PUBLICIDADE

LANCE!

Jornalista lança livro sobre o tri da Seleção: 'Geração fantástica, em um período conturbado do país'

Prestes a lançar "1970 - Enquanto o Brasil Conquistava o Tri", jornalista e escritor Roberto Sander conta ao L! como a geração de ouro lidou com a política brasileira

5 nov 2019 - 12h52
(atualizado às 13h31)
Compartilhar
Exibir comentários

A maneira como a Seleção Brasileira de 1970 encantou o futebol mundial, com uma geração de ouro formada por Pelé, Gerson, Rivellino e Tostão, soube também aplacar momentos conturbados pelos quais o país passava. Mesmo em meio aos "anos de chumbo" da Ditadura Militar, como é denominado o período de Emílio Garrastazu Médici na presidência da República, 90 milhões ficaram em ação para assistir à saga do tricampeonato mundial.

- Foi uma sensação de pertencimento, que nenhum governo podia tirar. A Seleção era do povo.

Ao LANCE!, o jornalista e escritor Roberto Sander recorda este período no seu novo livro, "1970 - Enquanto o Brasil Conquistava o Tri", com lançamento marcado para esta terça-feira, às 17h, na Livraria Folha Seca, no Rio de Janeiro.

Na publicação, o autor resgata a equipe que fez história ao tomar posse da Taça Jules Rimet definitivamente. Além disto, prestes a completar de 50 anos da conquista, ele traça um panorama do que acontecia no período em que a bola rolou no México.

Na entrevista, Sander (que está em seu décimo-terceiro livro e é diretor da Maquinária Editora) conta suas memórias de torcedor e detalha fatos que estarão presentes em "1970 - Enquanto o Brasil Conquistava o Tri".

'É o resgate de um período espetacular e muito associado à política', diz Sander (Foto: Rafael Arantes)

LANCE!: Roberto, já vão se completar 50 anos do tricampeonato mundial da Seleção Brasileira. Quais nuances você encontrou em torno desta conquista tão emblemática?

Lançamento ocorrerá nesta terça-feira, às 17h, na Livraria Folha Seca, na Rua do Ouvidor, 37, Centro, Rio de Janeiro (Foto: Rafael Arantes)
Lançamento ocorrerá nesta terça-feira, às 17h, na Livraria Folha Seca, na Rua do Ouvidor, 37, Centro, Rio de Janeiro (Foto: Rafael Arantes)
Foto: Lance!

Roberto Sander: Bom, eu acabei me antecipando um pouquinho nesta comemoração, ao lançar o livro no fim de 2019. É o resgate de um período espetacular de futebol brasileiro e muito associado à política. Trata-se de um momento em que o governo ditatorial, que as urnas não consagraram, se apropriava muito de elementos da sociedade para se legitimar. Ao mesmo tempo, o futebol vivia um período de exuberância tática e técnica, com todos os jogadores atuando no Brasil, o que criava um vínculo muito grande com os torcedores. O livro basicamente trata disto. De como o governo se amparou no sucesso da Seleção Brasileira.

L!: Era um período no qual o patriotismo era valorizado, a ponto de letras do Hino Nacional passarem nas arquibancadas a cada jogo. Como era esta presença política?

Havia a presença constante do presidente (Emílio Garrastazu) Médici nos jogos da Seleção Brasileira. Ele assistia não só a jogos da Seleção, como também a jogos do Flamengo, do Grêmio e do Atlético-MG, que eram em clubes pelos quais tinha simpatia. E o Médici tinha muita popularidade na época. O Brasil vivia o "Milagre Econômico". Este fenômeno foi muito representativo para uma camada na sociedade, mas não se estendeu aos mais pobres. Neste contexto político, o futebol acabava se tornando um prato cheio para o presidente endossar a sua popularidade diante dos torcedores. Craques como Gerson, Pelé, Rivellino, jogando no Brasil, se tornavam praticamente "soldados". Em especialmente, porque eles tinham a consciência política muito pequena. O único jogador que talvez fosse mais centrado era o Tostão.

'Craques do Brasil se tornavam 'soldados' para legitimar a popularidade do governo'. Tostão foi um raro atleta a falar abertamente sobre o regime (Foto: Reprodução)

L!: Tostão chegou a falar abertamente em uma entrevista na época sobre o momento pelo qual passava o país. Ele chegou a lidar com algum problema?

