Vai de Bet: Polícia Civil conclui inquérito e indicia ex-diretor jurídico do Corinthians
Segundo as autoridades, Yun Ki Lee poderia ter evitado desenrolar do caso à época em que chefiava departamento; defesa diz que ex-dirigente 'fez tudo para preservar os interesses do clube' e classifica indiciamento como 'antijurídico'
A Polícia Civil concluiu nesta segunda-feira, 23, o inquérito do caso Vai de Bet e indiciou Yun Ki Lee, ex-diretor jurídico do Corinthians e chefe do departamento na época em que o clube assinou contrato com a antiga patrocinadora. Agora, o caso está nas mãos do Ministério Público.
Em nota, Eduardo Carnelós, advogado de defesa do ex-dirigente, afirma que o cliente "fez tudo para preservar os interesses do clube" e que o despacho de indiciamento é uma "peça rasa, antijurídica e contrária aos elementos dos autos".
Além de Lee, a Polícia Civil já havia indiciado o presidente afastado Augusto Melo, o ex-superintendente de marketing Sergio Moura, o ex-diretor administrativo Marcelo Mariano e o empresário Alex Cassundé, cuja empresa teria recebido R$ 1,4 milhão por supostamente intermediar o negócio com a casa de aposta. O trio responde por associação criminosa, furto qualificado pelo abuso de confiança e lavagem de dinheiro.
Lee foi indiciado por omissão imprópria e vai responder de acordo com os crimes de furto e lavagem de dinheiro. Yun Ki Lee foi um dos dirigentes que pediu demissão logo após o caso Vai de Bet vir à tona. Em janeiro de 2024, o Corinthians anunciou um acordo de patrocínio com a marca no valor R$ 360 milhões.
A casa de aposta rescindiu de maneira unilateral em junho após estourar a informação de que a Rede Social Media, intermediadora citada no contrato, repassou parte da comissão a uma empresa de fachada.
Após quase um ano de investigações, a polícia concluiu que a Rede Social Media, apontada como intermediadora do acordo de patrocínio, usou uma empresa fantasma para fazer R$ 1.074.150,00 chegar à conta bancária da UJ Football Talent Intermediação, empresa apontada como braço do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Para as autoridades, Lee tinha a obrigação de impedir que o caso prosperasse, mas não enviou o contrato para o setor de compliance do Corinthians. Assim, assumiu a responsabilidade de analisar o documento e não indiciou qualquer irregularidade. Um dos motivos que deveria ter chamado a atenção do ex-diretor jurídico, segunda as autoridades, é o fato de a Rede Media Social Ltda. não possuir cadastro no Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), sistema que identifica atividades econômicas de empresas no País.
Na nota divulgada após o indiciamento, o advogado Eduardo Carnelós afirma que, na avaliação jurídica de Lee, a falta de cadastro do CNAE não era motivo de preocupação. Também diz que o ex-diretor jurídico cumpriu os ritos necessários para validar o contrato.
"Fez tudo para preservar os interesses do Clube, o que incluiu a pesquisa cadastral das pessoas físicas e jurídicas envolvidas; incluiu também inserção de cláusula de fiança prestada pelo representante legal da VaideBet no Brasil e de sua esposa. Yun não participou das negociações comerciais, e por isso somente recebeu os dados que deveriam constar do contrato, inclusive os da empresa intermediadora e de seu representante", argumenta a defesa em trecho do comunicado.
"Verificou que o CNAE da empresa não incluía a atividade de intermediação, mas, em sua opinião jurídica, isso não era impeditivo, pois havia outras atividades relacionadas que permitiriam a atuação, como esclareceu ao ser ouvido, o que também fez o então Diretor Jurídico Adjunto (Fernando Perino), igualmente na condição testemunha. Tampouco tem importância o capital social da empresa, porque, obviamente, para realizar uma intermediação, esse item é absolutamente irrelevante", conclui.
Carnelós afirma, ainda, que Lee não foi mais chamado a depor e só soube que estava sendo investigado "por meio de matéria jornalística" e questiona os procedimentos adotados pelo delegado Tiago Fernando Correia, da Polícia Civil, na condução do inquérito.
"Em razão disso, seus advogados pediram acesso aos autos, tendo o Delegado de Polícia chegado a despachar que não poderia encerrar o inquérito sem que esse acesso fosse dado, para que então Yun pudesse exercer sua defesa - embora, diga-se, nenhum fundamento tenha sido indicado para que ele fosse tratado como investigado", diz.
"Foi apresentada manifestação defensiva, com juntada de documentos comprobatórios das alegações feitas, mas, surpreendentemente, já no dia seguinte sobreveio despacho de indiciamento, cujo fundamento está apenas no título, porque é peça rasa, antijurídica e contrária aos elementos dos autos", completo.
