual, e, na mesma época, comecei a me envolver também com o movimento estudantil. Então, a minha militância política sempre esteve muito ligada às pautas da comunidade LGBTQIA+.

Naquela época, somente havia uma representação LGBTQIA+ na política institucional, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). A representatividade dele foi muito importante para mim, porque podia me imaginar ocupando espaços na política institucional. Como ele, sou LGBTQIA+ e gosto de política.

O tempo passou, fui fazer faculdade no interior de São Paulo e continuei me envolvendo muito com política e me filiei ao Psol. Escolhi esta sigla porque, desde aquela época, a pauta LGBTQIA+ é tratada com muita centralidade e compromisso, mesmo quando o governo Dilma dava umas vaciladas e negociava o tema para atrair alguns apoios. 

Em 2020, eu e mais um grupo de pessoas chegamos à conclusão que precisávamos ocupar um espaço político. Então, fui candidato a vereador em Franca, que é uma cidade conservadora, com muitos casos de violência. Eu próprio já fui vítima de violência física por conta da minha sexualidade. 

Neste pleito, tivemos um grato resultado, fui o quarto candidato mais votado da cidade, mesmo levando a bandeira LGBTQIA+, que muita gente dizia que não teria viabilidade eleitoral. Por causa do quociente eleitoral, não tive votos suficientes para ocupar um mandato. 

Já na eleição seguinte, vi a necessidade de continuar utilizando essa audiência que eu tinha conquistado e tivemos um resultado muito surpreendente para todo mundo, pois fui eleito. Digo que não tem precedentes na minha situação, pois sou um dos deputados mais jovens da Alesp [Assembleia Legislativa de São Paulo], um dos poucos LGBTs, de uma região que nunca tinha eleito ninguém de esquerda, e com a campanha mais barata do Estado. Então, se você examinar friamente, ninguém diria que a gente tinha chance de se eleger, porque não tinha nenhum caso que se assemelhasse.

A Alesp está preparada para receber homens que questionam os estereótipos de masculinidade? Já sofreu algum preconceito explícito no exercício do seu mandato?

É uma quebra de paradigmas todos os dias. A Alesp é majoritariamente conservadora, com muita oposição às pautas da comunidade LGBTQIA+. Quando você é uma pessoa LGBTQIA+ dentro desse espaço, você é o alvo de todo esse combate à diversidade. Hoje, nós temos sete mandatos, inclusive dois coletivos com composição de pessoas LGBTs. Neste grupo, sou o único homem. Em mim cai a pecha da bicha afetada e chiliquenta. Como sou muito jovem, quando os deputados querem me atacar, eles não rebatem as minhas ideias, mas me atacam pela idade. "Você é um jovem LGBT que é muito impetuoso", diz um. "Você é escandaloso", diz outro. 

Incomodo porque não correspondo a esse ideal de masculinidade que você tem nos espaços. Embora não seja o único parlamentar, quando alguém vai se referir à comunidade LGBTQIA+ de forma pejorativa, se refere a mim.

Todos os dias, sinto que não estou lá me representando, mas representando toda uma comunidade. Então, quando uma pessoa me ofende ou ofende a nossa comunidade é meu dever contrapor. Caso contrário, estamos abrindo um precedente para esse discurso de ódio. Preciso mostrar que a política institucional também é espaço para as pessoas LGBTQIA+, e para as pessoas jovens. Ser desse jeito não torna a minha atuação pior, pelo contrário. 

Tenho 26 anos, sou bissexual, e falo abertamente da minha sexualidade. Isso não me torna uma pessoa menos competente e séria, pelo contrário. Isso me permite refletir a realidade de uma população que, na maior parte das vezes, o Legislativo se fecha ao ouvir. 

Não teve nada explícito até agora, mas eu sinto pelos olhares e provocações. Eles querem que você caia numa pilha, fazem de tudo para te tirar do sério e aí poderem falar: 'Deixei a bixa louca' ou 'Fiz ele sair do sério'. Eles procuram essa reação, para depois me desmoralizar.

Foto: Alesp/Divulgação

Você se considera um exemplo para os demais LGBTs, por estar desbravando o caminho na política institucional?

