Motociata de Bolsonaro: carros parados e infração de trânsito
Os efeitos de mais um passeio de motocicleta com a participação do presidente Bolsonaro perante as leis, a mobilidade e a cultura da moto
O presidente Jair Bolsonaro participou de mais uma motociata pré-campanha eleitoral. Bolsonaro tem usado essas motociatas (como convidado) para engajar os apoiadores de seu governo. A motociata da Sexta-Feira Santa, entretanto, provocou muitas críticas por causa dos efeitos provocados.
Os proprietários e usuários de automóveis, que têm sido castigados pelo alto preço dos carros, pelos altos custos dos combustíveis e pelos altos custos de manutenção de seus veículos, agora têm um ingrediente extra para se preocupar: passeios de moto presidenciais, cada vez mais frequentes. Recentemente, o governo Bolsonaro reduziu o IPI dos automóveis, o que fez a indústria automobilística baixar um pouco o preço de vários modelos, mas as vendas não reagiram.
Segundo as críticas, a motociata de Bolsonaro, que teve a participação de 3.703 motos, deixou como saldo duas infrações de trânsito por parte do presidente, um custo de R$ 1 milhão no aparato do governo do Estado de São Paulo e milhares de carros e caminhões parados por causa de uma interdição de cinco horas na Rodovia dos Bandeirantes, uma das mais importantes do país, que liga São Paulo e Campinas, as duas maiores cidades paulistas.
A Agência Brasil noticiou que “a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo informou que faz a segurança do evento com aeronaves, drones e viaturas, envolvendo um total de 1,9 mil policiais. O custo do esquema é, segundo a pasta, de R$ 1 milhão”.
Segundo o site Auto Papo, Bolsonaro cometeu duas infrações de trânsito ao não utilizar um capacete conforme determina a Lei 14.071 que regulamenta o assunto: “Segundo a norma, é infração média conduzir uma motocicleta ou um ciclomotor com a utilização de capacete de segurança sem viseira ou óculos de proteção ou com viseira ou óculos de proteção em desacordo com a regulamentação do Contran.”
“A penalidade é multa no valor de R$ 130,16 e retenção do veículo até regularização”, disse o Auto Papo. “Até abril de 2021 rodar sem a viseira era infração gravíssima, com multa de R$ 293,47 e recolhimento da habilitação.” O site também observa que, “segundo a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) nº 453, só é permitido pilotar motos em vias públicas utilizando um capacete certificado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).”
O maior transtorno ocorreu pelo fato de a motociata ter sido realizada num feriadão. Na última quarta-feira (12), a CCR Autobahn, que administra as rodovias Bandeirantes e Anhanguera, havia informado em nota que esperava “a circulação no Sistema Anhanguera-Bandeirantes de aproximadamente 750 mil veículos, entre saída e chegada à Capital, no período de quatro dias: de quinta-feira (14/04) a domingo (17/04)”. Um dos períodos de maior movimento seria na Sexta-Feira Santa, entre 8h e 14h.
Na quinta-feira (14), a CCR Autobahn soltou outro comunicado anunciado “medidas operacionais” em conjunto com a Polícia Militar Rodoviária e que a “Rodovia dos Bandeirantes (SP-348) entre São Paulo e Santa Bárbara D’Oeste será interditada pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv), a partir das 8h desta sexta-feira, 15 de abril, em função de evento com motociclistas”.
Segundo o site G1, a motociata de Bolsonaro bloqueou a Rodovia dos Bandeirantes durante cinco horas. A CCR Autobahn esperava a circulação de 750 mil veículos pelo Sistema Anhanguera-Bandeirantes nos três dias de feriado. A Bandeirantes ficou interditada das 8 às 13 horas no sentido interior para o passeio do presidente seus apoiadores, entre os km 13 e 154. Houve lentidão de 54 km.
Não é a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro comete infração de trânsito durante as motociatas. Em março, segundo o G1, ele cometeu uma infração de trânsito ao realizar um passeio de motocicleta em Quixadá, no interior do Ceará, sem o uso do capacete. “O vídeo foi publicado nas redes sociais do próprio presidente. Bolsonaro esteve na cidade para entregar obras de abastecimento de água do município e lançar o programa Força-Tarefa das Águas”, noticiou o G1.
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, conduzir motocicleta sem o uso de capacete, assim como a falta do capacete no passageiro, são infrações gravíssimas, sujeitas a multa de R$ 293,47 e suspensão do direito de dirigir.
Estética fascista: só a moto é um símbolo?
Outra crítica que se faz aos passeios de moto de Bolsonaro é a semelhança com a estética fascista adotada por Benito Mussolini, líder italiano do início do século XX.
Historicamente, existe uma disputa por espaço no trânsito entre carros e motos. Especialmente na capital paulista, os motociclistas conseguiram impôr uma faixa imaginária entre os carros que ficam na última faixa da esquerda e os carros que estão à sua direita.Os motoristas que ficam um pouco à direita, atrapalhando o fluxo de moto nesse corredor, acabam sendo xingados por alguns motociclistas. Há também muitos casos de chutes na carroceria dos carros.
Apesar das coincidências entre as ações de Mussolini e Bolsonaro, a cultura da motocicleta não pode ser diretamente associada ao fascimo. “Imagens de força, potência e vigor são caras ao fascismo. Elas contribuem para fixar no imaginário a ideia de raças superiores. Nessa visão, a tecnologia é concebida como extensão do corpo humano, capaz de torná-lo mais vigoroso. É este o significado que se oculta por trás da apologia fascista das armas e outras engenhocas, incluindo meios de transporte como o automóvel, o avião… e a motocicleta”, afirma Fábio Palácio, jornalista, doutor em ciências da comunicação pela ECA/USP, em artigo no site da Fundação Maurício Grabois.
“Mussolini, apaixonado por automóveis e competições, era proprietário de um Alfa Romeo 6C 1750, carro que competiu nas mil milhas italianas de 1936, dirigido por seu motorista particular Ercole Boratto, que tinha sido piloto de testes da mesma Alfa Romeo”, escreve Palácio.
Não se trata, portanto, de colocar em lados opostos usuários dos carros e usuários das motos. A estética fascista se faz presente também com os automóveis. Para os críticos do fascismo, em algum momento o que parece ser uma celebração da liberdade poderá se tornar um transtorno maior do que a interdição de uma importante rodovia durante cinco horas. A motocicleta, assim como o carro, é apenas um símbolo.
“Estamos diante do debate sobre concepções de modernidade, e o fascismo também esboçou a sua”, diz Palácio. “É um tipo de ideário mecanicista, que tende a ver o futuro do ser humano à luz da metáfora da máquina.”