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Jogos Inverno 2010

"Desigualdade" ameaça futuro olímpico dos esportes de trenó

26 fev 2010 - 11h35
(atualizado às 16h02)
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Jonathan Abrams
Katie Thomas

Felix Loch experimentou pela primeira vez o luge aos cinco anos de idade e agora treina o ano inteiro em uma das quatro pistas de primeira linha existentes na Alemanha, orientado por seu pai, Norbert, o técnico da equipe alemã dessa modalidade. Loch, 20 anos, ficou com o ouro olímpico no luge simples, disputado na semana passada.

Já o argentino Ruben Gonzalez, 37 anos, reverteu sua aposentadoria do esporte para se qualificar para a Olimpíada de Vancouver. Ele se considera afortunado caso consiga treinar alguns meses por ano, em lugares muito diversos, antes que suas verbas se esgotem. Gonzalez concluiu em último lugar a disputa do luge simples.

Existe uma grande disparidade entre esses dois atletas - na classificação mas também em financiamento, treinamento e no acesso às 16 pistas de luge existentes no mundo. E, no entanto, para que o luge mantenha seu lugar em futuros Jogos Olímpicos, os praticantes mais privilegiados e os excluídos terão de buscar uma aproximação.

Um conjunto razoável de países precisa participar das disputas, ou os líderes do luge e de outros esportes altamente especializados sabem que poderão perder seu status olímpico, como aconteceu com o beisebol e o softball, eliminados do programa dos Jogos de Verão em 2005.

"É uma espécie de estranha simbiose", disse Gonzalez. "Um dos motivos para que eles continuem a conquistar todas essas medalhas é o fato de que nós existamos, e um dos motivos para existamos é que eles nos ajudam a chegar à Olimpíada".

Mas diversos atletas de países cujos programas de luge não são muito fortes disseram que o relacionamento, embora amistoso, pouco tinha de igualitário. O luge é uma profissão para atletas de países como Alemanha, Áustria, Itália e Rússia, onde os praticantes se concentram na modalidade em tempo integral e dispõe de verbas amplas e de tecnologia atualizada.

Mas para aqueles que tentam avançar no esporte vindos de países como Brasil e Croácia, o luge é mais um hobby, que envolve esvaziar contas bancárias pessoais e contar com o apoio da Federação Internacional do Luge e de algumas das mais poderosas federações nacionais da modalidade.

"É importante para qualquer dos esportes menores que continue a tentar desenvolver a modalidade em outras nações", disse Ron Rossi, presidente da Federação de Luge dos Estados Unidos.

Os Jogos Olímpicos atraíram atletas de competência questionável, que terminaram se qualificando menos pela capacidade atlética do que por uma combinação exótica entre origem e seleção de modalidade: uma equipe de bobsled jamaicana, um esquiador de salto inglês, um esquiador alpino mexicano. Esse tipo de ocorrência costuma ser visto como pitoresco ou inofensivo, mas no luge - como nos demais esportes de trenó, o bobsled e o skeleton -, há grande risco em jogo.

Os atletas descem pistas cada vez mais complexas, a velocidades da ordem dos 150 km/h, e sem que conheçam as pistas previamente. No dia 12 de fevereiro, Nodar Kumaritashvili, 21 anos, da Geórgia, morreu depois de uma colisão durante um reconhecimento de pista no Whistler Sliding Centre.

Sua morte ocorreu quatro anos depois que o novato brasileiro Renato Mizoguchi sofreu ferimentos graves em uma colisão durante uma sessão de treinamento em Cesana Pariol, Itália. Ele se recuperou do coma, mas perdeu a visão no olho esquerdo.

"É muito bom poder deslizar em alta velocidade, mas nem tão bom assim quando algo de errado acontece", disse Domen Pociecha, 24 anos, da Eslovênia, que terminou em 27° lugar na prova de luge simples masculina em Vancouver. "Na minha opinião, as pistas estão se tornando rápidas demais".