O promotor Juliano Atoji acompanhou as oitivas da Polícia Civil desde o princípio da investigação. Caso seja oferecida denúncia, Yun Ki Lee, Augusto Melo, Marcelo Mariano, Sérgio Moura e Alex Cassundé se tornarão réus. Caso eles seja condenados após a realização das audiências, eles ainda podem recorrer a esferas superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF).
Entenda o caso Vai de Bet
Primeiro contrato da gestão Augusto Melo, o acordo de R$ 360 milhões da Vai de Bet com o Corinthians, rescindido unilateralmente pela casa de aposta em junho de 2024, previa o pagamento de 7% do montante líquido de cada parcela à intermediadora Rede Media Social Ltda. Ou seja, R$ 700 mil por mês ao longo de três anos, resultando em R$ 25,2 milhões ao fim do contrato.
Citada no contrato como intermediadora do negócio, a Rede Media Social Ltda. tem CNPJ no nome de Alex Cassundé, antigo membro da equipe de comunicação do presidente Augusto Melo.
A rescisão por parte da Vai de Bet ocorreu após vir à tona repasses de parte da comissão pela Rede Media Social Ltda à Neoway Soluções Integradas em Serviços Ltda, suposta empresa "laranja" cujo CNPJ está em nome de Edna Oliveira dos Santos, mulher de origem humilde de Peruíbe, no litoral paulista.
A Polícia Civil, por meio da Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), concluiu que a Rede Social Media Ltda usou uma empresa fantasma para fazer R$ 1 milhão chegar à conta bancária da UJ Football Talent Intermediação, empresa apontada como braço do PCC. O clube nega ter contrato com a empresa.
À polícia, Cassundé afirmou que sua ligação com o clube se deu por meio de Marcelo Mariano e o ex-superintendente de marketing Sérgio Moura, que deixou o clube no ano passado. O dono da Rede Media Social negou ter atuado efetivamente como intermediário do acordo, apesar do nome de sua empresa estar no contrato.
Por sua vez, a defesa de Augusto Melo reitera a convicção de que o presidente do Corinthians "não possui qualquer envolvimento com eventuais irregularidades relacionadas ao caso" e que o único papel desempenhado por ele foi "ter recebido a proposta, encaminhado aos departamentos competentes e firmado o contrato com a aprovação de todos os setores envolvidos."
Leia a nota da defesa de Yun Ki Lee na íntegra:
O indiciamento de Yun Ki Lee constitui afronta ao Direito e aos fatos. Ouvido como testemunha em julho de 2024, portanto sob o compromisso de dizer a verdade e nada omitir, Yun falou tudo o que sabia sobre os fatos e sua participação na elaboração do contrato de patrocínio com a VaideBet, na condição de Diretor Jurídico do Corinthians. Fez tudo para preservar os interesses do Clube, o que incluiu a pesquisa cadastral das pessoas físicas e jurídicas envolvidas; incluiu também inserção de cláusula de fiança prestada pelo representante legal da VaideBet no Brasil e de sua esposa.
Yun não participou das negociações comerciais, e por isso somente recebeu os dados que deveriam constar do contrato, inclusive os da empresa intermediadora e de seu representante. Verificou que o CNAE da empresa não incluía a atividade de intermediação, mas, em sua opinião jurídica, isso não era impeditivo, pois havia outras atividades relacionadas que permitiriam a atuação, como esclareceu ao ser ouvido, o que também fez o então Diretor Jurídico Adjunto, igualmente na condição testemunha. Tampouco tem importância o capital social da empresa, porque, obviamente, para realizar uma intermediação, esse item é absolutamente irrelevante.
Yun nunca mais foi chamado a depor, nem lhe foi oficialmente comunicada a decisão abusiva de transformá-lo em investigado, do que veio a saber por matéria jornalística. Em razão disso, seus advogados pediram acesso aos autos, tendo o Delegado de Polícia chegado a despachar que não poderia encerrar o inquérito sem que esse acesso fosse dado, para que então Yun pudesse exercer sua defesa - embora, diga-se, nenhum fundamento tenha sido indicado para que ele fosse tratado como investigado.
Foi apresentada manifestação defensiva, com juntada de documentos comprobatórios das alegações feitas, mas, surpreendentemente, já no dia seguinte sobreveio despacho de indiciamento, cujo fundamento está apenas no título, porque é peça rasa, antijurídica e contrária aos elementos dos autos.
O despacho nem mesmo se refere ao conteúdo da petição de Yun, muito menos os tenta rebater, numa evidência de que já estava pronto e seria lançado fosse qual fosse a manifestação defensiva. Ao contrário de se omitir, Yun agiu e o fez como advogado, não lhe cabendo responsabilidade pela escolha das partes no contrato. Seguramente, o Poder Judiciário corrigirá tal ignomínia, para restabelecer a ordem jurídica aviltada pelo indiciamento obrado.
