Pupo vence medo de morrer em Teahupoo e crê: pode levar WSL
Em entrevista exclusiva ao Terra, surfista ainda faz previsão ousada: nos próximos cinco anos, Brasil vai ter mais três títulos mundiais
Assustadoras e instigantes. Assim podem ser definidas as ondas de Teahupoo, no Taiti. Elas conseguem ser temidas e, ao mesmo tempo, desejadas por dez entre dez surfistas do planeta. O absurdo volume de água de cada sessão do pico, somado ao tamanho, formato e "peso" dos tubos - que quebram sobre uma rasa e perigosa bancada de coral -, são capazes de causar estragos. Que assustam até quem se sustenta com uma prancha aos pés.
É o caso de Miguel Pupo, surfista brasileiro de 23 anos e que compete há quatro na principal competição do planeta. Nascido em Maresias e amigo de infância do atual campeão mundial, Gabriel Medina, Pupo é um dos expoentes da Brazilian Storm e, prestes a cair na água do Postinho a partir desta segunda-feira para disputar a etapa do Rio de Janeiro da WSL (Liga Mundial de Surfe), não se preocupa em admitir: tem, sim, medo de morrer durante uma sessão com mar grande. Principalmente, na cabulosa onda da Polinésia Francesa.
"Nós brincamos sempre que os surfistas correm muitos riscos de vida e não são tão valorizados. Quando, por exemplo, chega aquela onda gigante em Teahupoo, e eu sei que vou levar na cabeça, penso: ‘eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer’", revelou Pupo, em tom bem-humorado, mas sem deixar de admitir medo, durante entrevista exclusiva ao Terra. "Mas quando ela passa, e eu percebo que não morri, me tranquilizo. Que bom que eu ainda não morri, né? (risos)", acrescentou.
Que bom, mesmo, Pupo! O jovem que, para muitos, é o dono do surfe mais estiloso do planeta sonha alto. Há quatro anos no circuito, busca não só vencer a primeira etapa da vida na elite, como também faturar o título mundial - como fez o amigo Medina no ano passado. Neste início de temporada, Miguel foi terceiro colocado em Gold Coast e não conseguiu manter o nível em Bells Beach (25º) e Margaret River (13º). Nada que o assuste - por causa da regra dos descartes.
"Eu estou de olho no título, né?", garantiu Pupo. "O Gabriel mostrou que todo brasileiro pode chegar lá, e o Filipinho e o Mineirinho, com esse início de ano forte, também. Todos nós passamos a acreditar no sonho. Já tenho um bom resultado e isto é muito importante para quem quer estar nesta corrida pelo topo", completou.
Pupo ainda falou a respeito da pressão sobre os surfistas brasileiros em 2015, analisou como o esporte é tratado desde cedo no País e cravou: "nos próximos cinco anos, o Brasil vai ter no mínimo mais três títulos mundiais. Talvez até de três caras diferentes". Confira, abaixo, a entrevista exclusiva de um dos atletas mais promissores do planeta na modalidade.
Terra – Qual é a sua meta para 2015? Ficar entre os cinco/dez primeiros? Ganhar uma etapa? Lutar pelo título?
Miguel Pupo - Eu estou de olho no título, né? O Gabriel mostrou que todo brasileiro pode chegar lá, e o Filipinho e o Mineirinho, com esse início de ano forte, também. Todos nós passamos a acreditar no sonho. Para mim, as eliminações no segundo round em Bells Beach e no terceiro em Margaret River vão valer como descartes. Quem busca ser campeão mundial sempre deve tentar fechar entre os cinco de cada etapa. Então, agora, este é o meu objetivo. Já tenho um bom resultado (3º em Gold Coast) e isto é muito importante para quem quer estar nesta corrida pelo topo
Terra – Quais são as suas chances nesta etapa do Rio de Janeiro?
