Caso Miguel: TST vê privilégio branco e condena Sari e marido
Decisão se baseia no conceito de racismo estrutural e manda casal pagar indenização de R$ 386 mil reais
Sergio Hacker Corte Real e Sari Mariana Costa Gaspar Corte Real - ex-prefeito e ex-primeira dama de Tamandaré (PE), envolvidos na morte do menino Miguel, em Recife, em junho de 2020 -, foram condenados a pagar uma indenização de R$ 386 mil reais que será destinada a um fundo de trabalhadores. Em decisão histórica, a sentença foi dada pelos ministros da 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) embasada no conceito de privilégio branco.
"[A morte de Miguel] é o desfecho de uma cadeia de problemas estruturais envolvendo as violações trabalhistas sofridas pela família de Mirtes", disse o ministro Alberto Balazeiro, relator do caso no TST, se referindo à mãe de Miguel. A declaração foi dada à Repórter Brasil.
Filho de Mirtes Renata Santana, uma das empregadas domésticas de Sergio e Sari, Miguel tinha cinco anos quando morreu após cair do 9º andar do prédio de luxo em que o casal morava. O menino estava aos cuidados da patroa da mãe para que ela passeasse com o cachorro da família dos empregadores.
Contração fraudulenta
O caso julgado pelo TST não diz respeito ao processo criminal da morte do menino, que ainda está em curso, mas, sim, à contratação fraudulenta de Mirtes e sua mãe. "Trata-se de um casal em que o marido era prefeito de uma das cidades da região metropolitana de Recife e estava usando o trabalho doméstico de duas trabalhadoras negras em sua casa durante o período de pandemia sem qualquer adoção de medidas de segurança e de defesa para a saúde delas", ressaltou o ministro José Roberto Freire Pimenta durante o julgamento.
"E alega no processo que elas não eram suas empregadas, e sim do município, e que ele tinha desviado as trabalhadoras para trabalhar em sua residência, como se ainda vivêssemos no período colonial", completou o ministro.
"Em virtude dessa ideologia racista operante no mundo do trabalho, mantiveram-se intocados os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas que ao longo da história lucraram em cima da mão de obra negra", escreveu o relator em sua decisão, utilizando o conceito de privilégio branco para justificá-la. O privilégio branco, vale ressaltar, mostra como a sociedade está condicionada a beneficiar essas pessoas apenas pela cor da pele, como herança do racismo.
Reparação
A reparação por danos morais coletivos foi requerida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de Pernambuco por meio de uma ação civil pública. O TST entendeu que a história de Mirtes agride todas as mulheres negras que trabalham como empregadas domésticas no país.
"Se o Judiciário não tiver uma mudança de olhar no julgamento dessas questões, haverá um incentivo à prática da exploração e um desestímulo para a denúncia das trabalhadoras, que não possuem recursos e podem ser vítimas de perseguição e ameaças ao longo do processo", observou o ministro Balazeiro.