Tenho certeza! A maior parte dos deputados são de direita, sou uma exceção. Algumas pessoas me veem e falam: 'Nossa, você não parece deputado'. Seja pelos trejeitos, pela idade, aparência, ou roupas, reconheço que sou um corpo estranho naquele espaço. Quando cheguei, muitos deputados conservadores me pré-julgaram como uma pessoa desqualificada. Hoje, um ano e meio depois, tenho orgulho de dizer que sou um deputado respeitado na Alesp. Conquistei esse respeito. Tem uns que nunca vão me respeitar, porque tem aversão a pessoas como eu, independente do que eu faça. 

Já ouvi de muitos parlamentares que conquistei o respeito deles. Mesmo discordando uma vez ou outra das minhas colocações, eles consideram pautas muito pertinentes. Assim, vamos reeducando esse espaço e essas pessoas. A maioria delas nunca conviveu com uma pessoa LGBTQIA+ e muito menos conversava de igual para igual. Vamos redesenhando esses paradigmas a partir do trabalho que estamos fazendo.

Uma de suas pautas prioritárias é a defesa do meio ambiente. Como avalia a discussão sobre o tema no Brasil, sobretudo entre a comunidade LGBTQIA+? 

Estes dias, estava lendo um livro sobre a história de Herbert Daniel, que foi um dos pioneiros do movimento LGBTQIA+ no Brasil. Ele foi candidato em 1988 a deputado estadual no Rio de janeiro e suas causas principais eram a comunidade e o meio ambiente. Dessa forma, o chamavam na campanha de "Viado Verde". Eu também me considero um "Viado Verde", porque tomei estas causas como prioridade no mandato.

Não só a população LGBTQIA+ não está consciente, mas a sociedade em geral. Estamos com um atraso nisso, não só o Brasil, mas o mundo inteiro. E as consequências estão cada vez mais explícitas, até porque a gente tem uma tendência de colocar tudo em caixinhas. Então, muita gente se surpreende e fala: 'Nossa, mas você é LGBT e o que que isso tem a ver com o meio ambiente?'. Tudo, porque a população LGBT faz parte do mundo que a gente vive e, se tivermos uma crise ambiental, toda a população LGBT será afetada -- e quem não é também. 

Não tem como só defender as pautas LGBTs, porque não tem como você isolar quimicamente, como se fosse um cálculo estequiométrico, e falar: 'Essa aqui é a pauta LGBTQIA+ pura'. As pautas da população LGBTQIA+ são também de segurança pública, educação, saúde pública…

Acontece que nós, historicamente, sofremos com a vulnerabilidade e com a discriminação e, consequentemente, ficamos mais prejudicados na garantia de nossos direitos. As pessoas falam: 'Quando choveu no Rio Grande do Sul, a enchente não olhou sexualidade, etnia, ou gênero da pessoa'. Isso é correto, mas sabemos que as pessoas, de acordo com seus marcadores sociais, vão estar mais ou menos expostas aos desastres ambientais. Não por acaso, as pessoas que moram na periferia foram mais atingidas.

Acho que a pauta da mudança climática tem tudo a ver com a população LGBTQIA+, e com todos os movimentos -- sindical, estudantil, feminista, negro --, porque não vai ter igualdade e nem cidadania em terra arrasada. Não conseguiremos lutar pela liberdade sexual e a igualdade se não tivermos planeta daqui a 20 anos. 

Todos os nossos movimentos sociais estão, em alguma medida, atrasados em incorporar essa pauta na sua luta, e a gente precisa colocar isso como prioridade. 

O que acha do desempenho de outras parlamentares LGBTQIA +, como Erika Hilton, Duda Salabert, Leci Brandão e Erika Malunguinho?

Eu me inspiro muito nos trabalhos destes mandatos. Não existe um clima de concorrência e de competição, até porque, na maior parte das casas legislativas, talvez com exceção da Alesp e do Congresso Nacional, é uma pessoa LGBTQIA+ sozinha.

Nós criamos uma rede de apoio e nós passamos por situações muito semelhantes. Claro que as parlamentares trans estão sujeitas a outros tipos de violência e discriminação, por exemplo. Cada um desses mandatos, na sua esfera e com conjuntura específica, tem conseguido avançar ou tem lutado muito para isso. 

Esses 18 mandatos conquistados em 2018 é um avanço civilizatório para o Brasil. Precisamos reconhecer as dificuldades, mas não podemos deixar de reconhecer os avanços, pois a nossa presença em cada uma dessas casas legislativas, com certeza, tem mexido com as estruturas e avançado, por mais difícil que seja, em direitos e políticas públicas para a nossa população.