Miguel Pupo - Minha meta é chegar no mínimo às quartas de final no Rio para eu poder continuar nesta conversa de ser campeão mundial. Mas eu vou ter que pensar bateria por bateria, assim como fiz no início do ano. Nas duas últimas etapas, acabei perdendo um pouco o foco: já começava pensando no fim da estrada e não me concentrava no meio. Aí deixei cair a peteca. Mas agora vai ser diferente.
Terra - Muito tem se falado sobre a poluição, uma mancha de óleo, que tem no mar no Postinho - que é onde vai ser disputada a etapa do Rio de Janeiro. Está ruim mesmo? Isto interfere de que maneira no desempenho de vocês?
Miguel Pupo - Nunca reparei o suficiente para falar que o óleo está atrapalhando. Todo pico tem alguma coisinha assim... Em Trestles (EUA), por exemplo, tem aquele oleozinho que fica da pedra para o pé, então às vezes atrapalha um pouco. Mas a gente fica sempre atento. Ali no canto (no Postinho) sai um riozinho que provavelmente não é dos mais saudáveis do mundo, mas não prestei muita atenção, não. A galera também fala disto agora, porque vai ter um evento grande lá. É para ver se ganha mais atenção. E é uma atenção merecida, porque o meio ambiente sempre merece muito cuidado.
Terra - Quais são as particularidades do mar na etapa brasileira? Tem algum segredo para se dar bem no Postinho?
Miguel Pupo - No Rio, a característica que prevalece é a sorte. Porque, como é uma etapa com fundo de areia, vem uma onda de cada lugar. Você tem que conhecer muito bem um negócio que a gente chama de triangulação entre um pico e outro. Lá, sempre rola de vir uma onda da direita, depois uma da esquerda, fica variando... Então quem está mais atento a esta movimentação quase sempre leva a melhor. Um cara muito bom nisto é o Gabriel (Medina). Ele é um dos mestres em fazer essa técnica: pega uma onda aqui, outra lá, uma aqui, outra lá. Aí não para, né? Parece uma máquina. Foi o Gabriel que mostrou esse caminho.
Terra – Por causa do título do Medina, os brasileiros começaram esta temporada mais pressionados?
Miguel Pupo - Não tivemos essa pressão. Pelo contrário: ficou mais perigoso ainda para os gringos, porque, agora, a gente está acreditando em um sonho que o Gabriel traçou e que se realizou. A primeira etapa (em Gold Coast), com três brasileiros entre os quatro da semifinal, já mostrou isto. Depois, o Mineirinho fez duas finais seguidas. Até ele, que está há mais tempo no Tour, começou a acreditar ainda mais. Parece que acendeu uma chama para permanecer no topo. Então não houve essa pressão.
Terra - Pouco se falava de surfe no Brasil até o ano passado. Hoje, depois do título do Medina, já é um esporte com muito mais espaço na mídia. Como você encara isto? Gosta?
Miguel Pupo - Tudo tem um lado bom e um lado ruim. A atenção que estamos tendo agora é algo muito bom para o esporte, que antigamente não era nada valorizado. É bem legal ver a evolução e como a gente vem sendo tratado. Hoje, ser surfista é uma profissão. Mas a mídia também pode atrapalhar um pouco os brasileiros em campeonatos como o do Rio. Porque a galera está sempre em volta, querendo fazer matéria, e às vezes acabando tirando um pouco da nossa atenção. Aí sempre acaba que nenhum brasileiro vai bem em casa, né? (risos). Mas isto tudo é normal, nós temos que saber lidar.
Terra - Como você vê a formação do surfista brasileiro? Falta algum tipo de apoio, de incentivo para os jovens?
Miguel Pupo - O Brasil está bem. Meu irmão (Samuel), por exemplo, tem 13 anos e já consegue correr muitos campeonatos. Na minha época também era assim. Este é o maior apoio: ter competições, motivação. Talvez não haja muitas marcas patrocinando a molecada, mas aquele menino que vai bem nesses campeonatos acaba conseguindo um contrato. Esta é a maior oportunidade que o brasileiro tem. Comigo foi assim, com o Gabriel também.
