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Mercedes: como construir uma fase de insucessos na F1

Os antigos dominadores passam por sua grande crise até aqui e a saída de Lewis Hamilton deixa a situação pior. Vamos entender

4 fev 2024 - 08h00
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Mercedes em Abu Dhabi: uma foto e tantos sorrisos não mostram toda a realidade
Mercedes em Abu Dhabi: uma foto e tantos sorrisos não mostram toda a realidade
Foto: Mercedes AMG F1

O insucesso também é resultado de muito trabalho. Essa é uma percepção que tenho ao longo do tempo e, de certa forma, também resume uma das premissas do livro “Como os Gigantes Caem”, que abrange a trajetória cadente de empresas que eram gigantes em seus ramos e se apequenaram, foram incorporados por concorrentes e até mesmo acabaram.

No caso da F1, nós temos que jogar esta abordagem em relação à Mercedes. Este foi um pensamento que veio me batendo nos últimos tempos e o anúncio da saída de Lewis Hamilton para a Ferrari no final desta temporada acabou por levar esta visão à frente.

Diz o velho ditado que o sucesso faz os vitoriosos acreditarem tanto em sua capacidade de que se sentem quase invencíveis. E a Mercedes poderia pensar assim: afinal de contas, os alemães dominaram a F1 em sua fase híbrida, vencendo campeonatos de 2014 a 2020 de forma avassaladora.

Mas os últimos anos, os antigos dominadores se viram perdidos e aparentemente sem uma saída à mostra. Após um renhido 2021, onde o time venceu o título de Construtores mas houve toda a confusão de Abu Dhabi, a mudança de regulamento acabou por mexer totalmente na estrutura da categoria e a Mercedes fez apostas ousadas que não funcionaram, embora financeiramente o time nunca esteve tão bem...

Da mesma forma que boas escolhas forjam grandes sucessos, decisões erradas podem colocar tudo a perder...

Temos que voltar no tempo para entender esta construção. E podemos colocar como ponto inicial a mudança de comando da Mercedes. Em maio de 2019, Dieter Zetsche deixa o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Mercedes Benz e é substituído pelo sueco Ola Kallenius.

Este seria um fato extremamente normal em uma instituição como a Daimler. Só que esta mudança carrega uma série de simbolismos; embora tenha feita toda a sua carreira dentro do grupo (entrou na Daimler em 1993 logo após sua formatura), foi o primeiro não-alemão a assumir o comando do grupo na história.

Ola Kallenius guiando Lewis Hamilton em sua primeira visita na fábrica em Stuttgart em 2013
Ola Kallenius guiando Lewis Hamilton em sua primeira visita na fábrica em Stuttgart em 2013
Foto: Mercedes AMG F1

Kallenius assumiu o comando com duas tarefas muito claras: acelerar a eletrificação da linha de veículos e fazer um grande ajuste nos custos do grupo, já que a primeira diretriz acaba por exigir grandes desembolsos para adaptação de fábricas e desenvolvimento de novos produtos.

Se a Mercedes tinha um grande envolvimento na F1, esta veio através de Zetsche. Sua presença nos boxes chamava a atenção pelo vistoso bigode e ele foi um dos entusiastas da construção da equipe própria. Embora Kallenius tenha sido comandante da divisão de motores de alto desempenho (entre 2004 e 2010) e diretor da equipe (de 2013 a 2019), nunca soou como um grande entusiasta das competições

Olhando as notícias desta época, não foram poucas as notícias de que a Mercedes considerava sim vender suas operações ou pelo menos conseguir uma melhor situação na divisão de dinheiro de modo a otimizar o desembolso da marca. Ao menos contabilmente, a Mercedes desembolsava de US$ 60 a 80 milhões do orçamento da equipe, o que representava cerca de 20% do total. Isso sem contar o orçamento da divisão de motores...

A reorganização da F1 por conta da COVID e a morte de Niki Lauda fizeram as coisas mudarem e a linha de Kallenius foi introduzida. Até porque não foram poucas as vozes que o novo manda-chuva e Toto Wolff não dividiam as mesmas visões. Embora fosse um acionista minoritário, Lauda era um aliado de Wolff e sua partida acabou por tirar um pouco da sua posição de força, construída pela sequência de títulos.

Com a introdução do novo acordo comercial, Kallenius conseguiu o que queria: um limite de orçamento e justificar o investimento da marca na F1, que gerava um retorno de exposição de US$ 4 bilhões.