A entrevista que ele concedeu ao "Pasquim" foi muito impactante. Tratava-se de um semanário que vendia mais que a "Veja" e trazia, na época, grandes jornalistas (Jaguar, Tarso de Castro, Ziraldo, Paulo Francis e Sérgio Cabral passaram pela redação) e que foi marcado por grandes entrevistas, como a de Leila Diniz. E o atacante, ao ser entrevistado, não se furtou a fazer críticas ao regime militar e a temas sensíveis, como a Guerra do Vietnã. Segundo Tostão, o que aconteceu, no máximo, foi receber um telefonema anônimo no qual foi ameaçado. Tratava-se de um jogador importante, tanto que o Zagallo, que era um treinador conservador e bem alinhado com o governo, sempre considerou Tostão fundamental para a luta pelo tricampeonato mundial, apesar do problema no olho pelo qual o jogador passou.

'Em viagens ao exterior, João Saldanha denunciava tortura e dizia que o Brasil vivia em uma ditadura', diz Roberto Sander (Reprodução)

L!: Durante as Eliminatórias, a Seleção Brasileira foi comandada por João Saldanha. Há muitas lendas em torno da saída dele, chegaram a atribuir à resposta que ele deu após o presidente Médici pedir a convocação de Dario. O que aconteceu de fato?

Na verdade, existem várias versões. A Seleção Brasileira vivia uma crise danada quando o João Saldanha foi chamado para assumir o posto de treinador (em 1969). Além de ser um radialista contestador, Saldanha era um comunista assumido e, mesmo assim foi chamado para a CBD. Eu tinha 11 anos na época, e vi partidas fantásticas das Eliminatórias. Goleadas do Brasil, como o 5 a 0 na Venezuela. Na época, o presidente era Costa e Silva, que não ligava muito para o futebol. Porém, com a chegada de Médici ao poder, a presença de Saldanha passou a ficar um pouco mais difícil. O próprio técnico passou a tomar atitudes e houve desgaste. Foi então que surgiu a célebre resposta à sugestão do Dario, na qual Saldanha falou "o presidente escala o Ministério e eu escalo a Seleção".

L!: E o Dario acabou convocado...

Coincidentemente, o Zagallo entrou no cargo e o Dario foi convocado, em detrimento de jogadores que estavam bem, como Toninho Guerreiro, tricampeão paulista pelo Santos e que teve uma lesão mal explicada. Mas Saldanha era um paradoxo, tratava-se de um comunista em uma comissão técnica que tinha militares e até pessoas ligadas ao Exército. E, além disto, em viagens ao exterior, ele não se furtava a falar que o Brasil vivia em uma ditadura. Além disto, João Saldanha denunciava maus tratos nas prisões.

'Os talentos daquela Seleção eram muito lapidados', diz o autor (Rafael Arantes)

L!: Durante muito tempo, chamavam a Seleção de "as feras do Saldanha". Não deixa de ser injusto com o trabalho do Zagallo...

Zagallo tem grandes méritos, soube dar uma ousadia à Seleção Brasileira. Em meio à crise que pegou, fez mudanças táticas importantes para a campanha do tri. A formação original de Saldanha era o 4-2-4, com o Edu como titular. Zagallo sacou o Edu e colocou o Rivellino, formou um 4-3-3, e funcionou muito bem. É claro que poderia dar certo a formação do Saldanha, mas não foi à toa que o Brasil chegou ao título de 1970.

L!: O que tornou a Seleção de 1970 tão irresistível?

Eram talentos muito lapidados. Tinha Carlos Alberto Torres, o Clodoaldo, um jovem brilhante, que só não foi mais longe devido a problemas físicos. Gerson, Jairzinho, havia o Pelé no auge. Foi uma geração que fascinava. Eu sou tricolor, mas na época fui ao Maracanã para assistir a jogos do Santos, Cruzeiro, algo que era muito comum entre torcedores. Vi Félix e Marco Antônio no Fluminense. Estes jogadores lotavam estádios. E, acima de tudo, os craques eram separados da torcida apenas por alambrados. Não é como hoje, nos quais jogadores vêm da Europa, cheios de seguranças, e ficam distantes dos torcedores. Apesar de muita gente dizer que a Ditadura usava a glória da Seleção a favor do seu prestígio, a empatia daquela equipe era tão grande que ninguém deixava de torcer pelo tricampeonato.

Lance!
Compartilhar
Publicidade
Publicidade