Terra - Sempre houve muito preconceito com os surfistas no Brasil. Os termos "drogados", "maconheiros" e "vagabundos" são usados por muitas pessoas para definir quem pega onda. O que você pensa sobre isto?
Miguel Pupo - Na época do meu pai era bem difícil. Ele falou que andava na rua e que o pessoal xingava mesmo, falava que ele era vagabundo e tal. Até mesmo a mãe dele. Ela queimava as pranchas do meu pai, e, se ele fosse para o mar, apanhava do meu avô. Mas ele foi atrás do sonho que tinha. Teve que ter esse começo para que hoje a gente pudesse colher os frutos. Até mesmo quando eu era pequeno, os meus professores da escola falavam que 'ah, você fica faltando para ir surfar, acha que surfista vai ser o quê?'. E hoje eles devem estar assistindo televisão e vendo que eu consegui chegar lá. Até me motivou mais. Eu pensava que um dia teria que provar que eles estavam errados. E consegui. Nós não tentamos ser melhores do que ninguém. Só corremos atrás dos nossos sonhos. Ninguém tem o direito de falar que o sonho de alguém é ruim. Esse tipo de preconceito só faz a gente ficar mais forte e lutar com mais vontade pelo que queremos.
Terra – Ao mesmo tempo em que dá prazer, o surfe é um esporte muito perigoso, de alguns riscos. Você já caiu em algum mar do qual sentiu medo? Qual foi o pico mais difícil em que surfou?
Miguel Pupo - Nós até brincamos um pouco que corremos muitos riscos de vida e não somos tão valorizados. Mas faz parte, surfar é uma coisa que a gente adora fazer. Então não tem jeito. Eu lembro que, neste ano, em Margaret River, o mar estava gigante, e, durante as minhas baterias, o medo era constante. Tanto em The Box quanto no Main Break, passei muito medo. E tem que assumir. Eu assumo: tenho medo. Mas, no momento em que você está com a lycra, tem que deixar isto um pouco de lado, porque a vontade de vencer é muito maior do que este temor de morrer.
E em Teahuppo?
Miguel Pupo - Lá é duro. Quando chega aquela onda gigante e eu sei que vou levar na cabeça, penso: 'eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer'. Mas quando ela passa e eu percebo que não morri, me tranquilizo. Aí vem outra: 'agora eu vou morrer, agora eu vou morrer, agora eu vou morrer'. Mas que bom que eu ainda não morri, né? (risos). Estou sobrevivendo. Mas é assim que é bom, porque o medo faz a gente respeitar o mar. E, quando você tem este respeito, as coisas boas acabam acontecendo.
Terra - Você é muito amigo do Gabriel Medina, e ele não começou a temporada bem. Vocês têm conversado sobre isto? Ele te diz alguma coisa?
Miguel Pupo - Depois do título, ficou difícil encontrar com ele por aqui, em Maresias (risos). O Gabriel está sempre fazendo matéria, indo para São Paulo, para o Rio de Janeiro... Mas agora mesmo acabei de me encontrar com ele. Estávamos na água ali... Ele está relaxado, sendo ele. Isto é o mais importante. O Gabriel sempre começou mais ou menos as temporadas e depois cresceu. Só no ano passado que já iniciou bem. Mas ele está trabalhando. Tudo acontece, também, devido à pressão pelo ano anterior. Poucos surfistas na história conseguiram conquistar um título e logo no ano seguinte já começar bem. Porque você se dedica demais em um ano, né? Mas é tudo consequência. Ele tem que curtir, também. Está novo, passou um ano inteiro se dedicando a uma obsessão que tinha, então agora tem o direito de dar uma curtida.
Terra - Como é a relação entre os surfistas da Brazilian Storm?
Miguel Pupo - A gente é bem unido. Só quando começa o evento e todo mundo tem chance é que não estamos tão unidos, porque o surfe é um esporte individual e cada um tem que correr pelo seu. Mas conforme os resultados vão acontecendo, a gente fica torcendo um pelo outro. Porque, se levantarmos a bandeira lá no topo, certamente o esporte vai crescer cada vez mais no Brasil.
