Como Doom redefiniu a tecnologia nos anos 90
O salto técnico que ninguém esperava no PC doméstico
Existem jogos que marcam gerações, e existem jogos que rasgam o manual, queimam as regras e reescrevem tudo do zero. Doom pertence à segunda categoria. Lançado em 1993, ele não foi apenas um “jogo de tiro em primeira pessoa” que arrebatou o mundo — foi um terremoto cultural e tecnológico que moldou o futuro dos videogames, da internet e até da forma como interagimos com computadores.
E talvez a parte mais fascinante dessa história seja que nada disso parecia inevitável. Doom nasceu em uma época em que o PC ainda era visto como uma plataforma limitada para jogos, um território mais voltado para planilhas do que para adrenalina. E então a id Software surge, guiada pelo impulso criativo inesgotável de John Carmack e John Romero, e transforma o computador doméstico numa máquina de sonhos — ou de pesadelos pixelados.
O 3D que não era 3D
No papel, Doom não é tecnicamente 3D. E é justamente aí que mora parte de sua genialidade. A engine criada por John Carmack usava um “falso 3D”, um truque matemático engenhoso chamado ray casting, que dava ao jogador a ilusão perfeita de profundidade e imersão num mapa completamente navegável.
O resultado é que Doom parecia impossível para a época. A suavidade dos movimentos, a velocidade dos disparos e a sensação de estar realmente dentro de um corredor demoníaco eram completamente inéditas. A magia técnica estava nos bastidores: otimizações agressivas, cálculos inteligentes e uma arquitetura feita para extrair cada gota de desempenho de máquinas que, hoje, seriam humilhadas até por uma geladeira smart.
Essa combinação de visão artística com ousadia técnica virou assinatura da id Software — e Doom é o ápice dessa filosofia.
Multiplayer antes de dominar o mundo
Hoje, conectar-se online para enfrentar amigos é trivial. Em 1993? Era ficção científica debaixo de um modem barulhento. Doom foi um dos primeiros jogos a popularizar o multiplayer competitivo em rede local, o lendário deathmatch — um termo cunhado pelo próprio Romero.
Imagine a cena: escritórios travando guerras internas entre departamentos, universidades improvisando arenas digitais, LAN parties surgindo como encontros quase ritualísticos. Doom transformou conexões físicas em conexões sociais. Numa época em que a internet ainda engatinhava, ele já mostrava onde o futuro estava.
E, claro, ajudou a criar uma linguagem própria: frags, gibs, camper, rush… O vocabulário moderno dos FPS começou ali, nos corredores metálicos e infernais de Doom.
Modding: quando o jogador virou criador
Um dos maiores feitos de Doom foi abrir as portas para os jogadores transformarem o jogo. Com o lançamento de ferramentas e a engenharia reversa promovida pela comunidade, Doom inaugurou uma cultura de modding que ecoa até hoje.
Se você já explorou uma fase customizada, aplicou mods de textura ou até jogou Counter-Strike lá no início, agradeça a Doom. Ele mostrou que o game não precisa ser um produto final e fechado — ele pode ser um ecossistema, uma plataforma onde fãs têm liberdade para expandir o universo original.
Essa visão colaborativa moldou toda uma geração de desenvolvedores. Muitos criadores de jogos começaram fazendo WADs de Doom antes de ingressar na indústria.
A internet cresceu junto com Doom
É difícil imaginar hoje, mas Doom era tão popular que sobrecarregou servidores universitários, gerou discussões em BBSs e se espalhou pela rede antes mesmo de a rede se tornar o que conhecemos. Ele virou um fenômeno viral antes de existir o conceito de “viral”.
Em 1994, estima-se que Doom estava instalado em mais computadores do que o próprio Windows. Além disso, o jogo se tornou uma ferramenta para testar hardware, medir desempenho e até demonstrar capacidades de novas plataformas.
Ainda hoje vemos versões rodando em calculadoras, micro-ondas, tratores e até testes de gravidez — uma tradição que virou piada interna da comunidade, mas que também reforça o quanto o código de Doom influenciou gerações inteiras de programadores.
Doom redefiniu a tecnologia e o futuro
Quando olhamos para os anos 90, vemos uma década de transição: do 2D para o 3D, do offline para o online, do caseiro para o global. Doom se posiciona exatamente no centro desse furacão. Ele não apenas acompanhou a revolução tecnológica — ele foi a revolução.
E aqui está o segredo: Doom não envelhece. Ele continua rápido, brutal e absurdamente divertido. Suas ideias ecoam em cada FPS moderno, suas conquistas técnicas ainda são estudadas e seu impacto cultural permanece forte como um tiro de espingarda à queima-roupa.
Doom não só redefiniu a tecnologia. Ele redefiniu o próprio universo dos games.