Indústria automotiva europeia ganha fôlego, mas futuro segue elétrico
Recuo da União Europeia no banimento total dos motores a combustão em 2035 dá mais tempo às marcas tradicionais, porém não muda o destino EV
A decisão de Bruxelas de flexibilizar a meta de 2035 para o fim dos motores a combustão interna não muda o rumo de longo prazo da indústria automotiva europeia – os carros elétricos seguem como o futuro dominante. A avaliação é de analistas e executivos ouvidos pela Reuters, em reportagem assinada pelo jornalista Nick Carey.
Na terça-feira, a Comissão Europeia publicou planos para abandonar o que seria, na prática, um banimento total dos veículos a combustão a partir de 2035. A mudança veio após forte pressão do setor automotivo europeu e busca dar mais competitividade às marcas tradicionais diante do avanço acelerado dos fabricantes chineses.
Europa agora quer incentivar elétricos pequenos e baratos
Com a nova proposta, continuam permitidos após 2035 os híbridos plug-in, os elétricos com extensor de autonomia – que usam um pequeno motor a combustão apenas para recarregar a bateria – e até modelos convencionais. Bruxelas também sugeriu a criação de uma nova categoria de pequenos elétricos, com incentivos adicionais para veículos produzidos na Europa – ponto central das reivindicações das montadoras.
Marcas premium como Mercedes-Benz e BMW ganham mais tempo para comercializar híbridos plug-in antes de uma transição total para veículos 100% elétricos. Já grupos como Stellantis e Renault, com forte presença em modelos compactos – como Fiat 500 e Renault Clio – tendem a se beneficiar diretamente da nova categoria de elétricos urbanos subsidiados.
O posicionamento europeu contrasta com o dos Estados Unidos. Sob o governo de Donald Trump, Washington reduziu o apoio institucional aos veículos elétricos, adotando uma postura bem menos favorável à eletrificação.
Mesmo com tarifas impostas no ano passado sobre elétricos fabricados na China, a União Europeia não conseguiu frear de forma significativa a expansão de marcas chinesas no continente. A Reuters observa que empresas como BYD e Changan seguem avançando, especialmente porque híbridos plug-in importados não sofrem tarifas adicionais. Além disso, fabricantes chineses ainda vendem modelos a combustão em mercados onde os elétricos têm baixa penetração, como Polônia.
Antes do anúncio de Bruxelas, a consultoria AlixPartners projetava que os veículos totalmente elétricos responderiam por apenas 62% das vendas europeias em 2035, justamente por dúvidas sobre a aplicação efetiva do banimento. Após a mudança, a empresa não prevê alterações relevantes nessa estimativa.
Vendas de elétricos na Europa cresceram 25,7% este ano
Segundo a Reuters, um ritmo mais lento de transição pode ter um efeito colateral positivo – dar tempo para a expansão da infraestrutura de recarga, apontada como um dos principais entraves à adoção dos elétricos. Dados do setor indicam que as vendas de carros 100% elétricos na União Europeia cresceram 25,7% até outubro, representando 16,4% do total. Ainda assim, o volume segue reduzido no sul e no leste do continente.
A revisão da política também gera desconforto em montadoras e fornecedores que investiram dezenas de bilhões de euros no desenvolvimento de elétricos e na ampliação de fábricas, com base em regras que só se tornaram lei em 2023. Por outro lado, analistas veem espaço para mais parcerias e compartilhamento de plataformas – especialmente para reduzir custos.
Um exemplo recente é a aliança entre Ford e Renault para desenvolver pequenos elétricos na Europa. Na véspera do anúncio da Comissão Europeia, a Ford divulgou uma baixa contábil de US$ 19,5 bilhões e o cancelamento de vários projetos de veículos elétricos.
Para Joe Stevenson, CEO da startup britânica Anaphite, especializada em tecnologias para reduzir custos de baterias, a flexibilização pode estimular cooperação entre fabricantes, algo essencial para viabilizar elétricos mais baratos.
Vaivém das regras europeias irrita o CEO global da Ford
Ainda assim, a instabilidade regulatória preocupa executivos. O CEO da Ford, Jim Farley, criticou as mudanças frequentes de rumo em Bruxelas e pediu previsibilidade. Em março, a Comissão já havia dado “fôlego” ao setor ao permitir que metas de emissões de 2025 fossem cumpridas ao longo de três anos, antes de novas revisões poucos meses depois.
– Não é assim que se planejam investimentos de longo prazo – afirmou Farley à Reuters. – Precisamos de certeza.
Mesmo com o recuo político, a leitura predominante é clara – a eletrificação pode avançar em ritmos diferentes, mas segue sendo o destino estrutural da indústria automotiva europeia.