Mas o limite orçamentário abriu oportunidades e ao mesmo tempo forçou mudanças. Do lado das oportunidades, a Mercedes ganhou novos sócios: a gigante petroquímica britânica INEOS comprou 33% do capital e Toto Wolff aumentou sua participação de 10% para 33%. Isso significou que os alemães seriam donos de um terço da operação e seguiriam dando o nome à equipe.

Fuga de cérebros: uma constante

Só que a introdução de controles orçamentários levou a uma grande fuga de cérebros. Para tentar conter isso, a Mercedes abriu uma unidade de Engenharia Aplicada, direcionando para ela James Allison, Diretor Técnico. Antes disso, o time já tinha perdido Aldo Costa, que foi comandar a área técnica da Dallara.

Em um primeiro momento, a Mercedes adotou a política de usar a prata da casa: para o lugar de Allison, veio Mike Thomas, que já fazia parte da equipe. Ele assumiu o comando do desenvolvimento do W12 de 2021 e preparar a adaptação para o novo regulamento. Depois, uma outra baixa relevante: Andy Cowell, a cabeça pensante da área de motores pediu para sair. Para seu lugar, Hwaell Thomas, mais um que fazia parte do time. Mas isso não impediu a saída de diversos profissionais desta área para a Red Bull PowerTrains.

Para 2020, estas ações deram conta. Mas em 2021 o caldo começou a entornar. A luta com a Red Bull foi complicada e a Mercedes teve muito custo para se manter em condições de disputar. A esperança era que 2022, com o novo regulamento, as coisas voltassem ao normal.

Escolhas de projeto equivocadas

Esta era a expectativa geral. E quando o W13 apareceu, as atenções foram todas para as flechas de prata (que voltavam). O time resolveu ousar e trouxe os chamados zeropods: as laterais cumprindo somente a função de absorção de energia e inclusive o uso de radiadores baseados em tecnologia de foguetes. O objetivo era reduzir ao máximo a área frontal do carro, assim gerando menos arrasto e ganhando mais velocidade.

George Russell com o W13 em Interlagos: um momento de ilusão
George Russell com o W13 em Interlagos: um momento de ilusão
Foto: Mercedes AMG F1

A expectativa da Mercedes era que o carro fosse pelo menos de 1,5 segundos mais rápido do que a concorrência. Só que a realidade foi dura com os comandados de Toto Wolff. As premissas foram erradas e o W13 não gerou nem um pouco do ritmo que se esperava. Com as limitações de custo e uso de túnel de vento, a equipe tentou melhorar o projeto, o que aconteceu na segunda parte do ano e até levou a vitória de George Russell em Interlagos.

Só que a vitória de Russell convenceu que a Mercedes deveria seguir na linha do zeropod. E o W14 trouxe novamente o carro esguio, mesmo trazendo algumas soluções desenvolvidas pela concorrência. Não deu certo.

Isso fez que a fé que Hamilton tinha na equipe fosse se esvaindo. O clima de família feliz foi desabando com falas de que a equipe não teria o ouvido no desenvolvimento do carro nos últimos anos. Mas não pode se dizer que a Mercedes tentou reagir: James Allison voltou ao comando técnico e uma versão B com laterais mais “convencionais”. Mais uma vez, as melhoras apareceram, mas não a ponto de retomar a liderança.

Este quadro acaba também por dar a entender a postura de Lewis Hamilton. Não só pelas notícias que aparecem que a Mercedes queria uma renovação mais curta, mas pelas dúvidas no futuro da equipe, ainda mais com um novo regulamento às vésperas de ser implantado. A transferência de técnicos é um aspecto que nos últimos tempos tem ganho um maior peso nas manchetes e a Mercedes não tem se caracterizado por boas notícias nos últimos tempos.

A única boa nova que veio foi a reforma e ampliação das instalações da fábrica de Brackley. Mas em relação a vinda de novos profissionais, há um silêncio ensurdecedor. E isso acaba por mostrar a posição de Toto Wolff cada vez mais fragilizada e até alguns falam em um processo de apequenamento da Mercedes, o que pode piorar mais ainda a situação.

Este é o quadro. A situação da Mercedes foi cuidadosamente montada ao longo dos últimos anos. Podem se recuperar? Sim. Só que as perspectivas não parecem ser muito brilhantes e a dúvida que surge é quem será o real líder do time, já que Hamilton sai no fim do ano e Russell vai querer se por em uma situação de provar que pode ser o novo líder. Tanta movimentação pode fazer o barco ficar mais à deriva ainda....

Apequenamento? Fosse a Mercedes um time como a Ferrari, uma enorme crise se formaria e cabeças seriam pedidas em praça pública.

Parabólica
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