Desde que o luge se tornou esporte olímpico, em 1964, 112 das 117 medalhas distribuídas na categoria foram conquistadas por atletas da Alemanha, Áustria, Itália e Rússia. Letônia e Estados Unidos ficaram com as outras cinco.

A Carta Olímpica já não estipula que um esporte precise ser praticado por menos 25 países, em três continentes, para que possa se tornar olímpico. Mas as federações individuais sabem que precisam continuar a promover a expansão de suas modalidades em todo o mundo, se desejavam preservá-las como eventos olímpicos.

"Não queremos que o esporte se reduza a cinco grandes países disputando medalhas, e acreditamos que a expansão beneficie o esporte", disse Darrin Steele, presidente da Federação de Skeleton e Bobsled dos Estados Unidos. "Mas é preciso fazê-lo de uma maneira que propicie às pessoas o treinamento e a segurança necessários. Existem bons atletas espalhados pelo mundo". Ele acrescentou que esses atletas não dispõem da boa infraestrutura ou do treinamento que "permitiriam que realizassem o seu potencial".

Atrair atletas e treiná-los para os esportes de trenó representa um desafio porque as 16 pistas credenciadas no mundo se concentram na Europa e na América do Norte. Os atletas iniciantes do luge precisam se matricular em uma escola dirigida pela Federação Internacional de Luge (FIL) e passar por um teste antes que sejam autorizados a competir em uma pista, disse Svein Romstad, secretário geral da federação de luge.

A organização dele vem realizando esforços para reduzir a disparidade de talentos por meio de assistência financeira e de treinamento a cerca de 15 atletas oriundos de países nos quais não existem programas de desenvolvimento para essa modalidade. A federação do skeleton e bobsled conta com um programa semelhante, de acordo com seu porta-voz, Don Krone.

"Quando você está limitado a 15 ou 16 vagas para a promoção total de seu esporte", disse Krone, "é preciso ter programas para as pessoas que não tenham acesso a esses cursos".

A FIL forneceu cerca de 9 mil vales (em valor de 30 euros, ou US$ 40), para atletas em formação, no ano passado, permitindo que eles treinassem nas melhores pistas mundiais, disse Romstad. Esses atletas recebem orientação de Ioan Apostol, da Romênia, que disputou provas olímpicas na modalidade.

"Ele é um bom técnico", disse Bogdan Macovei, nascido na Romênia mas atleta da Moldávia, o 33° classificado na simples do luge deste ano. "Ainda falta muita coisa, mas sei que é difícil para ele fazer tudo sozinho. Especialmente porque não trabalha com apenas um ou dois atletas, mas com 10 ou mais, vindos de todo o mundo, e em tempo integral".

Romstad diz que se preocupa com o futuro olímpico do luge e diz que a federação faz tudo que pode parar apoiar os atletas inexperientes. "Mas jamais temos verbas suficientes", ele disse, acrescentando que federações nacionais mais fortes "acham que gastamos demais com os países em desenvolvimento, mas vem sendo essa a nossa orientação".

Kumaritashvili e Levan Gureshidze, os dois georgianos que se classificaram para as provas olímpicas de luge, não treinaram com Apostol, mas viajaram para as competições em companhia dos atletas dele.

É mais fácil para uma atleta de luge se classificar para a Olimpíada do que para as provas de Copa do Mundo, mais frequentes. A federação recentemente reduziu as provas de simples a cerca de 30 atletas, porque as redes de televisão gostam de destacar os atletas de elite e as competições demoravam demais. Os 15 primeiros se classificam automaticamente e os demais disputam postos na Copa das Nações, uma espécie de segunda divisão da modalidade.

Nos Jogos Olímpicos, os 40 principais atletas da modalidade se qualificam desde que tenham disputado cada qual ao menos cinco provas da Copa do Mundo ou Copa das Nações, e que seus tempos de treinamento fiquem no máximo 7% abaixo da melhor marca que já registraram. Atletas que não satisfazem a esses requisitos muitas vezes entram como convidados porque alguns países optam por não participar ou qualificam mais que o máximo de três atletas. Kumaritashvili ocupava o 44° posto no ranking da modalidade em 2009/10.