Quais são os projetos de lei voltados para a população LGBT que seu mandato propôs?

De acordo com levantamento do Vote LGBT, sou o deputado que mais propôs projetos de lei para a população LGBTQIA+ no ano passado. Naquela época eram 10, e hoje já passam de 20. Tem projetos, por exemplo, que são simbólicos, mas aprendi na legislatura que não são menos importantes. 

Ter, por exemplo, no calendário o Dia do Orgulho LGBT e o Dia da Visibilidade Trans, na prática, não muda as coisas. Porém, em uma sociedade que você tem uma parcela dos representantes políticos negando a existência da diversidade sexual, ter estes marcos é muito importante. E não pense que por ser mais simples é mais fácil de ser aprovado, porque os deputados não querem sequer ver um dia no calendário que faça referência à nossa comunidade.

Mas não nos restringimos somente ao simbolismo. Temos, por exemplo, um projeto para instituir o Conselho Estadual de Direitos da População LGBT, que já existe por meio de decreto, o que é um instrumento mais precário, pois pode entrar um novo governo e decretar a extinção. Inclusive, no governo Tarcísio de Freitas, este conselho está sendo desmontado e ficou mais de um ano sem se reunir.

Junto com a bancada feminista, temos um projeto para instituir cotas para pessoas trans nas universidades. Trata-se de um passo importante para garantir o acesso ao ensino superior dessas pessoas. Estamos completando 10 anos da lei de cotas raciais e podemos fazer o balanço de que essa iniciativa transformou as universidades. Porém, atualmente, a população trans está absolutamente deixada de fora do ensino superior, e isso tem consequência na empregabilidade e na qualidade de vida de muitas pessoas trans. 

A maioria das pessoas trans sequer conseguem concluir os estudos do ensino básico, porque fazem a transição na escola e sofrem com bullying e abandonam os estudos... Que dirá conseguir fazer um cursinho e entrar em uma faculdade para completar uma graduação.

Na eleição deste ano, o senhor é pré-candidato à Prefeitura de Franca. Como andam suas expectativas para o pleito?

Estão ótimas. Várias pesquisas indicam que nós temos chance de disputar o segundo turno numa cidade que se diz muito conservadora e que tem índices absurdos de violência contra as mulheres e a população LGBTQIA+. Outro dia me perguntaram: 'Franca está preparada para ter um prefeito LGBT?'. Digo que 'claro'. No fundo, essa pergunta incute uma ideia de que não é arriscado ter uma pessoa LGBT, uma mulher, uma pessoa negra à frente de uma cidade. 

Há uma ideia de que só sabem fazer política os homens brancos, mais velhos e mais ricos. Só que a política que essas pessoas fazem não é boa para a maior parte da população, porque eles governam a partir do ponto de vista de seus privilégios.

Faria bem para Franca ter um prefeito LGBTQIA+, assim como um prefeito negro ou uma prefeita, mulher. Com isso, a gente tem mais representatividade na política. Isso não deveria assustar quem não é LGBT, porque uma cidade que tem as melhores políticas públicas para um setor da população mais vulnerável, consequentemente, vai ter políticas melhores para todo mundo. Se conseguirmos garantir uma cidade segura para as travestis, esta é a cidade mais segura do mundo, pois se trata do segmento da população que é mais marginalizado e empurrado para informalidade.

O grande desafio é mostrar para a maior parte da população, que é carente de políticas públicas, que temos mais semelhanças do que diferenças. Por exemplo, um homem heterossexual que mora na periferia quando vai em um posto de saúde e não é bem tratado tem mais relação comigo, que sou LGBTQIA+, e passo por isso.

Deputado, pode falar do caso de agressão física por LGBTfobia que sofreu?

Em 2016, quando cheguei em Franca, estava numa praça com um menino. Nós não estávamos namorando e nem fazendo nada demais. Só que, sei lá, eram visivelmente duas pessoas homoafetivas juntas. Fomos botados para correr pelos meninos que estavam no local debaixo de pedra. A gente saiu correndo e só parei quando cheguei em casa. 

Foi uma experiência que me marcou muito, porque estava chegando à fase adulta, tinha 18 anos recém-completos, e ainda estava numa outra cidade. Esse episódio me despertou para a realidade da dureza de ser LGBTQIA+ no Brasil e me marcou muito na época. Não cheguei a fazer boletim de ocorrência, o que me arrependo hoje.

Fonte: Redação Terra
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