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Mãe Stella: "o racismo não pode incendiar o que foi essa grande mulher"

Com estátua vandalizada pela segunda vez em Salvador, a ialorixá dedicou a vida no combate ao racismo e intolerância religiosa; conheça mais sobre ela

6 dez 2022 - 10h43
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Imagem mostra a sacerdotisa de candomblé Maria Stella de Azevedo Santos
Imagem mostra a sacerdotisa de candomblé Maria Stella de Azevedo Santos
Foto: Imagem: Reprodução/Redes Sociais / Alma Preta

"Mãe Stella de Oxóssi foi uma pessoa que fez os adeptos do candomblé se sentirem orgulhosos de serem filhos de orixá. Nunca preto se sentia à vontade quando o assunto era religião e negritude. E, do jeitinho dela, ela mudou isso. Fez o culto a orixá soar natural, orgânico e acolhedor". É o que aponta o babalorixá Anderson Martins de Oliveira, que possui um terreiro de candomblé na zona norte de Salvador (BA).

O que o líder religioso fala sobre Mãe Stella é verdade: a sacerdotisa dedicou a vida na luta contra a intolerância religiosa e racismo, mas nem após sua morte conseguiu alcançar o feito: recentemente, a estátua em homenagem à Mãe Stella foi incendiada em Salvador, no último domingo (4).

Segundo a prefeitura da capital baiana, foi registrado o crime na 12ª delegacia, em Itapuã, para acompanhamento das investigações do caso pelas autoridades policiais. A estátua danificada de Mãe Stella será retirada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Desal), para ser recuperada.

Esta é a segunda vez que a obra é vandalizada e ninguém foi preso pelo crime. A obra foi confeccionada em resina de poliéster e fibra de vidro, pelo artista plástico Tatti Moreno - que morreu em julho deste ano.

"É uma forma de tentar incendiar o que preto macumbeiro representa: a liberdade. Fiquei muito triste em saber o que houve com a estátua, e me pergunto quantas estátuas de padres também são vandalizadas. Mas isso não acontece, não é? Branco nunca vai saber o que nós estamos sentindo", lamenta Anderson.

Quem foi Mãe Stella de Oxóssi

Maria Stella de Azevedo Santos - ou Mãe Stella - nasceu no dia 2 de maio de 1925 e é considerada uma das líderes religiosas de candomblé mais influentes do Brasil. Iniciada na religião aos 14 anos de idade para Oxóssi, ela viveu 80 anos dentro do culto, guiada no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá - casa que chegou a liderar por mais de quatro décadas.

Além de sacerdotisa e conhecedora das tradições candomblecistas, Mãe Stella também era enfermeira e escritora. Formada em enfermagem, a ialorixá exerceu a profissão na área da saúde por cerca de 30 anos.

Quando completou 51 anos, Mãe Stella foi escolhida para ser a nova ialorixá do Ilê Axé Opó Afonjá, que fica no bairro de São Gonçalo do Retiro, em Salvador. A líder religiosa foi a quinta sacerdotisa a comandar a casa, que sempre foi matriarcal desde a sua fundação, em 1910, por Mãe Aninha.

"Eu aprendi muito com Mãe Stella, pouco pessoalmente, mas muito na internet, livros. Para mim, ela sempre serviu de inspiração, tanto de como conduzir um ilê axé, quanto de como se portar para o mundo sendo de candomblé", avalia o babalorixá Anderson.

Lutas e conquistas

Com muito trabalho, em 1999, Mãe Stella de Oxóssi conseguiu que o terreiro em que ela era líder fosse tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Além disso, a mãe de santo recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBa) em 2005. Quatro anos depois, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) concedeu a mesma honraria.

No ano de 2013, a mãe de santo foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia, para ocupar a cadeira de número 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves. Ela publicou nove livros, entre eles "Meu tempo é agora" e "Òsósi - O Caçador de Alegrias".

Mãe Stella também foi homenageada com outros títulos, como a Comenda Maria Quitéria, a Ordem do Cavaleiro e a Ordem do Mérito, da Prefeitura de Salvador, Governo da Bahia e Ministério da Cultura, respectivamente.

No ano de 2017, a sacerdotisa idealizou um aplicativo com orientações e mensagens de fé para adeptos da religião afro. No mesmo ano, ela criou um canal no YouTube, local em que compartilhava ensinamentos e referências da cultura iorubá, memórias, depoimentos e textos sobre a sua longeva vida.

Opiniões e trabalhos

"Creio que um dos pontos que mais concordei com Mãe Stella é a respeito do sincretismo religioso. Eu entendo que em algum momento ela foi necessária, mas hoje em dia, precisamos cultuar Ogum como Ogum, para que ele possa ser Ogum e não São Jorge", salienta Anderson Oliveira.

Mãe Stella de Oxóssi sempre manteve um posicionamento preocupado em garantir a preservação da cultura negra. Por essa razão, ela condenava o sincretismo religioso, pois defendia as particularidades de cada religião e não concordava com a associação de orixás aos santos católicos.

À frente do Ilê Axé Opô Afonjá, a Mãe Stella montou o primeiro museu aberto em uma casa de candomblé na história da Bahia. Por lá, é possível fazer visitas e ver as roupas e os objetos usados pelas mães de santo da casa e pelos orixás.

Em 2018, Mãe Stella morreu aos 93 anos, depois de ficar cerca de 15 dias internada em um hospital de Santo Antônio de Jesus, para tratar uma infecção urinária, que causou insuficiência renal crônica associada a hipertensão arterial sistêmica.

"É uma perda para nós sua morte, mas um retorno dela para Oxóssi, então, não devemos sofrer. O que nós, candomblecistas, precisamos é lutar para que sua memória seja honrada e que o racismo não apague ou incendeie o que foi essa grande mulher", finaliza o babalorixá Anderson.

'Orixá não tem cor? Sincretismo religioso e o apagamento da negritude'

Alma Preta
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