Lecar Campo, picape híbrida brasileira, causa alvoroço no Salão do Automóvel
Picape exposta no Anhembi provoca “corrida de jornalistas” para ver o protótipo, mas todos foram convidados a se retirar do recinto
DIRETO DO SALÃO DE SÃO PAULO – A inédita Lecar Campo, picape híbrida brasileira, causou um pequeno alvoroço entre os jornalistas presentes no Salão do Automóvel 2025. No início da tarde desta quinta-feira, 20, as portas do auditório foram abertas para a apresentação da Lecar. No canto do palco a picape estava lá, na cor azul. Mas, de fato, não era uma picape.
A Campo exposta era apenas um protótipo, ou melhor, um mockup, que tinha apenas a carroceria, rodas e pneus. Os pneus traseiros estavam apoiados sobre dois carrinhos – por enquanto, foi a única novidade que precisou ser empurrada para entrar no palco das apresentações. Mas, calma, é cedo para tirar conclusões. Os carros têm propostas interessantes.
Curiosamente, ao fundo havia o logotipo da marca britânica MG, que agora pertence à chinesa SAIC, enquanto um executivo da MG treinava para sua apresentação. Decidi ir até o palco e fotografar a Lecar Campo de perto, e filmar. Em seguida uma enxurrada de jornalistas fizeram o mesmo e armou-se uma grande aglomeração. A picape não tem interior, não tem vidros, não tem motor, não tem chassi, nem suspensão, nada. Nem freios ou sequer volante de direção.
Os jornalistas foram convidados a se retirar, porque o recinto precisava passar por uma varrição de segurança para a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à noite. Uma coisa é certa: se conseguir produzir a picape Campo, a Lecar pode despertar grande interesse do público. Basta ver a quantidade de jornalistas que correram até ela e o alvoroço que causou.
Lecar é uma boa ideia nacionalista, mas negocia parceria chinesa
Cerca de meia hora depois, a Lecar voltou. Ou melhor, o dono da Lecar, Flavio Figueiredo. Vestia-se de forma informal, com uma camisa de time de futebol, os cabelos soltos e desajeitados, como um Roberto Carlos dos anos 70. Falou de improviso.
Ao longo de sua fala ficou claro que a Lecar não é exatamente uma montadora capaz de fabricar os carros que promete, mas uma ideia. Uma boa ideia. Nacionalista, o que talvez esteja na contramão do modelo de negócio da indústria automotiva mundial. As cores verde, amarelo, azul e branco foram abundantes. A Lecar é o próprio Figueiredo, apoiado por Rodrigo Rumi (ex-diretor de marketing da Caoa Chery), Romis Carmo (designer) e muita Inteligência Artificial.
Figueiredo disse que a Lecar está em conversação com uma montadora chinesa “com grandes ambições” para fazer parceria. Aparentemente, o objetivo parece ser esse. Se uma grande montadora comprar o projeto da Lecar, o potencial de fazer sucesso é grande. Até o local da fábrica foi estrategicamente escolhido: Sooretama, no Espírito Santo, por ficar perto da produção de aço e numa região que pode ter incentivos fiscais da Sudene.
Depois de mostrar imagens muito bonitas (inclusive em movimento) da picape Campo, do pioneiro Lecar 459 e do novo SUV Tático, Figueiredo chamou Rumi para falar dos aspectos comerciais e finalizou com a presença do prefeito de Sooretama, Fernando Camiletti. Figueiredo e Camiletti se viraram de costas para o palco para ver as imagens de Sooretama no telão. Por estarem contra a luz, formou-se uma silhueta de ambos, como se estivessem vendo o futuro – ou sonhando com ele.
Muitos jornalistas não acreditam no projeto, mas ninguém o ignora
No palco, muitos jornalistas davam pouco crédito às chances de realização da produção da Lecar. Mas ninguém ignorou. E o design dos carros, bem como a ideia de usar um sistema híbrido flex e também fabricar carros elétricos de entrada, baratos, para popularizar essa nova tecnologia, receberam elogios.
Segundo Rumi, a Lecar já tem cinco concessionárias, localizadas em São Paulo, São Caetano do Sul, São Bernardo do Campo, Marília (SP) e Vitória (ES). Outras 90 estão em “processo avançado de negociação”. O investimento é baixo, apenas R$ 150 mil, aproveitando estruturas já existentes.
Embora não tenham nada além de um mockup, os modelos Lecar 459 e Lecar Campo já têm até preço: R$ 159.300 para ambos. A ideia da Lecar é utilizar oficinas já existentes e especializá-las para que a manutenção seja feita fora das concessionárias. Um projeto para ter pós venda barato e democratizar a assistência técnica. As concessionárias podem vender o Lecar 459 e a picape Campo em parcelas mensais a partir de R$ 2.212, com prazos de 48, 60 ou 72 meses.
Figueiredo reconhece que só é possível avançar com seu plano por meio de parcerias. Para a propulsão, por exemplo, ele diz ter parcerias com a Weg (mortores elétricos) e com a Horse (motores a combustão, mas só como extensor de economia). A Lecar quer usar o sistema EREV (igual ao da chinesa Leapmotor, da gigante Stellantis).
Ninguém pode afirmar com certeza que a Lecar vai conseguir produzir seus carros brasileiros. Os desafios da indústria automotiva hoje são 1.000 vezes maiores e 1 milhão de vezes mais complexos do que na época de Gurgel. Entretanto, a economia, os negócios e o mundo hoje é muito mais disruptivo. Vivemos na era da incerteza – e ela vale tanto para derreter coisas supostamente sólidas como para realizar coisas supostamente impossíveis. Parece ser o que move Flavio Figueiredo e a sua Lecar.