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Companhias contratam profissionais com autismo

27 ago 2018 - 11h18
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Quando as empresas afirmam que as suas contratações procuram contemplar a diversidade, muitos podem associar o termo apenas às diferenças raciais, de gênero ou opção sexual.

A expressão, no entanto, vai além e também engloba a neurodiversidade - conceito que considera que o desenvolvimento neurológico atípico é uma diferença humana normal que deve ser respeitada. E é isso o que algumas companhias estão fazendo ao contratarem profissionais com transtorno do espectro do autismo (TEA).

Iago Brunherotto, de 24 anos, formado em ciência da computação e seu colega, Eryk Nakamura, de 25 anos, graduado em banco de dados, são exemplos de que mesmo com TEA eles têm muito a contribuir profissionalmente. Há um ano os dois trabalham no Itaú Unibanco.

"Nós já sabíamos que portadores de TEA têm características como concentração, foco, habilidade na revisão de conteúdos e capacidade para realizar cálculos complexos em pouco tempo. Mas as melhorias que eles estão implantando nos processos superam o esperado. Tanto que já contratamos mais dez profissionais", diz Amandha Cortes, superintendente da área de pessoas da instituição.

Iago diz que é muito gratificante ter conquistado a vaga. "Olhando para trás vejo que nunca tinha imaginado estar aqui, sinto muito orgulho. As pessoas são muito colaborativas e o ambiente de trabalho, sem baias, ajuda na integração. Se alguém tem dúvida, procura um colega. Todos compartilham conhecimento."

O profissional já ganhou duas edições da Olimpíada Brasileira de Matemática. Recentemente, reduziu o tempo para a realização de uma operação complexa dentro do banco, que foi revertida em resultados financeiros reais e em aumento de eficiência na área.

Eryk também vive sua primeira experiência profissional. "Ele realizou a alteração de um complexo código SQL e transformou um processo que rodava em 48 horas e passou a rodar em 7 horas. A identificação e exclusão de processos desnecessários ao sistema resultaram em ganho de eficiência para a empresa", diz Amandha.

O jovem afirma que convive bem com os colegas. "Eles estão me ensinando a parte de análise e eu ensino programação. Já aprendi a fazer análise de riscos e a categorizá-los. Agora que tenho um salário, estou fazendo investimentos", conta.

Essas contratações só estão sendo possíveis porque o banco fechou parceria com a Specialisterne, empresa dinamarquesa criada em 2004 e que atua no Brasil desde 2015.

"Somos uma das primeiras empresas capazes de aproveitar as capacidades especiais das pessoas com autismo, síndrome de Asperger e diagnósticos similares", afirma a diretora de formação, Fernanda Lima.

Ela conta que a empresa oferece a essas pessoas programa de formação para o mercado de trabalho, com seis meses de duração. "Além de formação técnica na área de TI, também oferecemos treinamento voltado principalmente às habilidades sociais para o trabalho, que é a área na qual eles demandam um processo maior de adaptação."

Ao longo do curso, profissionais da Specialisterne avaliam quais são as competências técnicas que a pessoa já tem e as que precisam ser desenvolvidas, a partir das habilidades próprias de cada um. "Também avaliamos o apoio que eles podem precisar para o desempenho das funções", diz.

Fernanda conta que até o momento 40 pessoas já estão trabalhando em 11 empresas que fecharam parceria com a Specialisterne. "Dentro de cada companhia há uma pessoa que acompanha o dia a dia de trabalho deles. Nós também fazemos acompanhamento próximo para que possamos realizar adaptações especificas e promover o desenvolvimento contínuo desses profissionais."

Gerente de RH na SAP Brasil e responsável pelo programa Autism@Work, Eliane Demitry conta que a unidade brasileira fechou parceria com a Specialisterne em 2015, mas globalmente a empresa mantém esse tipo de parceira desde 2013.

"A empresa percebeu as vantagens competitivas que um profissional com TEA pode gerar ao negócio e ao ambiente interno. Os principais objetivos do programa são: atrair talentos, trazer perspectiva diferente para o processo criativo, explorar essa fonte de talentos e capturar habilidades especiais das pessoas com TEA, retendo os melhores profissionais."

Segundo ela, a neurodiversidade é semelhante, em muitos aspectos, a outras formas de diversidade, seja étnica, racial, cultural, sexual ou de gênero. "Como essas outras formas de diversidade, a neurodiversidade pode enriquecer uma sociedade ou comunidade que a abraça. No entanto, ela é frequentemente recebida com preconceito por pessoas que acreditam que há apenas uma maneira ?certa? para os outros serem, pensarem ou agirem."

Eliane afirma que os times e gestores já perceberam que as habilidades desses profissionais podem ajudar muito no sucesso dos objetivos da área. "Além disso, notamos que os times sentem orgulho de participarem do programa e do desenvolvimento desses colegas."

A Dow Química participa do programa desde meados de 2017. "A Dow quer ser a empresa de ciência de materiais mais inclusiva do mundo e já avançou muito nesse sentido, por isso estamos preparados para termos colaboradores com TEA", diz a líder de gerenciamento de dados, Rosangela Medeiros.

Até o momento, a empresa contratou o analista de códigos Pedro Lisboa. "Ele é especialmente focado e tem alto poder de concentração, o que é excelente para nosso negócio."

Segundo ela, em alguns aspectos, os números de produtividade de Lisboa têm superado o desempenho de outros integrantes do time. "Essa inclusão foi tão positiva que estamos buscando outro profissional."

Habilidades

Normalmente quem tem transtorno do espectro do autismo (TEA) apresenta aptidão matemática, tecnológica, musical e artística, alta capacidade de concentração, talento para atividades

repetitivas e para dedicar-se à realização de tarefas metódicas sem perder a concentração,

além de capacidade insuperável para detalhes.

Formação

A Specialisterne atua no Brasil desde 2015 e foi criada na Dinamarca em 2004. O programa de formação dura seis meses. Depois desse período, os alunos tornam-se consultores contratados pela própria Specialisterne e prestam serviço durante um ano às empresas parceiras. Após esse período podem ser contratados diretamente pela empresa, mas o acompanhamento da Specialisterne é permanente, para fazer ajustes e capacitações.

Estadão
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