"O credo olímpico é competir", disse Jonathan Edwards, 37, atleta olímpico americano no luge duplo que também trabalha como treinador de esportistas de países menos experientes. "Mas no nosso esporte as diferenças que se vê entre os atletas de ponta e os piores é bem maior".

Os alemães vêm orientando atletas da Suíça, Polônia e Croácia, disse Thomas Schwab, diretor esportivo da federação alemã de luge e ex-técnico da equipe olímpica do país. Eles oferecem assistência técnica, equipamento e sessões de treinamento conjunto.

"Temos uma equipe muito forte, a equipe alemã de luge, e creio, em minha opinião, que seja necessária a presença de equipes menores para que realizemos esse esporte de maneira profissional", disse Schwab.

Hannah Campbell-Pegg, 27 anos, da Austrália, tem quatro empregos a fim de ajudar a bancar seu treinamento de luge, que envolve trabalhar com atletas e técnicos da Noruega e Canadá. Ela disse que os técnicos a elogiam pela habilidade, mas dizem que seu trenó está obsoleto. "Eu adoraria descobrir qual é a disparidade real se todo mundo tivesse o mesmo treinamento e concorresse com o mesmo equipamento", afirmou.

Daria Obratov, 20 anos, a única representante da Croácia no luge, treina com os alemães. A pista mais próxima de sua casa fica a 900 km de distância, em Königssee, Alemanha. Ela esperava se classificar para a Olimpíada, mas sofreu uma colisão com seu trenó na pista de Whistler, em novembro. Uma lesão no ligamento do tornozelo foi o resultado do acidente, que ela define como típico.

Ricardo Raschini, do Brasil, disputou a prova de luge na Olimpíada de Inverno de Salt Lake City, em 2002, e o bobsled em Turim, em 2006. Ele sofreu uma colisão de bobsled na Itália durante seu treinamento, em 2006. Embora não tenha sofrido lesões sérias, Raschini, 42, atribui o acidente à sua falta de conhecimento da pista.

Mizoguchi sofreu ferimentos sérios enquanto se preparava para os jogos de Turim. "Foi em uma sessão mundial de treinamento", disse Mizoguchi, 34 anos, do Japão, onde hoje vive. "Não tínhamos imagem alguma da pista, porque era completamente nova. Era essa a razão de todos querermos aprender sobre ela".

Mizoguchi e outros consideram seu esporte como mistura ideal de velocidade e capacidade técnica, com grau elevado de risco implícito. "Se nós competíssemos envoltos em algodão, deslizando por um tubo de vidro, não seria tão interessante", disse Edwards.

Gonzalez reconheceu que jamais se teria qualificado para os jogos, se representasse um país com grande tradição no luge. "Para mim, o luge foi uma forte de chegar à Olimpíada", disse Gonzalez, que acaba de participar pela quarta vez dos Jogos. "Mas isso é tudo". Ele estima que, em 26 anos de experiência no esporte, tenha recebido a mesma carga de treinamento que um alemão recebe em 30 meses.

Jogos Olímpicos de Inverno no Terra

O Terra transmite ao vivo a competição em 15 canais simultâneos de vídeo. Além disso, os usuários têm a possibilidade de assistir novamente a todo o conteúdo a qualquer momento. Todo o acesso é gratuito.

Uma equipe de 60 profissionais está encarregada de fazer a cobertura direto de Vancouver e dos estúdios do Terra, em São Paulo, no Brasil, com as últimas notícias, fotos, curiosidades, resultados e bastidores da competição.

A equipe conta com a participação do repórter especialista em esportes radicais Formiga - com 20 anos de experiência em modalidades de neve -, e o pentacampeão mundial de skate Sandro Dias, que comenta a competição em seu blog no Terra.

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Tradução: Paulo Migliacci

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The New York Times
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