Terra – O Medina chegou a dizer que os brasileiros podem ganhar cinco títulos mundiais nos próximos cinco anos. Você concorda com ele?
Miguel Pupo - Acredito nisto, sem dúvidas. Nos próximos cinco anos, o Brasil vai ter no mínimo mais três títulos mundiais. E talvez até de três caras diferentes. Não precisa ser só o Gabriel, o Mineiro... É agora ou nunca. A gente tem a melhor geração do Brasil, né? Todos são muito jovens, cheios de energia, motivados, então, acreditamos que vamos conseguir cavar um lugarzinho na história.
Terra - Existe alguma diferença entre enfrentar um brasileiro ou um estrangeiro nas baterias?
Miguel Pupo - Na WSL, é um joguinho de xadrez. Aquele que erra menos acaba passando de bateria. Não é um confronto direto com a pessoa, mas, quando é com brasileiro, sempre dá um nervosismo a mais, porque se trata de alguém que você já conhece, que competiu com você praticamente durante a vida inteira. É sempre um pouquinho mais difícil, mas o segredo é continuar focado naquele joguinho de xadrez para se dar bem no final.
Terra - Muito se fala da nova geração do surfe brasileiro, mas também há muitos estrangeiros jovens e promissores. Qual deles você destacaria como o mais cotado para ganhar o título mundial no futuro?
Miguel Pupo - Talvez o Julian (Wilson) seja o mais perigoso nos próximos dois, três anos, pela maturidade que tem. Ele está com 26 anos e sabe que essa é a hora, porque está na melhor fase da vida. E o John John (Florence) também, por causa do talento de sobra. Se ele consegue encaixar o talento que tem naquele intervalo de 30 minutos, vai indo até a final e fica difícil parar. Só um vara que sabe muito bem o joguinho de xadrez, como o Mineirinho, por exemplo, que consegue derrubar um cara tão bom quanto o John John. Acho que esses dois e também o Jordy Smith, que sabe que já está chegando a uma idade mais avançada, são os mais perigosos.
Terra - Quem são seus grandes ídolos do esporte?
Miguel Pupo - Sou fã de vários. Gosto muito do Travis Pastrana (piloto de motocross). Ele é um cara que está sempre buscando puxar o próprio nível para outro mundo. Até vi na semana passada que um cara conseguiu dar um triplo backflip... Então o Travis vai ter que voltar ao motocross para tentar dar o quadruplo (risos). Sou fã pelo fato de ele nunca se deixar ficar na zona de conforto. Depois que venceu tudo no motocross, foi para o rali e assim vai indo. Sou fã também do Pedrinho Barros (skatista), que, mesmo muito novo, não para, né? Outro que também posso citar é o Roger Federer, pela classe e magia que mostra na quadra. São estes três.
Terra - E o assédio das mulheres? Aumentou?
Miguel Pupo - Aumentou bastante. Agora tem até fã-clube, um monte de menina comentando fotos no Facebook, Instagram... Mas é muito legal. Antes, esta atenção só acontecia no futebol. Agora, está vindo um pouco para o surfe. O Gabriel que conseguiu atingir esse nível de celebridade. Isso é bom. Pelo trabalho que já fazíamos e que com certeza vamos continuar fazendo nos próximos anos, também merecíamos um pouco de atenção.
Terra - Você usa a lycra com o número 91 para surfar. Tem algum motivo específico?
Miguel Pupo - Escolhi o 91 mais pelo ano que nasci, que foi em 1991. Mas também tem várias coincidências com o 9 e com 1. Os dois números, por exemplo, formam sozinhos a data do meu nascimento, que é 19/11/1991. E eu também sou religioso, e o Salmo 91 ("Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, o meu Deus, em quem confio") é um dos mais marcantes da Bíblia para mim. Foram diversos motivos que me levaram a escolher este número.